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Pé na praia: O alemão atrasado

Thomas Fischermann
17 de maio de 2017

Alemães têm fama de serem pontuais. Mas no Brasil, um imigrante do país europeu que atua como consultor sobre relações teuto-brasileiras foi obrigado a se adaptar aos costumes locais. E ainda sofre com isso.

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DW Brasilianisch Kolumne - Autor Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

O encontro com o alemão estava combinado para as 10h da manhã em um café. Estava tudo certo, afinal nós alemães nos entendemos muito bem no que diz respeito à pontualidade.

O conterrâneo em questão, Sven Dinklage, trabalha em São Paulo como consultor sobre relações interculturais teuto-brasileiras. Ele instrui homens e mulheres de negócios vindos da Alemanha a conviver com a cultura liberal quanto a horários no Brasil, e também aconselha brasileiros que vão à Alemanha.

"Oi! Aqui é o Sven", o especialista me escreveu às 7h45. "Teria algum problema se mudássemos o horário para as 10h30 ou 11h?"

Respondi que não, tudo bem. Todo mundo conhece isso aqui no Rio de Janeiro. Já aprendi. Quando marco um encontro em algum lugar, procuro um que seja agradável, onde eu possa esperar e levo um livro para ler ou meu iPad com a última série do Netflix.

Sei que no Brasil – e em especial no Rio de Janeiro – as pessoas não se prendem muito ao relógio e que isso também seria impossível. No decorrer de um dia de trabalho tudo conspira contra a pontualidade: o trânsito, os ônibus, as longas filas nos restaurantes fast food e outros atrasos que vão se acumulando.

"Não vai ser possível às 10h, é melhor já marcarmos para as 10h45 de uma vez”, escreveu Dinklage às 9h07. "Já estou a caminho, acho que consigo sim chegar uns minutos antes", avisou novamente às 10h07. "Agora estou perdido no metrô, mais cinco minutos", disse sua mensagem enviada às 10h44.

Ele chegou bem depois. Eu esperava tranquilamente com uma obra de Luiz Ruffato, mas o rosto de Dinklage estava tenso, tinha a aparência de estar contorcido de dor. Estava constrangido por causa do atraso.

Tinha um corte de cabelo bem arrumado e uma camisa xadrez certinha. Em seu bolso, havia uma caneta esferográfica. Dentro de círculos alemães, o objeto é uma espécie de código, que significa: "Já trabalhou numa firma de engenharia". Acabei descobrindo, durante nossa conversa, que Dinklage realmente foi empregado da Bosch, no setor de marketing, antes de trabalhar como consultor cultural.

Os negócios estão indo bem. Ele aconselha aproximadamente um cliente por semana. Infelizmente, a maioria das firmas dão a ele só um dia para fazer isso, o que realmente não permite preparar muito o cliente. Mas ele faz o melhor que pode – e a questão da pontualidade está no topo disso.

"Na verdade, o ideal seria, após a mudança, frequentar um seminário novamente por um semestre", explicou Dinklage. "A maioria dos problemas só aparecem após algum tempo."

No início, alemães que se mudam para o Brasil sempre acham que está indo tudo maravilhosamente bem. Dinklage disse que, ao chegar ao país, um alemão não percebe que, aos poucos, vai acabar se confrontando com todos os funcionários. 

O especialista tenta explicar onde está o problema. Ele faz uma encenação de papéis. Esclarece como dizer "não" no Brasil e como criticar um funcionário educadamente. "Nós alemães somos muito diretos. Damos preferência à verdade em detrimento da amabilidade. Temos a fama de ser grosseiros."

Claro que estes são velhos clichês. "Nós falamos sobre muitos aspectos, sobre o modo certo de se motivar os funcionários, sobre problemas do cotidiano, sobre preocupações em especial com as esposas de homens de negócio, que não têm permissão de trabalhar no estrangeiro. Acabam morrendo de tédio", disse Dinklage.

Segundo ele, os brasileiros que se mudam para a Alemanha têm tantos problemas nos primeiros meses quanto os alemães que se mudam para a América do Sul. "No início, eles batem de frente com tudo e ficam espantados de nada dar certo", disse o consultor. Na Alemanha, seria preciso ter muita paciência para se conquistar a confiança, pois as coisas não acontecem tão rápido por lá.

"Então, simplesmente ter paciência? Isso leva a atingir o objetivo na Alemanha?", perguntei.

"Também ajuda praticar as chamadas ‘virtudes alemãs', como a pontualidade", respondeu o especialista.

"Mesmo? Como se aprende a ser pontual?", questionei, mexendo meu terceiro café. Gosto muito de café, e já estava sentado há algum tempo neste local.

"Talvez ajude adiantar um pouco o relógio antes de um compromisso?", sugeriu Dinklage e deu uma risada. "Ok, não sou mais um bom exemplo. Minha esposa me alfineta sempre: 'Você não é mais totalmente alemão, você está sempre chegando atrasado.' Mas eu soube manter uma virtude. Sofro muito quando acabo me atrasando! Acho que isso não perdemos nunca."

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Em sua coluna Pé na Praia, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos – no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.