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EconomiaFrança

Reforma da Previdência na França: missão impossível?

31 de janeiro de 2023

Governo Macron quer implementar reforma do sistema previdenciário que inclui, entre outras medidas, elevar a idade mínima de aposentadoria para 64 anos. Mas maioria da população é contra, inclusive alguns economistas.

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Membros do sindicato francês CGT durante manifestação contra a reforma da Previdência na França em 19 de janeiro de 2023
Sindicato CGT é uma das principais forças por trás da organização das manifestações na FrançaFoto: Eric Gaillard/REUTERS

O primeiro dia de protestos contra a reforma da Previdência almejada pelo governo francês pode ser um mau presságio para o presidente da França, Emmanuel Macron. Em 19 de janeiro, pelo menos 80 mil cidadãos foram às ruas em Paris, cerca de 2 milhões em quase todo o país, na maior avalanche de manifestantes na França dos últimos dez anos.

E os protestos seguem nesta terça-feira (31/01). Entre as palavras de ordem entoadas há uma provocação ao presidente francês; "On est là, on est là, même si Macron ne veut pas, on est là" ("Estamos lá, mesmo se Macron não quiser"). Isso porque, embora o governo insista que a reforma previdenciária é absolutamente necessária, muitos franceses são contra os planos – inclusive alguns economistas.

O professor do ensino fundamental Frank Lopes Costa, de 35 anos, era um dos milhares de manifestantes nas ruas de Paris, em 19 de janeiro: "Não se trata apenas de pensões, a reforma põe em questão o cerne do nosso sistema social. Os tempos já são difíceis, também devido ao aumento dos preços. Agora eles ainda querem nos impor essa reforma. A França está se tornando cada vez mais liberal economicamente, mas a gente não quer isso."

Segundo pesquisas, está em franco crescimento a parcela dos franceses também contrários à reforma previdenciária: segundo a enquete mais recente, eles seriam quase 70% da população francesa.

Palácio do Eliseu: reforma é necessária

O governo insiste que a reforma é urgentemente necessária. "Queremos manter o nosso sistema de repartição [da Previdência]. Essa reforma garantirá o futuro das nossas pensões", afirmou a primeira-ministra Elisabeth Borne no Senado, em meados de janeiro.

Ao contrário de outros países, como a Alemanha, a França possui um sistema de repartição puro, sem elementos de provisão privada. Existem fundos comuns de pensões para trabalhadores e funcionários públicos, e 27 fundos especiais, por exemplo, para bailarinos da Ópera de Paris e policiais, que se aposentam mais cedo.

O governo francês quer aumentar a idade mínima de aposentadoria de 62 para 64 anos até 2030. Além disso, a partir de 2027, para receber pensão integral seria necessário ter trabalhado pelo menos 43 anos, em vez de 42. Em todo caso, mantêm-se o direito à pensão proporcional a partir dos 67 anos.

A reforma garantiria uma aposentadoria antecipada para quem começasse a trabalhar muito cedo e manteria alguns fundos especiais, abolindo outros. Macron também planeja aumentar em 100 euros a pensão mínima, para cerca de 1.200 euros por mês.

Multidão durante protesto contra a reforma da Previdência na França
Presidente Macron é o alvo central das manifestações contra os planos de reforma previdenciáriaFoto: Benoit Tessier/REUTERS

Quem paga as aposentadorias dos funcionários públicos?

Paris baseia seus argumentos no relatório de uma comissão de especialistas incumbida pelo próprio governo. Segundo o documento, a despesa com pensões em 2032 corresponderia a até 14,7% do Produto Interno Bruto (PIB), em vez dos atuais 13,8%. Para muitos economistas, portanto, está correto que se busque elevar a idade mínima de aposentadoria, também em vista do desenvolvimento demográfico.

"Em 1950, quatro trabalhadores financiavam um aposentado, em 2000 eram apenas dois e em 2040 será apenas 1,3. Isso não será mais sustentável", afirma Jean-Marc Daniel, professor emérito de economia da ESCP Business School, em Paris. "Além disso, a única razão por que o sistema previdenciário não está no vermelho é que o governo paga, entre outras coisas, as pensões dos funcionários públicos. Se não, haveria um déficit de 30 bilhões de euros."

O economista Philippe Crevel, diretor do think tank parisiense Cercle de I'Epargne, concorda com Daniel: "Esta reforma é necessária, pois precisamos de mais trabalhadores para promover o crescimento econômico. Na França, a taxa de ocupação entre os idosos é relativamente baixa, em comparação com outros países. Isso aumentaria automaticamente com a elevação da idade mínima de aposentadoria."

Debate desconcertante entre especialistas

Mas nem todos os economistas defendem a reforma. E, paradoxalmente, os opositores se baseiam no mesmo relatório da comissão de especialistas citada pelo governo francês como justificativa para lançar a reforma. Dele consta que "dependendo das preferências políticas, é perfeitamente legítimo fazer ou não a reforma da previdência". Afinal, os resultados dos cálculos não mostraram que os gastos sairiam do controle.

Para Michael Zemmour, economista da Universidade Sorbonne de Paris (sem parentesco com o polêmico político de extrema direita Eric Zemmour), essa é uma prova de que o governo almeja a reforma por outros motivos.

"Nosso sistema previdenciário está indo bem, também porque a idade de aposentadoria já foi aumentada por meio de medidas anteriores. O governo só quer equilibrar o seu orçamento porque concedeu incentivos fiscais, principalmente a empresas. Eles querem desmantelar gradativamente o nosso sistema social."

Ao mesmo tempo, os altos gastos do governo são justificáveis, pois o sistema de repartição francês reduz as desigualdades. Além disso, muitos trabalham para além dos 62 anos, a fim de receber o valor integral da aposentadoria.

Segundo Zemmour, a idade real de aposentadoria da França está no meio da tabela dos países europeus. "O relatório dos especialistas prevê um déficit em alguns anos, mas isso também pode ser compensado por contribuições mais altas de empregados e empregadores, algo que muitos franceses preferem, em vez desta reforma."

Funcionários do transporte ferroviário acendem fogos pirotécnicos durante manifestação contra a reforma da Previdência na França
Funcionários do transporte ferroviário acendem fogos de artifício durante manifestação contra reforma da PrevidênciaFoto: Sarah Meyssonnier/REUTERS

Orgulho do trabalho – e da pensão

Diante de tanta discórdia, os franceses mal sabem o que pensar, comenta a socióloga Danièle Linhart, especialista em questões trabalhistas. "Na mídia, os especialistas nos enchem de exemplos e análises, de que a gente não entende quase nada", critica a diretora emérita de pesquisa do instituto público CNRS.

"A população vê que a conclusão de uma análise depende da ideologia do especialista. A questão é em qual tipo de sociedade queremos viver: uma de mercado, em que prevalece a lei do mais forte, ou uma que amortece as desigualdades."

Linhart chama a atenção para uma característica da sociedade da França: "Os franceses têm uma relação muito especial com o tema trabalho, algo que remonta à época da Revolução Francesa. Ela estabeleceu que só como cidadão livre se pode vender a própria força de trabalho. O trabalho tornou-se assim um símbolo da luta de classes. Lutou-se por muito tempo pelo direito de se aposentar numa certa idade."

E os franceses não querem abrir mão desse direito: outras manifestações e greves estão planejadas.