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Dilema espanhol

Steffen Leidel (jc)30 de outubro de 2008

A decisão de um juiz de abrir as valas comuns onde está o corpo de Federico García Lorca, na Espanha, preocupa sua família. Sua sobrinha-neta, Laura García Lorca, teme que se faça da exumação um espetáculo midiático.

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Laura García Lorca é presidente da Fundação García Lorca e sobrinha-neta do poetaFoto: Fundación García Lorca

No último dia 16 de outubro, o juiz espanhol Baltasar Garzón anunciou o início de uma investigação sobre as vítimas da Guerra Civil Espanhola e da ditadura franquista. Como parte do processo de revirar o passado, ele pediu a abertura de 19 valas comuns onde estão enterrados os corpos de milhares de vítimas dos dois períodos – entre eles o do poeta Federico García Lorca.

Hoje tido como um dos maiores poetas espanhóis do século 20, Lorca foi perseguido por sua afinidade com as forças republicanas, no início da Guerra Civil, e por ser homossexual. Em agosto de 1936, aos 38 anos, ele foi preso e executado com um tiro na nuca pelos nacionalistas espanhóis, a mando do governador de Granada, José Valdés Guzmán. O crime foi dos primeiros episódios da Guerra Civil Espanhola a causar grita no mundo todo, um mês depois de estourar o conflito.

Federico Garcia Lorca
Federico García LorcaFoto: picture-alliance /dpa

A família de Lorca sempre se opôs à abertura da vala, mas anunciou, em setembro, que não reagiria caso houvesse uma decisão judicial neste sentido. Não se trata, porém, de uma mudança de atitude. À DW-WORLD.DE, sua sobrinha-neta, Laura García Lorca, explicou por que a família continua sendo contra a exumação.

DW-WORLD.DE: A família Lorca sempre se opôs à exumação do corpo do poeta. Há agora uma mudança de atitude?

Laura García Lorca: Continuamos tendo a mesma postura em relação à exumação dos restos de nosso tio. O que dissemos é que não vamos nos opor a uma decisão judicial, e tampouco queremos ir contra outras famílias que queiram recuperar os corpos de um familiar.

As duas posturas – tanto a de outras famílias que querem exumar as valas quanto a nossa – são legítimas e compreensíveis. Não queremos um enfrentamento. O que queremos, sim, é que se escute a nossa posição, e esta é que não queremos abrir a vala.

Mas se vocês não se opõem à exumação, isso já não é uma mudança de atitude?

Insisto que não há uma mudança. Nunca pedimos a exumação de Lorca e também nunca nos solicitaram-na – nem a nós, nem à Associação da Memória Histórica. Até hoje não entraram em contato conosco. O que mudou é que agora um juiz tomou a decisão de abrir 19 valas.

A decisão do juiz Garzón de abrir as valas e se declarar competente para investigar os crimes da Guerra Civil e do franquismo causaram preocupação na sua família?

Geburtshaus von Federico Garcia Lorca bei Granada
A casa onde o poeta nasceu, em Granada, em 1898Foto: picture-alliance /dpa

Sim, mas o promotor não está de acordo com a decisão [o promotor-chefe da Audiência Nacional da Espanha, Javier Zaragoza, que contesta a competência de Garzón para julgar os crimes do franquismo]. Não se sabe se a decisão partirá do juiz Garzón ou se tem que partir de um juiz local.

Manuel Fernández Montesinos, outro sobrinho de Lorca, quebrou o consenso familiar. Ele deu declarações dizendo que abrir as valas é uma profanação e que estuda o uso de recursos legais para impedi-lo. Os sobrinhos estão divididos com relação a esta questão?

Não, nós nos reunimos mais uma vez, como fizemos em 2003, para falar sobre esse assunto, que preocupa e diz respeito a todos. O comunicado que fizemos em conjunto, assinado pelos seis sobrinhos, é a nossa posição.

Quando Manuel Fernández Montesinos deu essas declarações, ele o fez a título pessoal, e depois voltamos a nos reunir. Estamos de acordo sobre manter a posição de não ir contra a decisão judicial, e continuarei explicando por que não queremos que seja cumprida.

Que significado esse lugar tem para a família Lorca?

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A lápide em homenagem a Lorca na vala onde se acredita estar seu corpo, em ViznarFoto: AP

Nós consideramos essa vala um cemitério. Antes, pensava-se que havia mil fuzilados lá. Hoje, pensa-se que pode haver até 3 mil mortos no barranco de Viznar. A idéia de buscar entre os restos mortais de uns e não os de outros é algo simplesmente terrível.

Até agora não se conhecem os nomes. Quando se fala em dignidade, o primeiro a se descobrir é quem são aquelas pessoas, qual é a sua história. Elas têm que ter um nome. O primeiro reconhecimento é o nome, e não os restos.

Você já disse que tem medo da abertura. O que você teme?

Por um lado, que se desvirtue este lugar, que é um lugar de memória de todos os fuzilados e que merecem o mesmo respeito. Ao colocar uns acima dos outros, ao encontrar restos de pessoas não identificadas e voltar a enterrá-los em uma vala comum. Há uma certa perversão nisso. O segundo é que é muito difícil evitar o espetáculo midiático. Vamos fazer o possível para evitá-lo.

Há um lugar indicado pelo historiador Ian Gibson onde se diz estar enterrado o corpo do poeta, ele e mais três pessoas. Um ponto na estrada de Viznar, debaixo de uma oliveira. Você acredita que ele está ali?

Não sabemos, há muitas dúvidas. Há uma diferença de 450 metros entre uma versão e outra.

Federico Garcia Lorcas
Lorca é o poeta e dramaturgo espanhol mais aclamado do século 20Foto: AP

Mas vocês não gostariam de saber onde está o seu corpo?

Não. Esse lugar é um cemitério, um lugar da memória. É um lugar da repressão fascista, dos assassinatos espantosos que aconteceram na Espanha. É um cemitério de todos.

O que vocês fariam se encontrassem seus restos mortais?

Deixaríamos onde estão. Estão em boa companhia. Sua presença neste lugar ajuda a recordar a presença dos demais. Nós gostaríamos que o lugar não fosse perturbado pelo que está acontecendo.

Você teme, por acaso, que não se encontre nada?

É possível. Passou-se muitíssimo tempo. Os cientistas dizem que não sabem em que estado vão encontrar os restos. Não se sabe...