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"Os moradores comiam seus próprios gatos", conta sobrevivente de Leningrado

Violetta Rjabko (ca)1 de fevereiro de 2014

Galina tinha 13 anos quando começou o bloqueio à cidade. A vida tranquila logo se tornou um pesadelo: sem água, comida, eletricidade e às vezes sob frio glacial. Sete décadas depois, ela conta sua história à DW.

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Galina Pligina sobreviveu ao bloqueio de LeningradoFoto: DW/V. Rjabko

A partir de setembro de 1941, Leningrado foi cercada pelas Forças Armadas de Hitler. Em vez de batalhas árduas e com muitas perdas, o ditador alemão ordenou o cerco à segunda maior cidade soviética com o objetivo de matar a população de fome. O bloqueio da atual São Petersburgo durou cerca de 900 dias, e somente em 27 de janeiro de 1944 foi quebrado.

Galina Pavlovna Pliogina tinha 13 anos quando o cerco começou. Ela e sua irmã mais nova tiveram de abastecer a família com água do rio, comer cola e ver os vizinhos morrerem. Mas a pior lembrança foi ter de sacrificar a sua cadela porque não havia mais nada para comer.

Após o fim do bloqueio, Galina afirma ter recuperado a felicidade familiar. Mas as lembranças da época a marcaram para toda a vida. Ela não gosta de falar sobre o que vivenciou, mas abriu uma exceção para a repórter da Deutsche Welle Violetta Rjabko.

O relato

"Pouco antes do início do bloqueio, na verdade, já havíamos deixado Leningrado. Eu tinha 13 anos em junho de 1941. As tão esperadas férias haviam começado. Com meus pais e minha irmã, passávamos as férias nas proximidades de Yaroslavl. Era lá que estávamos quando a guerra começou na União Soviética, em 22 de junho. Meu pai se inscreveu imediatamente no front. A minha mãe decidiu, então, voltar para Leningrado no final de agosto. Ela não tinha a menor ideia do que estava nos esperando por lá.

Partimos para Leningrado num trem de carga aberto. No caminho, nos deparamos com um trem que vinha da cidade. As pessoas gritavam para nós: 'O que estão fazendo por aqui? Por que estão indo para Leningrado? É preciso fugir de lá!'

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Cotidiano na Leningrado sitiada: moradores da cidade buscam água da neveFoto: imago/ITAR-TASS

Morávamos não muito longe do Museu Hermitage, numa casa antiga na Rua dos Milhões. Anteriormente, todo o apartamento pertencia a um arquiteto famoso. Quando vivíamos lá, era um apartamento compartilhado com várias famílias, onde somente dois cômodos nos pertenciam. Mas eles eram lindíssimos! Peitoris de mármore nas janelas, chaminé, forro de estuque decorado com cabeças de leão.

Tínhamos vizinhos muito agradáveis, alemães, cujos antepassados vieram em algum momento para São Petersburgo. Pessoas muito inteligentes, minha mãe aprendeu muito com eles. Quando eles celebravam alguma festa, como o Natal, sempre nos convidavam. Durante o bloqueio, nos esforçamos em ajudar uns aos outros. Nós compartilhávamos pão. Uma vez não houve pão durante dias, passamos algum tempo sem nos ver. Então fizemos novamente uma visita, e a nossa vizinha disse para o marido dela: "Olha aí! Galetshka nos trouxe água, e Nina, pão. Vamos celebrar! E você queria morrer".

Primeiramente, a energia elétrica foi desligada, em seguida, o abastecimento de água. Tínhamos de ir ao rio para buscar água. Eu ainda posso me lembrar dos primeiros bombardeios aéreos. Corríamos todos para o porão, ficávamos lá, nos benzendo. Mas os ataques aéreos se tornaram tão frequentes que não valia mais a pena ficar correndo de lá para cá, então decidimos não deixar mais nosso apartamento. Ainda fomos para a escola até o início de dezembro de 1941. Então a temperatura não parou de cair, até 30°C negativos. Não tínhamos mais força para nos movimentar.

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Artilharia russa tenta conter bombardeios aéreos alemãesFoto: picture-alliance/akg

Recebíamos vales de alimentação. Um vale equivalia a um pedaço de pão. Os alimentos acabavam logo em toda a cidade. Minha mãe fazia almôndegas de um produto que substituía o café. Meu pai – ele era oficial de inteligência e pôde nos visitar muitas vezes no início do bloqueio – comprava cola de papel de parede, e com ela se faziam "panquecas".

Tínhamos uma cadela – um pastor alemão chamado Alma. Mas já em novembro de 1941, minha mãe falou que não podíamos mais alimentar a cadela. Ela disse que tínhamos que levá-la para ser sacrificada pelo veterinário. Eu mesmo tinha de levá-la para lá. Até hoje eu não posso me esquecer disso.

Os moradores de Leningrado comeram seus gatos, e eu levei minha cadela para ser sacrificada. O veterinário disse para eu tirar a focinheira. Alma ficou bem tranquila, sem se mexer. Ela entendeu tudo. O médico levou-a para fora da sala, e eu fui para casa, me deitei e passei alguns dias sem sair do lugar. Mais tarde, tive muitos cachorros durante a vida, mas eu nunca me esqueci de Alma.

Ainda me lembro de quando fomos visitar a minha tia. Ela queria nos ajudar a conseguir um lugar num dos transportes para sair da cidade a partir do Lago Ladoga. No caminho, passamos por um hospital. Ao lado do prédio, havia uma pilha de madeira. Pensamos: 'Incrível, quanta madeira espalhada pelo chão'. Então nos aproximamos. Não era madeira, mas cadáveres. Os vivos não tinham mais forças para enterrar os mortos, então eles foram simplesmente deixados no chão…

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Voluntária ajuda na fuga de Leningrado através da Via da Vida, sobre o Lago LadogaFoto: DW/V. Rjabko/Blockade Museum St. Petersburg

No fim de abril de 1942, fomos finalmente retirados pelo Lago Ladoga, pouco antes de a Via da Vida [o único caminho para escapar da cidade sitiada passava sobre o Lago Ladoga congelado, as pessoas chamavam essa rota de 'Via da Vida'] ser fechada devido ao degelo. Nós fomos com caminhões abertos pela estrada, sob as bombas.

A volta para Leningrado só aconteceu em 1944. Eu me lembro que uma vez a campainha tocou e eu abri a porta, lá estava um soldado alemão. Levei aquele susto! Naquela época, havia muitos prisioneiros de guerra alemães na cidade. Eles haviam instalado uma nova calefação no nosso prédio. Para ganhar algum dinheiro, eles vendiam produtos que faziam com as próprias mãos. Algumas coisas eram bem bonitas. Aquele soldado queria me vender um cofrinho artesanal. Eu não estava precisando, mesmo assim eu comprei. Por pena."