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Direitos humanosRepública Democrática do Congo

Rei belga lamenta passado colonialista em visita ao Congo

8 de junho de 2022

Em primeira estada na ex-colônia República Democrática do Congo, rei Filipe reconhece injustiça e racismo do sistema colonialista. Falta de desculpas formais, contudo, decepciona muitos congoleses.

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Rei Filipe e rainha Matilde descem escadaria do Palácio do Povo, em Kinshasa, cercados por multidão
Rei Filipe e rainha Matilde no Palácio do Povo, em KinshasaFoto: Nicolas Maeterlinck/dpa/BELGA/picture alliance

Em visita histórica à República Democrática do Congo, o rei Filipe da Bélgica reconheceu nesta quarta-feira (08/06) que o domínio colonial de seu país sobre a vasta nação centro-africana infligiu abuso, dor e humilhação.

"Esse regime era uma relação desigual, em si injustificável, marcada por paternalismo, discriminação e racismo", disse, em discurso em francês diante do Parlamento em Kinshasa. Assim expressou em público seu remorso pelo brutal passado colonialista belga, manifestado pela primeira vez dois anos atrás.

"Embora numerosos belgas tenham se engajado sinceramente, amado profundamente o Congo e seu povo, o regime colonialista, em si, era baseado em exploração e dominação", admitiu, em sua primeira viagem ao país desde que assumiu o trono, em 2013.

Filipe chegara na tarde da véspera à capital congolesa, com a rainha Matilde, para uma estada de seis dias, anunciada como uma chance de reconciliação entre a RDC e seus antigos senhores coloniais.

Colonização brutal: arrependimento não basta

No entanto, a falta de um pedido formal desculpas pelos crimes da era colonial, decepcionou muitos congoleses. Segundo observadores, a reticência de Filipe possivelmente se deve ao fato de que uma desculpa formal pode ser usada por Kinshasa como argumento para exigir reparações financeiras.

"Saúdo o discurso do rei belga. No entanto, perante os crimes cometidos pela Bélgica, arrependimento não basta", comentou a senadora oposicionista Francine Muyumba Nkanga nas redes sociais. "Esperamos dele um pedido de desculpas e uma promessa de reparações. Esse é o preço para virarmos definitivamente a página."

Estátua pichada de do rei Leopoldo 2º da Bélgica, em Bruxelas:
Estátua pichada de Leopoldo 2º em Bruxelas: para monarca, Congo foi feudo pessoal durante 23 anosFoto: Nicolas Landemard/picture alliance/dpa/MAXPPP

A colonização do Congo pela Bélgica foi uma das mais brutais impostas pelas potências europeias que subjugaram a maior parte da África no fim do século 19 e início do 20.

Entre 1885 e 1908, antes que o território se tornasse colônia belga, o rei Leopoldo 2º, irmão do tataravô de Filipe, o governou como sua propriedade pessoal. Segundo historiadores, no que é hoje a RDC até 10 milhões de africanos foram assassinados, mutilados ou morreram de doenças, enquanto eram forçados a extrair borracha. O país foi também saqueado por sua riqueza mineral, madeira e marfim.

Em 2020, quando a RDC se encaminhava para o 60º aniversário de sua independência, Filipe escreveu uma carta ao presidente Felix Tshisekedi para expressar seu "pesar mais profundo" pelas "feridas do passado".

Dente de Lumumba, arte pilhada e segurança no Leste

A visita se dá num momento em que Bruxelas se prepara para devolver a Kinshasa um dente de Patrice Lumumba, únicos restos mortais do herói da luta anticolonialista e primeiro-ministro do Congo independente por menos de dois meses, antes de ser assassinado.

Em 1961, foi preso, torturado por separatistas congoleses e mercenários belgas, e finalmente fuzilado, juntamente com dois companheiros, na presença de autoridades belgas. Seu corpo foi dissolvido em ácido sulfúrico e os ossos, moídos e dispersados, para evitar que se criasse um local de culto. No entanto, um dos carrascos, um policial belga, guardou o dente como troféu.

Patrice Lumumba, primeiro-ministro do Congo independente
Patrice Lumumba foi o primeiro chefe de governo do Congo independente, até ser assassinado em 1961Foto: Everett Collection/picture alliance

Em 2021, Bruxelas traçou um roteiro para devolver obras de arte pilhadas durante a era colonialista – um tema sensível na RDC. Nesta quarta-feira, o monarca belga visitou o Museu Nacional em Kinshasa, onde entregou uma máscara utilizada pelo grupo étnico suku em rituais de iniciação, num empréstimo "ilimitado" do Museu Real Belga para a África Central.

Com cerca de 90 milhões de habitantes, a República Democrática do Congo é um dos países mais pobres do mundo. Mais de 120 grupos milicianos vagam por sua volátil região leste, em grande parte em decorrência de guerras regionais mais de duas décadas atrás. Massacres de civis são constantes.

Filipe também chega num momento de tensão entre Kinshasa e a vizinha Ruanda por causa de atividades rebeldes no Leste. O governo congolês acusou os ruandenses de apoiarem o ressurgimento da milícia M23, o que Quigali nega.

Numa coletiva de imprensa nesta quarta-feira, o presidente Tshisekedi disse considerar o apoio de segurança como prioridade na relação de seu país com a Bélgica, pois "não há desenvolvimento sem segurança".

Em seu discurso perante o Parlamento, Filipe confirmou que a situação no Leste da RDC não pode continuar: "É responsabilidade de todos nós fazer algo a respeito."

av (Reuters,AFP)