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Quando a impressão digital passou a resolver crimes

Zulfikar Abbany (ca)3 de setembro de 2016

Como identificação, as digitais têm sido usadas há milênios. Mas somente em 1891 um estatístico argentino criou as bases metodológicas para a primeira solução de um homicídio por esses identifcadores biométricos únicos.

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Impressão digital
Foto: Colourbox/T. Yakovyn

O emprego na criminologia da datiloscopia, a ciência das impressões digitais, teria começado há 125 anos, quando pela primeira vez investigadores usaram esses identificadores para resolver um assassinato.

O argentino Juan Vucetich, pesquisador de datilogramas e estatístico, se tornou chefe do Escritório de Identificação Antropométrica do Departamento Central de Polícia de La Plata. Em 1891, criou um sistema de classificação e um método para "individualizar", os prisioneiros usando as impressões digitais latentes. Essa é considerada a primeira aplicação da datiloscopia pela lei.

Só um ano depois, porém, foi solucionado o primeiro homicídio usando as digitais como prova. E quem pôs as algemas foi o inspetor Eduardo M. Álvarez, que aprendera com Vucetich a comparar essas marcas biométricas. Desde então aprendeu-se a confiar quase inteiramente nelas, como prova forense.

Impressões digitais num monitor de computador
Impressões digitais a tinta desapareceram no passaporte biométricoFoto: picture alliance/ZB

Impressões (mais ou menos) únicas

A tecnologia datiloscópica se expande, sendo hoje empregada para desbloquear nossos celulares, autorizar transferências bancárias ou conferir dados pessoais de refugiados nos diferentes bancos de dados.

Para saber ao certo se as impressões digitais são realmente únicas, seria necessários checar as de cada ser humano. Em vez disso, em algum momento da história decidiu-se que elas seriam marcadores singulares e uma forma perfeita de identificar indivíduos, uma maneira de nos distinguir.

Há indicações de que na China os datilogramas eram usados como forma de identificação já entre 200 e 300 a.C., e no Japão, no ano 702. Um milênio mais tarde, lentamente esse conhecimento chegou à Europa e às Américas. Mas como se pode estar seguros de que não há duas "impressões digitais latentes" – as linhas formadas pelas papilas das palmas das mão e solas dos pés – iguais? A estatística fornece essa certeza.

O especialista em datiloscopia David Goodwin lembra que, segundo o oficial inglês William James Herschel (1833-1917), a probabilidade de repetição seria em torno de um para 86 bilhões – e a população mundial não chega a isso. "Então, tudo é baseado em estatística. Mas ela se confirma na prática: milhões e milhões de comparações são realizadas diariamente."

Só recentemente houve tentativas de legitimar cientificamente a técnica datiloscópica, a fim de mensurar sua efetividade. "O primeiro estudo que se parece com uma pesquisa de validação das impressões digitais latentes foi publicado em 2011", relatou à DW Simon A. Cole, professor de Criminologia e Direito na Universidade da Califórnia (UCLA) em Irvine. "Como se pode observar, isso acontece depois de mais de 100 anos do início da utilização da técnica. Se um único estudo vai representar uma validação científica, é uma questão mais difícil."

Digitais e a estupidez humana

Por sua vez, Jennifer Mnookin, diretora da Faculdade de Direito da UCLA, aponta as novas descobertas sobre essa forma de prova, inicialmente "tomada como a autoridade última, sem o tipo de estudo científico e cuidadoso que requeremos hoje em dia".

"No estudo, a prova de impressão digital numa 'situação de teste' teve uma taxa de erro falso positivo bem reduzida, embora não zero", expõe Mnookin. "Já a taxa de erro falso negativo – o examinador dizer que duas digitais não conferem, quando, na verdade, provêm da mesma fonte – é bastante mais elevada. Assim, todo examinador que afirmar que nunca cometeu um erro está quase sempre errado."

Como cenas de crime costumam ser sujas e caóticas, pode ser uma tarefa complicadíssima comparar, com o fim de identificar um suspeito, uma impressão única recolhida num desses locais com as incontáveis impressões únicas armazenadas nos bancos de dados datiloscópicos globais, como o Eurodac da União Europeia.

"Não é o sistema, são os seres humanos", observa o datiloscopista independente Goodwin. E as digitais têm suscitado inúmeras provas da estupidez humana: "Há os traficantes de drogas que mutilam os dedos de propósito, para evitar a captura. Mas só fazem isso na ponta dos membros, esquecendo as nervuras nas palmas da mão e nas partes interdigitais."

"E, é claro, uma vez que cortam os dedos, eles passam a ter uma cicatriz permanente, que também é uma forma de identificação", complementa David Goodwin, ex-chefe do Departamento de Datiloscopia do Reino Unido, que já colaborou com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e o Tribunal Penal Internacional em Haia.

Tomada de impressões digitais
Não há indícios de que os datilogramas ficarão obsoletos na era digitalFoto: DW/S. Pabst

Viés cognitivo e obsolescência tecnológica

E os examinadores também cometem erros. Uma impressão levantada num local de crime pode estar manchada de sangue, ou ser apenas parcial. A polícia pode encontrar duas características de linhas coincidentes num banco de dados, e usar a interpretação e uma espécie de "viés cognitivo" para completar o resto das lacunas.

Em parte, foi o que aconteceu num caso bem documentado, envolvendo o advogado americano Brandon Mayfield, erroneamente identificado pelo FBI como suspeito dos atentados a bomba em Madri, em 2005, apenas com base numa digital parcial. Mais tarde as autoridades espanholas atribuíram o datilograma ao argelino Daoud Ouhnane.

O problema, explica Itiel Dror, neurocientista cognitivo no University College de Londres, é que muitas vezes os detetives criminais trabalham do "suspeito para a prova, mais do que da prova para o suspeito". Em outras palavras: os policiais podem inconscientemente – ou conscientemente – interpretar os indícios de que dispõem de forma que eles se ajustem ao suspeito. É o que se denomina "viés cognitivo".

Assim, 125 anos depois e com novas tecnologias como o teste de DNA e outros dados biométricos, por quanto tempo os tribunais ainda aceitarão – "cegamente", segundo Dror – as impressões digitais como identificador único? Não existe o risco de elas ficarem obsoletas?

Jennifer Mnookin acredita que não: "Tecnologias como a edição do genoma ou os biochips poderão acabar mudando nossa concepção de ser humano de forma significativa, mas a prova datiloscópica é algo muito mais mundano, e provavelmente permanecerá importante: 'Este corpo, este dedo, esta pessoa esteve presente no local do crime?'"