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Plataforma monitora funcionamento do Judiciário brasileiro

14 de junho de 2019

Projeto Justa organiza informações de banco de dados públicos sobre juízes, promotores e defensores públicos. Num universo dominado por homens, membros do Judiciário estão entre os 0,08% mais ricos do país.

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Brasilien | Oberster Gerichtshof
Foto: STJ/S. Amaral

À frente do que diz ser a coleta de dados públicos mais ampla já feita sobre o Poder Judiciário, a pesquisadora Luciana Zaffalon espera que os dados causem constrangimento. Ela quer que mais brasileiros conheçam o campo de atuação de juízes, promotores e defensores públicos, um seleto grupo que integra os 0,08% da população mais rica do país.

A estratégia é expor informações sobre financiamento e as relações do sistema de Justiça em diferentes órgãos, que agora a plataforma online Justa pretende organizar.

"Estamos falando da gestão de um sistema feita por um grupo que acaba de aumentar seu teto salarial para R$ 39 mil. Mas a maioria ganha muito mais que isso", comenta sobre as carreiras jurídicas, que chegam a pagar R$ 90 mil mensais. "O que buscam essas pessoas?", questiona.

"As carreiras jurídicas estão, o tempo todo, numa proximidade muito grande com o Legislativo e Executivo para que cada vez mais recursos cheguem e elas continuem nesse patamar, entre os mais ricos do país, com o dinheiro público", afirma Zaffalon.

Alguns indícios vêm da pesquisa feita por Maria Carolina Schlitter, integrante do Justa. Ela vasculhou dados do orçamento em três estados, São Paulo, Ceará e Paraná. O levantamento mostrou que, em 2018, o Tribunal de Justiça paulista, por exemplo, recebeu R$ 12,4 bilhões, valor que ultrapassou o orçamento de outras dez pastas somadas - Assistência Social, Habitação, Saneamento, Direitos da Cidadania, Trabalho, Ciência e Tecnologia, Gestão Ambiental, Energia, Desporto e Lazer, Comunicações.

"Trata-se de um orçamento grandioso, e que vem crescendo. Entre 2013 e 2018, o pagamento de salários consumiu em média 79% do orçamento", comenta Schlitter sobre o TJ de São Paulo.

Na avaliação de Silvio Almeida, jurista e professor da Fundação Getúlio Vargas, os números mostram uma "disputa pelos orçamentos" em época de restrição econômica. Ao mesmo tempo em que os salários de juízes e promotores cresceram no último ano, uma medida que congelou gastos públicos aprovada em 2017 impede investimentos em áreas como Educação e Saúde até 2037.

Para Francisco Fonseca, pesquisador da PUC, o Justa revela um "conluio" das carreiras jurídicas. "É uma elite que pega recursos públicos dos mais pobres em detrimento das áreas que mais precisam", comenta, sobre o pagamento dos altos salários frente a redução de investimentos públicos.

No Brasil, as despesas com o Poder Judiciário consomem cerca de 1,3% do Produto Interno Bruto. Na Alemanha, esse percentual é de 0,32%. "O orçamento do Judiciário brasileiro é desproporcional a esse país tão desigual que é o Brasil”, opina Fonseca.

Numa outra frente de análise, o Justa averiguou os pedidos de suspensão de segurança, em que o presidente de um tribunal pode invalidar uma decisão de primeira instância a pedido de uma pessoa política - no caso, o governador.

O levantamento mostrou que, entre 2013 e 2018, todos os pedidos de suspensão de segurança feitos pelo governador de São Paulo foram atendidos pelo tribunal. Os processos analisados responsabilizavam o Poder Executivo por violações de direitos de pessoas presas, como falta de assistência médica.

Para Zaffalon, o caso mostra como a proximidade entre os Poderes prejudica não só a distribuição do orçamento, mas os princípios da democracia. "Vimos como os juízes livram governadores da responsabilização por violações”, comenta os resultados do Justa.

"É uma via de mão dupla. Ao mesmo tempo em que essas carreiras fazem a negociação para continuar recebendo os recursos que recebem, o Executivo e o Legislativo mantêm essa negociação para continuar exercendo algum tipo de controle sobre sistema de Justiça", completa;

Comandado por mulheres, o Justa revela ainda o domínio masculino na magistratura. Segundo as análises, homens brancos têm 38 vezes mais chances de se tornarem desembargadores que mulheres negras. E para cada juíza negra, há 7,4 juízes brancos no país. 

Os criadores da plataforma online esperam que os dados se popularizem, sejam usados por diferentes grupos da sociedade que brigam por garantias de direitos. Para a coordenadora da empreitada, as informações expostas dão uma outra cara à Justiça.

"Sempre olhamos para a Justiça como parte da solução dos nossos problemas democráticos. Mas talvez ela seja uma parte fundamental dos nossos principais problemas”, diz sobre as disparidades reveladas pelo Justa.

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