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País dividido, família unida

Ariana Galindo Gonzalez / Carolina Machhaus (sv)2 de abril de 2015

Em 1973, começa no Chile a ditadura militar. Anos mais tarde, o país ainda está dividido: de um lado, os defensores, do outro, os opositores de Pinochet. Na família da vó Eliana, os laços familiares superam as cisões.

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Foto: Martin Bernetti/AFP/Getty Images

Como era a situação do Chile antes da ditadura?

Nas eleições de 1970, os chilenos optaram pela primeira vez na história do país por um caminho explicitamente socialista. O governo de Eduardo Frei ainda tentou manter um meio-termo entre eleitores de esquerda e direita no país. Frei estatizou parte das minas de exploração de cobre e facilitou o acesso às instituições de ensino, enquanto pequenos produtores agrícolas fundaram seus próprios sindicatos.

Com a chegada ao poder do presidente Salvador Allende, o governo do país passou a seguir uma linha mais marxista. Allende defendia a "vía chilena al socialismo", ou seja, o caminho chileno rumo ao socialismo. Stefan Rinke, professor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim (FU), acredita que a população chilena se dividiu profundamente naquele momento. A vitória de Allende nas urnas significou apenas "meia democracia", já que a outra metade da população se opunha a seu governo.

Quando Allende tomou posse, o Chile passava por dificuldades econômicas e sociais. Naquela época, o número de crianças consideradas subnutridas no país chegava a um milhão – um percentual alto, tendo em vista uma população de 10 milhões de chilenos. Monica, filha da vó Eliana, ainda se lembra bem disso. Na época, ela estudava Pedagogia e trabalhava num bairro de baixo poder aquisitivo nos arredores de La Serena. E ela ainda tem na memória a imagem das crianças famintas e com a barriga inchada.

Salvador Allende
Salvador Allende, ex-presidente do ChileFoto: AP

Quando vó Eliana visitava a filha no trabalho, sempre levava pães para que Monica pudesse distribuir às crianças. "Minha mãe sempre apoiou meu trabalho, que ela levava muito a sério", conta Monica. O desemprego naquela época girava em torno de 9%. Enquanto isso, a classe alta (aproximadamente 4% da população) era proprietária de mais de 80% das terras férteis do país. Uma desigualdade que o governo Allende pretendia extinguir.

O governo Allende retirou o capital privado das indústrias, dos setores agrícola e financeiro, o que levou à perda de confiança por parte de investidores de dentro e fora do país. O resultado foi desastroso, com uma inflação que ultrapassou os 600% ao ano e uma situação de carência crescente entre a população.

Como era a vida durante a ditadura militar no Chile?

"A situação do país era considerada altamente problemática", afirma Rinke. Diante da dificuldade de abastecimento e das reformas controversas que estavam sendo implementadas, aumentava também a resistência ao governo, sobretudo entre os militares. O ápice da oposição à administração Allende foi o golpe militar de 11 de setembro de 1973. Os militares deram um ultimato a Allende, exigindo sua renúncia incondicional.

Chile Beginn Militärdiktatur Sturz von Allende durch Pinochet
E 26 de setembro de 1973, militares queimaram livros de teor marxistaFoto: AFP/Getty Images

Diante da recusa do presidente, o palácio presidencial La Moneda, em Santiago, foi bombardeado, o que levou Allende a se suicidar no local durante os ataques aéreos. Sua morte marcou o início de uma ditadura sangrenta no Chile. Augusto Pinochet, que assumiu o poder, tinha por meta principal criar um "novo Chile".

"A junta militar não tinha, porém, um plano coeso", analisa Rinke. A única certeza era a de que o Chile teria que ser forçado a seguir uma nova linha política. Divergências de opinião passaram a ser punidas com perseguição, tortura e até morte. Muita gente foi forçada a deixar o país, tendo seguido para o exílio. Outros são levados à força e desaparecem sem deixar vestígios.

Vô Oscar, membro do Partido Radical, vó Eliana e seus filhos passaram a ser, a partir deste momento, parte da oposição política no país, tendo sido inclusive ameaçados. Depois do toque de recolher, quando ninguém mais podia andar pelas ruas, a casa da família foi atingida por balas disparadas por soldados. A família colocava colchões diante das janelas na tentativa de se se proteger. Vó Eliana recorreu, então, ao irmão, que trabalhava como médico para as Forças Armadas. Ele ajudou a família, embora defendesse outra opinião política (favorável ao governo militar).

Somente após 17 anos, a situação viria a mudar, em 1988, quando o povo chileno foi pela primeira vez às urnas depois da tomada de poder pelos militares. A oposição criou neste momento uma "campanha pelo não", na época tolerada por Pinochet. Na opinião de Rinke, o ditador subestimou o movimento, a partir do qual a oposição acabou criando uma força política representativa. Pinochet reconheceu sua derrota, e a ditadura chilena chegou ao fim, com um saldo de 3200 mortos e mais de 38 mil vítimas de tortura.

Quatro décadas depois do golpe militar, como a população lida com o próprio passado?

Há até hoje uma cisão entre o povo chileno. De um lado, os crimes contra a humanidade cometidos no governo Pinochet são condenados. Por outro lado, muitos chilenos defendem até hoje o afastamento de Allende naquele momento. Durante o governo Pinochet, as estruturas democráticas do Chile foram destruídas, causando sofrimento a muitas famílias, como a da vó Eliana. Ao mesmo tempo, a economia do país se fortaleceu. Hoje, o Chile é considerado uma das economias mais estáveis da América do Sul. Ainda assim, o país luta contra a divisão da sociedade, com uma classe média instável.

Santiago em 2013: Manifestantes lembram vítimas da ditadura militar no país
Em 2013, manifestantes lembraram vítimas da ditadura militar em SantiagoFoto: Sebastian Silva/AFP/Getty Images

O ex-ditador Pinochet foi condenado em vida por seus crimes e morreu em 2006 em consequência de um infarto. Allende, por sua vez, é hoje um ícone político. Sua imagem é frequentemente exibida em manifestações públicas em memória dos milhares de desaparecidos e torturados durante a ditadura.

A família da vó Eliana continua muito unida. As diferentes visões políticas são respeitadas, e assuntos dessa ordem são evitados nos encontros familiares. Diferenças de opinião não são raras em outras famílias chilenas. Até mesmo entre amigos é fácil encontrar divergências quanto a Allende e a Pinochet. Para manter um clima pacífico, costuma-se evitar o assunto.