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Pé na praia: O taxista honesto e a heroína

Thomas Fischermann
9 de agosto de 2017

Já havia sido vendedor de verduras e gerente em lojas de mercadorias, mas há 15 anos entrou na profissão de motorista de táxi. É um dos bons, disse: um taxista à moda antiga.

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DW Brasilianisch Kolumne - Autor Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

O dia em que Salim arrancou a bolsa de sua passageira havia começado estranho. "Virei para trás, segurei na bolsa e puxei-a para mim num só golpe", disse o taxista, um senhor de 68 anos de idade e compleição forte. Já havia sido vendedor de verduras e gerente em lojas de mercadorias, mas há quinze anos entrou na profissão de motorista de táxi. Passa sete dias por semana nas ruas do Rio de Janeiro, das 7:30 até algumas vezes depois da meia noite. É um dos bons, disse para mim, um taxista à moda antiga. "Cuido não só da corrida, mas também do bem-estar geral de meus passageiros", contou. E, apesar disso, naquele dia arrancou a bolsa de sua passageira.

"Já ao entrar no carro a mulher me disse que estava muito triste", contou Salim, recentemente, quando passamos duas horas conversando. Comprei um copo de água (para o motorista) e um de cerveja (para o jornalista gringo) em um quiosque de praia da Zona Sul. O homem sabia contar histórias, e eu queria saber sobre a profissão dos taxistas que, no momento, diante da crise econômica e da concorrência dos motoristas de Uber, vivenciam uma crise existencial. 

Salim me contou muita coisa a respeito, e achei a sua visão equilibrada. Como todos os taxistas, xingou muito os concorrentes do Uber, que podem oferecer um preço mais baixo e têm custos menores. Reconheceu que, antes de existir o Uber, seus colegas às vezes se comportavam como os reis da rua. Frequentemente não paravam em supermercados ou bares porque nestes lugares os passageiros davam muito trabalho, não subiam os morros, não transportavam cachorros. Ele, Salim, sempre fazia tudo isso. "Não existe um lugar sequer nesta cidade para onde eu não vou com o meu táxi, e todos conhecem o Salim", disse para mim com orgulho. Devia isso a seus clientes. Então finalmente terminou de contar a história da mulher. 

Primeiro foram para a Barra. E para o Recreio. E para a Prainha. A corrida de táxi ia para lugares da cidade cada vez mais afastados. "Já estava anoitecendo e comecei a pensar que ela queria fazer alguma coisa contra mim", contou Salim. Por isso ele puxou a bolsa para si. "Dentro dela encontrei um revólver e uma carta de despedida". Então conversou com a mulher. Ela disse: o marido colocou a mão no braço da secretária dele! "Mas mea filha!", respondeu Salim para ela. "Todo mundo conversa assim!" A mulher então voltou para casa e não se matou.

Tudo bem. Não sei direito o que pensar das histórias de Salim. Não tenho como checá-las, mas por outro lado, Salim não me deu nenhum motivo para duvidar. De qualquer forma eram ótimas. Falamos de jovens sinistros que pegava como passageiros de vez enquanto ("Aí fico sempre com um braço no casaco, para que pensem que estou armado"). Ouvi de policiais de trânsito, de assaltos, de clientes ninfomaníacas e de cenas quentes no banco de trás. Salim parecia querer me dizer de várias formas: nós, taxistas à moda antiga, ameaçados de extinção, também somos salva-vidas e psicólogos em uma pessoa só! E tudo que um taxista vivenciou no Rio de Janeiro – um motoristazinho de Uber qualquer vai custar para chegar lá! 

Então falamos de heroína. Pelo menos Salim acredita que se tratava de heroína, e em muita quantidade, que um de seus passageiros levava na bolsa em seu banco do lado. "Maços de dinheiro e essa droga, mais forte que maconha", disse. Heroína? "Sim, Heroína, deve ter sido isso".

O passageiro, disse Salim, usava um terno chique. Jogou muita conversa fiada para o lado de Salim, em breve se tornaria presidente da república, e Salim acenou com a cabeça e disse: "Ok, pode se candidatar, eu vou votar no Senhor". O passageiro gostou, e colocou um pozinho no nariz. Aí adormeceu, no banco do lado, e não queria mais acordar. Salim levou o passageiro para um hospital, "mas escondeu a bolsa com as drogas e o dinheiro", para não causar confusão nenhuma, explicou. Salim contou que esperou seu passageiro por cinco horas. Depois teve que assinar uns papéis dizendo que era responsável pela alta do paciente, e levou-o para casa.

"O passageiro contou seu dinheiro, eram 18 mil reais", disse o taxista. "Então me deu 5 mil e fiquei pensando que foi uma ótima noite. Estava precisando muito do dinheiro!" Não saberia dizer o que aconteceu com o homem mais tarde. "Nunca mais o vi na cidade", acrescentou Salim, com a expressão preocupada. Talvez tenha acontecido algo ruim com ele.

Já a potencial suicida – sim, Salim já encontrou com ela de novo. Havia sido seis ou sete anos atrás, a história da bolsa, do revólver e da praia deserta. "E sabe de uma coisa? Ela me disse que estava casada até hoje."

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão die ZEIT na América do Sul. Em sua coluna „Pé na Praia" faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.