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EducaçãoBrasil

Para alunos de baixa renda, vestibular não é o único desafio

Vinícius de Andrade
Vinícius De Andrade
23 de junho de 2022

Filho de agricultores, Janiel passou em Medicina, mas a falta de auxílio financeiro ameaça seus estudos. Para muitos jovens como ele, não basta conquistar uma vaga, é preciso ter recursos para permanecer na universidade.

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Outdoor mostra o estudante Janiel Silva Sacramento, aprovado em Medicina
"A escola pública transforma vidas": outdoors patrocinados pelo governo da Bahia estamparam foto de Janiel Sacramento e sua conquistaFoto: Projeto Salvaguarda

"Saí pulando e correndo de alegria. Essa vai ser uma das recordações mais importantes da minha vida. Sei de onde vim e das minhas dificuldades, isso aumenta minha alegria."

É assim que Janiel Silva Sacramento descreve o que sentiu no momento em que descobriu sua aprovação no curso de Medicina da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), na Bahia. No caso dele, sair pulando de alegria não foi exagero: o jovem baiano tem 18 anos, é morador de uma região quilombola no município de Camamu, filho de agricultores e passou direto depois de cursar o ensino médio em um colégio público de sua comunidade rural. 

Para ele, estudar Medicina tem um importante significado: "Uma melhoria da qualidade de vida da minha cidade e comunidade. Quero ser um médico com um olhar humanizado e que possa perceber a singularidade de cada pessoa."

Sua conquista foi inclusive registrada em outdoors presentes em várias cidades da Bahia, patrocinados pelo governo do estado. Em cada um deles, sua imagem era reproduzida com a camiseta da rede estadual e o slogan "A escola pública transforma vidas". Emocionante.

Em busca de ajuda financeira

Esse cenário de felicidade foi lentamente se transformando em uma grande preocupação, pois a faculdade fica em Ilhéus. Janiel pesquisou sobre o suporte de permanência e moradia da universidade, mas descobriu que não havia nenhum.

No entanto, para os estudantes das universidades públicas estaduais baianas, há um programa de auxílio do governo chamado "Mais Futuro". Janiel se inscreveu e muito provavelmente será contemplado. Porém, de acordo com seus veteranos, é muito provável que só comece a receber o auxílio no segundo semestre. O problema é que suas aulas presenciais começaram em março.

Seus pais e familiares, infelizmente, não podiam ajudar financeiramente de forma significativa, especialmente devido ao fato de que seu pai adoeceu dias antes da descoberta da aprovação. Nesse contexto, não lhe restou outra opção a não ser pedir ajuda financeira através da criação de uma vaquinha online. Justamente ele – o rapaz do outdoor, o orgulho do estado, a caricatura do sucesso da rede pública baiana – precisando se preocupar em criar e divulgar uma vaquinha para começar o curso cuja aprovação tanto orgulhou o governo, mesma instituição que deveria lhe oferecer recursos desde o início e não com um semestre de atraso.

Sobre o contraste entre o outdoor e a desassistência, Janiel comenta: "Consenti a imagem e aceitei. Sabia da questão da promoção, mas aceitei sabendo que pessoas da escola pública poderiam ver que é possível, pois, se eu consegui, elas conseguem também. No entanto, em nenhum momento entraram em contato comigo para perguntar se precisava de algo. Sei que a demanda é grande e não podem fazer isso com todos, mas a situação me preocupa."

Segundo processo seletivo

Essa distância entre o início do curso e o recebimento dos auxílios ilustra um problema das nossas políticas e pode ser crucial na decisão de permanecer e até mesmo se matricular no curso.

Jéssica, estudante do estado de São Paulo, precisou por duas vezes tomar a triste decisão de não se matricular após a aprovação. A razão foi não ter recursos próprios para poder esperar pelo início do recebimento dos auxílios. A segunda vez foi neste ano: foi aprovada em Engenharia Química na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Quando perguntou sobre o suporte para estudantes de baixa renda, foi informada de que não havia nenhum previsto.

Outra estudante, que preferiu não ter o nome divulgado, nem tem coragem de tentar uma segunda vez. Foi aprovada, após três anos de tentativa, no curso de Física da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Também precisou desistir por não poder esperar pelo suporte a que tinha direito.

"Senti meu esforço indo embora pelo ralo. Toda a dificuldade que eu tinha passado dentro do ensino médio para estudar não tinha compensado. Entrei em depressão e fiquei três meses de cama. Tomo remédio controlado até hoje. Não consegui fazer a faculdade pública com que sempre sonhei", comenta.

Para nossos estudantes de baixa renda, maioria oriunda da rede pública, o vestibular é um processo seletivo particularmente difícil. No entanto, não é o único para eles. Se aprovados, eles enfrentam mais um processo seletivo, próprio e exclusivo: conseguir se matricular e permanecer no curso.

Para governantes, educação não é prioridade

Tenho a impressão de que a pasta de Educação é, para nosso atual governo, a primeira em que pensam quando precisam fazer algum corte. No final de maio foi anunciado um bloqueio de R$ 3,2 bilhões do Ministério da Educação (MEC), equivalente a 14,5% do orçamento do ministério. Esse corte afeta diretamente nossas universidades públicas e já está gerando consequências.

Denise Pires de Carvalho, reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou numa coletiva de imprensa em meados deste mês que a universidade pode precisar fechar as portas em setembro por não ter condições de pagar contas tão simples como água e luz. Seu anúncio ocorreu poucos dias após a universidade subir 36 posições no ranking internacional das melhores do mundo QS World University Rankings. Era de se esperar que, depois disso, a instituição recebesse mais incentivo e investimentos. Talvez isso tenha acontecido com universidades de outros países na lista, mas não com as do Brasil. Aqui a educação não é prioridade de nossos governantes.

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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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A coluna quinzenal é escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade.