1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Radicalização ameaça democracia brasileira, diz especialista

Marina Estarque, de São Paulo12 de março de 2016

Sociólogo Fernando Lattman-Weltman afirma que atual acirramento dos ânimos é alarmante. "Os dois lados consolidaram posições, e tudo que o outro faz só reforça a convicção de que é uma guerra. A situação é muito grave."

https://p.dw.com/p/1IByq
Em novembro, manifestantes pró- e anti-governo se enfrentaram em BrasíliaFoto: Getty Images/AFP/E. Sa

A radicalização e a polarização política colocam em risco a estabilidade das instituições e da democracia brasileira, afirma o sociólogo e cientista político Fernando Lattman-Weltman.

"Existe ameaça, porque todos os poderes da República estão submetidos a essa dinâmica de radicalização. Mesmo o Poder Judiciário, que deveria ser o mais neutro, já está na berlinda. Há fortes críticas e suspeitas à lisura e funcionamento de setores do Judiciário", diz o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Segundo Weltman, que desenvolve pesquisa sobre a relação entre as mídias sociais, imprensa e radicalização no Brasil, bem como sobre a estabilidade dos regimes, o atual acirramento dos ânimos é alarmante. Ele menciona os recentes confrontos entre manifestantes contra e a favor do PT e se diz preocupado com possíveis embates nos protestos de domingo (13/03), organizados por movimentos pró-impeachment.

"O processo de radicalização, quando vira esse ciclo vicioso de ação, reação e provocação, torna-se autônomo e se retroalimenta", explica. "Os dois lados consolidaram posições, e tudo que o outro faz só reforça essa convicção de que é uma guerra."

DW: O Brasil vive um processo de radicalização e polarização?

Fernando Lattman-Weltman: Sem dúvida nenhuma. É uma radicalização porque há um partido que ganhou e quer governar, e uma oposição que quer inviabilizar esse governo e acha que tem argumentos justos para isso. Um lado não tolera o outro, não há espaço de negociação ou diálogo. É uma disputa de poder. No meio disso, também existe uma polarização de caráter ideológico. Certos grupos pró-PT defendem determinada linha política, que, para eles, estaria condenada se outro partido assumisse. Da mesma forma, outros partidos podem culpar as políticas econômicas de esquerda por tudo que deu errado. Então tem radicalização e polarização, as duas coisas juntas. É difícil separar uma da outra, mas é preciso, porque elas requerem soluções diferentes.

A radicalização é sempre negativa para a sociedade?

Isso depende da perspectiva. Para quem acha que a democracia e a estabilidade das instituições são um valor em si mesmo, algo pelo qual lutamos muito, evidentemente que essa radicalização é alarmante. Já para quem acha que essa crise indica uma contradição mais profunda da sociedade, que não vai se resolver sem uma transformação violenta, a radicalização pode ser boa. O mesmo vale para os partidários de processos revolucionários ou regimes autoritários. Mas, para a maioria das pessoas, preocupadas com a situação social e econômica, esse agravamento é ruim, independentemente das suas posições políticas.

O senhor acha que esse radicalismo ameaça a estabilidade da nossa democracia e das nossas instituições?

Eu acho que sim, infelizmente. A situação é hoje muito grave. Todos os poderes da República estão submetidos a essa dinâmica de radicalização. Mesmo o poder que deveria ser o mais neutro, o Judiciário, já entrou na berlinda. Há fortes críticas e suspeitas à lisura e funcionamento de setores do Judiciário ou do sistema de Justiça mais amplo, que inclui a Polícia Federal e o Ministério Público. Até supostas soluções, como o projeto de adoção a toque de caixa do parlamentarismo, só aumentam a instabilidade. Não vou entrar no mérito desse sistema, mas propostas assim, nesse contexto, só jogam mais lenha na fogueira. Projetos assim certamente serão interpretados como golpe, mesmo que essa não seja a intenção. Se a gente abrir a porteira para soluções extraordinárias, qual é o limite?

E qual é o papel da imprensa nesse processo?

É um papel muito preocupante, porque ela pré-julga e seleciona. Por conta da crise que está vivendo, também ligada às novas tecnologias, a imprensa parece estar querendo fidelizar o seu público através da radicalização partidária.

E as mídias sociais, como elas influenciam a radicalização?

Elas têm um lado muito positivo de democratizar o acesso à informação, mas também geram uma exacerbação. Há mecanismos das redes que fazem com que as pessoas se entusiasmem com a exposição e coloquem argumentos só para gerar determinadas reações. E há uma dinâmica perversa desses algoritmos, que fazem com que o usuário veja cada vez mais aquilo que buscou, sempre mais do mesmo. Isso gera uma falsa sensação de que há uma multidão que pensa igual a ele, mas talvez sejam só algumas pessoas. Para quem se sentia isolado ou excluído, as redes oferecem esse pertencimento, que é positivo. Mas elas também contribuem para acirrar os ânimos.

E radicalização em geral aumenta a adesão aos protestos de domingo?

Sem dúvida nenhuma. E há um risco muito grande de confronto. Os movimentos sociais ligados ao PT decidiram não convocar manifestações no domingo, o que eu acho uma medida responsável. Quanto mais se puder evitar confronto, melhor.

E o pedido de prisão do Lula só piora essa radicalização...

Só aumenta. Do ponto de vista de quem está na esquerda, isso é uma perseguição política para inviabilizar o governo e uma candidatura do Lula em 2018. E é muito difícil convencer alguém da esquerda de que não é assim. Da mesma forma, para a direita, a Lava Jato é apenas uma investigação natural, que está desmontando a máquina de corrupção e poder do PT – um partido que, no fundo, queria instalar um sistema bolivariano no Brasil. E ninguém os convence do contrário. A radicalização chegou a esse ponto. Os dois lados consolidaram posições, e tudo que o outro faz só reforça a convicção de que é uma guerra. Há um ano o país está sendo preparado para esse conflito. Não que alguém tenha manipulado os cordéis para isso. O processo de radicalização começou nas eleições, se acelerou no ano passado e chegou a esse confronto.

O que o senhor acha que poderia ser feito na esfera pública para diminuir essa radicalização?

O processo de radicalização, quando vira esse ciclo vicioso de ação, reação e provocação, torna-se autônomo e se retroalimenta. Não adianta tentar dialogar, porque você não vai encontrar bom senso em ambos os lados. O pessoal não vai depor as armas e sentar para conversar. A única saída é romper com o outro círculo vicioso, da crise econômica e política. O governo tenta há um ano, de maneira mais ou menos desastrada, fazer isso e governar. A rede pode estar radicalizada, mas as lideranças da sociedade civil, dos trabalhadores, das associações, dos empresários, do Poder Judiciário, do Congresso, precisam se articular para tentar achar uma saída para a crise.