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Papa faz história com visita à Península Arábica

4 de fevereiro de 2019

Francisco é primeiro líder da Igreja Católica a visitar região de origem do islã. Em discurso, pontífice menciona conflito no Iêmen e em outros países do Oriente Médio e pede fim da violência justificada pela religião.

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Papa Francisco em Abu Dhabi
Papa Francisco em Abu DhabiFoto: picture-alliance/AP Photo/A. Medichini

O papa Francisco chegou neste domingo (03/02) a Abu Dhabi, a capital dos Emirados Árabes Unidos, na primeira viagem de um líder da Igreja Católica à Península Arábica, o berço do islã.

O destino não foi escolhido por acaso: os Emirados Árabes Unidos abrigam quase 1 milhão de católicos, ou 9% da população, em sua ampla maioria migrantes asiáticos que foram ao país em busca de trabalho.

Francisco aterrissou no aeroporto de Abu Dhabi pouco antes das 22h (16 em Brasília) e foi recebido pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Zayed al-Nahyan e representantes do Vicariato Apostólico da Arábia Meridional, com sede nos Emirados Árabes.

Também estava presente o imã da Mesquita de al-Azhar, Ahmed al-Tayyib, líder da principal instituição do islã sunita no Oriente Médio, com quem o papa saiu conversando do aeroporto.

Nesta segunda-feira, ao chegar ao Palácio Presidencial, o pontífice foi recebido com uma parada militar, tiros de canhão e jatos que sobrevoaram o local e deixaram rastros de fumaça nas cores do Vaticano, branco e amarelo.

A pompa da recepção militar contrastou com o pequeno Kia preto no qual o papa, que adota um discurso de humildade, chegou ao palácio.

Jatos em Abu Dhabi durante a visita do papa
Jatos militares deixaram rastro de fumaça nas cores do VaticanoFoto: Reuters/T. Gentile

O papa ficará 48 horas no país muçulmano, onde participará de uma conferência sobre fraternidade ao lado de outros líderes religiosos. Ele também vai celebrar uma missa ao ar livre nesta terça-feira, num estádio esportivo. O público esperado é de 135 mil pessoas, o maior da história do país.

Os Emirados Árabes Unidos têm orgulho de sua tolerância e diversidade religiosa, ao menos para os padrões restritivos do Golfo Pérsico. Na Arábia Saudita, por exemplo, templos e celebrações públicas cristãs são proibidas.

Desde o início do seu pontificado, Francisco já visitou vários países de população majoritariamente muçulmana, como o Egito, o Azerbaijão, Bangladesh e a Turquia, dentro de sua estratégia de aproximação do cristianismo com o islã. Em março, ele deverá ir ao Marrocos.

Guerra civil do Iêmen na agenda

No seu encontro com o príncipe-herdeiro, nesta segunda-feira, a expectativa era que o papa abordasse a situação no Iêmen, um país árabe devastado por uma guerra civil com a participação de nações estrangeiras, entre elas os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita.

Num sinal de que o tema seria abordado, o papa expressou, pouco antes de iniciar a viagem, grande preocupação com a crise humanitária no Iêmen e pediu que a comunidade internacional cumpra os acordos alcançados entre as partes em conflito.

As Nações Unidas estão tentando implementar um cessar-fogo no porto de Hodeidah, o principal do Iêmen, o que pode abrir caminho para negociações de paz.

Os Emirados Árabes Unidos participam da coligação internacional que ajuda militarmente o governo iemenita na luta contra os rebeldes houthis, apoiados pelo Irã, a potência regional xiita.

Segundo a ONU, o Iêmen é palco da pior crise humanitária do mundo, que começou com a intervenção da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos e seus aliados sunitas. Milhões de iemenitas correm o risco de morrer de fome.

O conflito no Iêmen foi mencionado pelo papa no seu discurso na abertura da conferência sobre fraternidade. Francisco abriu o evento pedindo aos líderes religiosos presentes que rejeitem a violência justificada pela religião.

"É preciso condenar sem hesitação toda forma de violência, porque usar o nome de Deus para justificar o ódio e a violência contra um irmão é uma grave profanação. Não há violência que encontre justificativa na religião", afirmou o pontífice, no Memorial do Fundador dos Emirados Árabes Unidos.

Discursando em italiano, Francisco apelou ao fim das guerras no Médio Oriente, numa referência às "nefastas consequências" visíveis atualmente em conflitos no Iêmen, na Síria, no Iraque e na Líbia, pedindo aos líderes religiosos que resistam "às inundações de violência e à desertificação do altruísmo". 

"A fraternidade humana exige de nós, como representantes das religiões do mundo, o dever de rejeitar todos os matizes de aprovação da palavra 'guerra'", declarou Francisco. "Não há alternativa: ou construímos o futuro juntos ou não haverá futuro", alertou.

"As religiões, de modo especial, não podem renunciar à tarefa urgente de construir pontes entre os povos e as culturas. Chegou o momento em que as religiões precisam se empenhar mais ativamente, com coragem e audácia, com sinceridade em ajudar a família humana a amadurecer a capacidade de conciliação, a visão de esperança e os caminhos concretos de paz", completou.

Na intervenção, o pontífice lançou também um apelo em defesa da "liberdade religiosa", enfatizando que ela "não se limita apenas à liberdade de culto" e que nenhuma prática religiosa deve ser "imposta". Francisco pediu ainda a todos os países do Oriente Médio que concedam "o mesmo direito à cidadania" às pessoas "de diferentes religiões".

Após o discurso, o papa assinou com o grande imã de Al Azhar, Ahmed al- Tayyip, considerado a máxima autoridade do islã sunita, uma declaração conjunta sobre a "fraternidade humana", na qual destacam suas esperanças de paz para o mundo.

Antes da viagem, organizações internacionais, que são proibidas nos Emirados Árabes Unidos, pediram a Francisco que pressione os líderes do país em relação às graves violações dos direitos humanos no Iêmen e à repressão às críticas internas.

A organização não governamental Human Rights Watch (HRW) afirmou que a coligação internacional liderada pela Arábia Saudita – e apoiada pelos Emirados Árabes Unidos – bombardeou casas, mercados e escolas indiscriminadamente no Iêmen, ao mesmo tempo em que impediu que a ajuda humanitária chegasse aos iemenitas.

A organização também denunciou que as autoridades dos Emirados realizam detenções arbitrárias de críticos, dissidentes políticos e ativistas de direitos humanos.

A HRW pediu que o papa lidere a pressão internacional para responsabilizar os Emirados Árabes Unidos pelos seus atos contra os direitos humanos. "Apesar das suas afirmações sobre tolerância, o governo dos Emirados Árabes Unidos não demonstrou interesse real em melhorar seu histórico de direitos humanos."

AS/CN/efe/afp/rtr/ap/lusa

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