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Quando a política divide a família

10 de outubro de 2018

Confesso que, nestas eleições, às vezes me estranhei com o meu amado Brasil. Para mim, até agora, quando se falava de radicalização política, os alemães é que eram os envenenados.

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Symbolbild Streit
Foto: picture-alliance/dpa

Caros brasileiros,

Imagine que você esteja reunido com sua família na ceia de Natal. Na hora de trocar os presentes, a festa começa a ficar perigosa. Sua mãe, que votou em Fernando Haddad, ganha uma camiseta de Jair Bolsonaro, e você, que votou em Bolsonaro, uma camiseta de Haddad.

Claro que essa cena é pura imaginação. Mas como você reagiria? E a sua mãe? Só faltam dois meses para o Natal, e já está na hora de pensar como acalmar os ânimos. Mas será que isso ainda é possível? Será que a polarização política e o ódio ao próximo que pensa diferente podem ser superados?

Confesso que, nestas eleições, às vezes me estranhei com o meu amado Brasil. Para mim, até agora, quando se falava de radicalização política, os alemães é que eram os envenenados. Os brasileiros, considerando as dificuldades em que vivem, para mim sempre foram um exemplo de tolerância, hospitalidade e simpatia.

Agora, durante essa campanha eleitoral, me choquei com a extensão e a intensidade da raiva que observei no Brasil e especialmente nas redes sociais. "Evitar o pior" – isso ainda era o eufemismo mais elegante para dizer que se discordava de alguém e se votava no candidato oposto.

"Evitar o pior" tudo mundo quer. O problema começa na hora de definir o que seria "o pior". Pois, nessa hora, a discrição acaba e, na melhor das hipóteses, começa um debate politico sério – no Brasil atual, infelizmente, provavelmente uma "guerra" política.

Essa "guerra" atinge e divide amigos e familiares. Aqui, na Alemanha, existe um fenômeno parecido. Na minha família e no meu círculo de amigos, por exemplo, existem pessoas que simpatizam com a partido populista de direita AfD (Alternativa para a Alemanha).

Como esse partido é novo (foi fundado em 2013) e vem subindo nas pesquisas eleitorais, os seus seguidores agora se sentem no direito de falar coisas que antigamente não falavam. Reclamam que demoram para ser atendidos pelo médico porque o consultório estaria cheio de refugiados. Acham que o aluguel nas cidades grandes subiu por causa dos refugiados. Dizem que a criminalidade aumentou por causa dos refugiados.

Não importa que as estatísticas comprovem que a criminalidade não aumentou, mas diminui. Não importa que no consultório médico não haja refugiados, mas migrantes que já nasceram na Alemanha. Tudo é culpa dos refugiados.

Continuo brigando e discutindo com meus familiares e amigos sobre isso. Quantas vezes já ouvi aquela frase: "Não tenho nada contra estrangeiros, mas...". Essa frase, na ceia de Natal, com uma mesa cheia de brasileiros, está difícil de aturar.

Mas não desisti. Família só tem uma. Acho até que, na família, vale a pena discutir e brigar, pois é o lugar onde a pessoa é vista de uma maneira mais ampla. Dentro da trajetória de vida, diferenças politicas podem perder um pouco do peso. E outros assuntos podem pesar mais.

Tendo em mente essas diferenças políticas, poderia até tentar estabelecer algumas regras para garantir a paz nas festas e reuniões familiares e especialmente na ceia de Natal. Poderia por exemplo, deixar claro de antemão que alguns assuntos não deveriam ser abordados para não causar brigas e fissuras.

Mas, claro, tudo tem limite. Se membros da família são xingados de "nigger", como aconteceu no meu caso, fica difícil de festejar junto na ceia de Natal. Se os seus parentes chamam você de golpista, nazista, fascista, comunista ou idiota, a toalha de mesa está cortada. Mas, quem sabe, uma desculpa ou um gesto de reaproximação e calor humano possam costurar essa toalha cortada. Até o Natal, ainda tem dois meses. E dá tempo de trocar os presentes.

Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.

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