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Os desafios da crescente produção cinematográfica brasileira

Marco Sanchez31 de outubro de 2014

Na abertura do festival Première Brasil em Berlim, a DW conversou com Ilda Santiago e Aly Muritiba sobre novas mídias, leis de incentivo e os desafios financeiros e artísticos do cinema brasileiro.

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Wagner Moura é uma das maiores estrelas do novo recente cinema brasileiroFoto: Berlinale

Nunca tantas pessoas foram ao cinema ver filmes brasileiros. De acordo com a Agência Nacional de Cinema (Ancine), em 2013, o cinema brasileiro quebrou recordes históricos: foram cerca de 27 milhões de espectadores – nove filmes ultrapassaram a marca de 1 milhão de espectadores e 21 superaram os 100 mil ingressos vendidos. Cerca de 120 filmes foram lançados. Desde 1986, essa marca não passava de cem por ano.

Parceiro do Festival do Rio, o Première Brasil mostra anualmente aos berlinenses uma vitrine dessa diversa e prolífica produção. Nos doze longas selecionados, a diversidade de estilos é evidente, mas a qualidade das produções mostra que o cinema brasileiro está encontrando uma hegemonia técnica que possibilita uma diversidade artística e de abordagens para retratar o povo brasileiro.

Pouco antes da abertura do festival na Casa das Culturas do Mundo em Berim, a DW Brasil sentou com Ilda Santiago, diretora do Festival do Rio, e com Aly Murtiba, diretor do documentário "A gente", para discutir os desdobramentos desses números tão positivos e refletir sobre o futuro artístico e comercial dos filmes feitos no país.

DW: Como vocês veem os positivos números do cinema brasileiro?

Ilda Santiago: Os números podem ter diferentes leituras. Precisamos desenvolver uma capacidade tão grande de lançamento quanto de produção. Temos também que nos acostumar a trabalhar com outras mídias.

Aly Muritiba: Infelizmente, muitos filmes ficam pouco tempo em cartaz, mas pelo menos eles conseguem chegar aos cinemas.

IS: Garantir o espaço maior para o lançamento dos filmes não é simplesmente colocar o filme na tela por uma semana. Precisamos garantir um esquema de lançamento e pensar qual é plataforma adequada para o filme. Quando você faz um filme, você quer que ele seja visto. Temos documentários que chegam a 50 mil downloads. Precisamos pensar em possibilidades reais.

Ilda Santiago, Leiterin des Rio de Janeiro International Film Festival
A diretora do Festival do Rio, Ilda Santiago, acredita que o filme médio é a solução para um equilíbrio do mercadoFoto: Promo

O Brasil está buscando soluções para desenvolver o mercado interno?

IS: No mesmo momento em que o mundo transforma a maneira como consumimos conteúdo audiovisual, o Brasil está produzindo mais e querendo refletir sobre um país que está se reconstruindo. Passamos por mudanças muito profundas nas últimas duas décadas.

AM: Nos últimos 15 anos, a produção aumentou graças à digitalização, que barateia e facilita o processo cinematográfico, e pelo estímulo do governo federal. Hoje, esse estímulo não é só na produção. Há uma política pública de criar salas de cinema em cidades entre 100 mil e 500 mil habitantes.

IS: Por um lado, o processo de digitalização foi uma democratização da produção, mas, por outro, ele pode se tornar um processo de banalização de um tipo de cinema. Sem a necessidade de fazer cópia em película, o distribuidor pode entrar com o filme em 800 telas, deixando de fora outros filmes.

AM: Precisamos passar por um processo de mudança de lei.

Através de cotas?

IS: Não sei. O mercado de cinema no Brasil precisa de equilíbrio. O investimento que o país faz em produção precisa ter um retorno na indústria, mas não é uma questão de lucro. É mentira que as pessoas só querem ver um tipo de filme. O público é mais inteligente do que imaginamos. Mas é um processo. Precisamos que o filme encontre seu público. Temos que trabalhar com filmes médios, entre 200 mil e 300 mil espectadores. Eles criam uma base para sustentar o mercado, permitindo a existência dos blockbusters e de filmes que inovam na linguagem. Temos que parar de olhar o cinema brasileiro como comercial ou de arte. Para mim existem filmes bons e ruins.

AM: Essa divisão está regulamentada. No começo do Fundo Sensorial do Audiovisual, eles contemplavam filmes com o perfil comercial mais definido, que pudesse dar retorno. Hoje, eles lançam editais para filmes comerciais e de arte. Nesse sentido essa divisão é fundamental. Um produtor pequeno depende desses prêmios, o que é muito cruel.

IS: Adoraria ver diretores de filmes de arte fazendo filmes comerciais e vice-versa. Tirar as pessoas de seus nichos é bom para todo mundo. Precisamos criar casas de produção fortes para que o diretor não precise produzir, roteirizar, montar e distribuir. O do embate de diferentes profissionais que saem bons filmes. Quando a mesma pessoa faz tudo, ela está discutindo, mercadológica e artisticamente, consigo mesma. Isso é ruim para o cinema.

As leis de incentivo foram responsáveis pela prolífica produção. Como isso se reflete artisticamente?

AM: A política pública começou na produção e depois abriu os olhos que precisa investir também em distribuição e difusão, e agora mais recentemente em formação técnica e criativa para a área. Isso privilegia não apenas uma forma de fazer ou pensar cinema e problematizar os assuntos nacionais. Temos uma produção financiada pelo poder público que não é chapa branca, ela é múltipla. Nossa pluralidade está nas telas.

Der brasilianische Regisseur Aly Muritiba
Para Aly Muritiba, do documentário "A gente", novos modelos de distribuição podem trazer positivos resultadosFoto: GRAFO audiovisual

O público perdeu o preconceito em relação ao cinema brasileiro?

IS: Gostando delas ou não, as comédias levaram o público de volta ao cinema para ver filmes brasileiros. Acho isso ótimo. Foi um processo para chegar aonde chegamos. Hoje, vejo diferentes gerações se encontrando, e um trabalhando no filme do outro. Esse processo é essencial para criar diversidade e qualidade de produção.

AM: As comédias reconciliaram o público com o cinema brasileiro. Elas ajudaram a criar um star system no Brasil. As pessoas vêem Praia do futuro e dizem que foram ver o filme do Wagner Moura. Mas essas comédias, e suas sequências, são feitas pela mesma produtora e distribuidora, que dificilmente distribui um filme de pequeno ou médio porte.

IS: O mais importante é o equilíbrio. Eles têm que pensar em diferentes estratégias de distribuição. Não vamos atrair o público para sempre com comédias. Temos que pensar também no que eles querem ver.

AM: As distribuidoras tradicionais usam modelos tradicionais para distribuir todos os filmes. Não é só colocar em 800 salas e esperar que o público apareça. Um dos bons exemplos é Cine Holliúdy. A distribuição pensou primeiramente no Nordeste. O filme fez 300 mil espectadores e já chegou ao sudeste com um respaldo. Assim, uma produção de baixo orçamento chegou a 1 milhão de espectadores.

Precisamos pensar em novas possibilidades?

IS: Quando fazemos o Festival do Rio tomamos porrada de todos os lados. Reclamam que eu só seleciono filmes comerciais ou filmes que nunca vão ser lançados. Na Première Brasil [mostra do festival dedicada ao cinema brasileiro], queremos dar espaço aos diretores novos e estabelecidos. Muitos grandes filmes que mostramos têm dificuldade em ser lançados.

AM: A hora e a vez de Augusto Matraca ganhou o festival e nunca foi lançado.

IS: Temos que ser espertos e criar diferentes caminhos. As comédias têm um lançamento caro. Se der certo, ótimo. Se der errado, você perde dinheiro. O filme médio tem um retorno certo. É o que acontece quando temos um star system brasileiro, com nomes como o Wagner [Moura], Lázaro [Ramos], Dira [Paes] ou o Selton [Mello].

Como esse panorama está representado nos filmes selecionado para o Première Brasil em Berlim?

IS: Uma tendência que comecei a perceber nos últimos anos é a necessidade de contar histórias, que não são sociais, mas lidam e se conectam com a história do país. Vemos isso em Entre nós, Serra Pelada e O lobo atrás da porta. Eles têm uma pegada com a história do Brasil, sem a pretensão de discuti-lo socialmente. São autores que pensam nos filmes que vão fazer. Eles têm uma história para contar que resgata o que é o país. Isso é um sinal de amadurecimento.