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Pé na praia: O temerário voo sobre a Amazônia

Thomas Fischermann
23 de agosto de 2017

O piloto conhecido como "americano" é especializado em pousos e decolagens em partes difíceis da floresta. Ele e seus colegas revelaram ao correspondente Thomas Fischermann detalhes das rotas clandestinas na região.

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DW Brasilianisch Kolumne - Autor Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

Estou preparando uma nova reportagem na Floresta Amazônica. Meus leitores já sabem que me importo muito com o desmatamento, e, nos anos passados, a floresta brasileira voltou a diminuir em uma velocidade impressionante. Então, irei até lá conferir. O problema é como chegar.

É obvio que, na parte da Amazônia que já foi desmatada, há estradas boas. Mas aos lugares onde atuam os madeireiros ilegais, operadores de serra elétrica e garimpeiros muitas vezes só e possível chegar pelo ar. Para ser sincero, essa é a parte que me deixa um pouco temeroso. Lembro como foi da última vez.

Meu piloto na época chamava a si mesmo de "americano". Na verdade, ele é brasileiro, especializado em pousos e decolagens nas partes difíceis da Floresta Amazônica e digno de total confiança. Quando o encontrei às 4h da manhã na pista de seu pequeno aeroporto, o reconheci de longe por causa do chapéu de cowboy. Ele checou cautelosamente as asas e o motor, e permaneceu com a expressão inalterada quando nosso fotógrafo fez um pedido.

"Gostaríamos de voar sem porta, para conseguir melhores fotos", disse. O "americano" retirou as portas. Sem problemas. Havia cintos de segurança. Havia também, para segurança adicional, cordas amarrando nosso material de acampamento.

"Há onze anos levo as pessoas daqui para todo lugar. Conheço cada canto desta floresta", disse o piloto. Sua especialidade era transportar garimpeiros e grupos de exploradores para lugares de difícil acesso – assim como as máquinas deles, a cerveja, os galões de diesel e ocasionalmente visitantes deles: padres e prostitutas.

Pilotos de selva como o "americano" ganham muito bem. Ele calava-se quando o assunto era dinheiro, mas em um miniaeroporto às margens da Transamazônica perguntei a vários de seus colegas sobre o tema. Na época, disseram que ganhavam 1.500 reais por hora de voo – primeiro faziam rodeios e só revelavam detalhes quando ficava 100% claro que eu realmente só era um repórter da Alemanha, e não um agente da Polícia Federal disfarçado.

Quando se transporta material ilegal dá para se ganhar muito mais dinheiro – pelo menos foi o que consegui apurar com os pilotos. Contrabando de ouro era a mais inofensiva de suas atividades. O lucro crescia conforme o risco aumentava. O transporte de botijões de gás a bordo de aviões é proibido pela regulamentação aérea, explicaram, para que eles não se transformem em bombas voadoras. Havia ainda aviões que decolam e aterrissam à noite sem iluminação, transportando bandidos e quilos ou toneladas de maconha e cocaína.

"É por causa da polícia?", perguntei. "Também por causa dos traficantes", respondeu uma vez um piloto. "O tráfico já assassinou muitos pilotos, roubou seus aviões. Sem referências certas, não dá para levar ninguém."

Então me mostraram um mapa aéreo da região, a versão oficial impressa, e nela alguém tinha adicionado à caneta mais 200 pistas de decolagem, em grande parte clandestinas, cruzando fazendas ou clareiras na floresta. Algumas dessas pistas enlamaçadas tinham no máximo 150 metros de extensão e, antes da decolagem, um ajudante tinha que retirar do chão rapidamente galhos ou espantar animais. Era possível reconhecer as pistas de aterrissagem especialmente perigosas por elas terem nomes de santos católicos. "Quase todos esses voos são ilegais, e as pessoas sabem mas ficam de boca fechada", um dos pilotos me contou.

Graças à perícia do "americano" conseguimos voar sem contratempos. Ele nos contou que uma vez teve que fazer um pouso de emergência em uma estrada de terra e que já perdeu cinco de seus amigos pilotos, inclusive um sobrinho. "Mas dá para ter sucesso neste trabalho quando se atenta razoavelmente à segurança", disse.

Ao me contar isso, o "americano" abria sua terceira garrafa de cerveja. Estávamos sentados em um antro de garimpeiros, ainda faltavam duas horas até o voo de volta, e o calor do dia castigava brutalmente na clareira. "É um negócio perigoso, mas a questão da segurança é fundamental para mim", reforçou.

O "americano" tomou um longo gole. Perguntei à ele, com muita educação, se não achava que álcool também era um problema para a segurança em tais expedições. Sem dúvida, murmurou o piloto. "Recuso-me a receber passageiros embriagados. Seria um perigo incontrolável."

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão die ZEIT na América do Sul. Em sua coluna „Pé na Praia" faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.