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Opção pela Guiné

Neusa Soliz30 de junho de 2003

Ao visitar a Alemanha, os bispos da Guiné-Bissau, José Câmnate na Bissign e Pedro Zilli traçaram um quadro dramático da situação na ex-colônia portuguesa. Dom P. Zilli é o primeiro bispo brasileiro na África.

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Bispos Pedro Zilli (esq.) e José Câmnate na Bissign, da Guiné-Bissau, celebram missa na Catedral de Colônia

Dom José e dom Pedro estavam radiantes ao sair da Catedral de Colônia, após haverem rezado a missa na imponente igreja, juntamente com três bispos e padres alemães. A honra foi um fecho de ouro para sua visita à diocese da cidade, uma de muitas que visitaram nas duas semanas em que estiveram na Alemanha, a convite do Serviço de Cooperação Pessoal da Igreja Católica (AGEH), cuja sede é em Colônia.

"Viemos estabelecer contatos com a Conferência dos Bispos Alemães e organizações católicas como a Misereor, Missio, Caritas e outras", contou dom Pedro Zilli à DW-WORLD. Natural de Santa Cruz do Rio Pardo (SP), dom Pedro ordenou-se padre em 1985 pelo Pontifício Instituto Missões Estrangeiras (PIME), perto de Londrina.

Brasil "exportador" de missionários

Com isso, já estava definido que ele trabalharia no exterior, mas então ele não podia imaginar que se tornaria o primeiro bispo brasileiro, não apenas na África, mas fora do Brasil. "Antes fomos habituados, no Brasil, a receber muitos missionários da Europa. Agora, a Igreja brasileira está num processo grande de abertura para as missões", diz dom Pedro, referindo-se à exportação de religiosos.

Isso aconteceu quando a única diocese da Guiné-Bissau foi dividida em 2001, criando-se a de Bafatá, que ele assumiu. Já dom José Câmnate na Bissign foi e é o primeiro bispo natural da Guiné-Bissau, país que completa 30 anos de independência em 2003 e no qual a primeira diocese só foi fundada em 1977.

Boa reputação na Guiné

País pequeno, com 1,3 milhão de habitantes, situado ao sul do Senegal na costa ocidental da África, a Guiné-Bissau conta apenas com 10% de cristãos. A maioria da população (55%) pratica as "religiões tradicionais", como expôs dom Pedro, e cerca de 35% são muçulmanos.

As relações entre as religiões são de amizade e respeito comum e a Igreja Católica goza de uma excelente reputação no país, principalmente devido à ajuda vital que prestou durante a guerra civil de 1998 e 1999. Tendo sido chamados de volta a seus países, os missionários estrangeiros ficaram no país, por entender que seu lugar era ali, ao lado do povo da Guiné.

Teologia brasileira na África

Brasilianischer Bischof Pedro Zilli
Dom Pedro Zilli, primeiro bispo brasileiro na África, diante de um dos portais da Catedral de Colônia

Bem aceito desde o início pela população da Guiné, que tem grande afinidade com os brasileiros, dom Pedro diz que muitos aspectos fundamentais da Igreja brasileira lhe serviram de orientação, guardadas as diferenças. Principalmente a opção pelos pobres. "Esse espírito me ajudou muito no viver minha vida na Guiné-Bissau", ressalta.

Importante também seriam a "comunhão e a participação" mencionadas no documento de Puebla. "Sempre procuro trabalhar para que haja isso. Procuro envolver as pessoas nas decisões e discussões. Acho que isso é uma maneira de viver a experiência brasileira."

O colapso total de um país

A situação na Guiné-Bissau é "extremamente sombria", na avaliação de Hannes Stegemann, ele próprio um contratado da AGEH que foi enviado à Guiné-Bissau como consultor da Caritas nacional. Stegemann acompanhou os bispos em sua visita à Alemanha. As grandes esperanças depositadas nas eleições após o término da guerra, em fins de 1999, não se cumpriram.

Desde que assumiram, os novos mandatários já desrespeitaram a constituição várias vezes e agora a situação é de "completa estagnação. O parlamento foi dissolvido, os doadores de recursos do exterior se cansaram e não têm mais vontade de ajudar a Guiné-Bissau. Como o país depende em 90% de ajuda externa, os cofres estão vazios. Há um ano não há dinheiro para pagar os funcionários públicos e os alunos das escolas públicas perderam dois anos com as greves. Os hospitais funcionam mal, se é que funcionam, a capital está sem luz e praticamente sem água também" – esse o quadro traçado pelo consultor da Caritas.

O trabalho dessa instituição na Guiné está voltado para a formação de pessoal e a criação de estruturas nas paróquias. Sua contribuição de longo prazo no setor da saúde é imprescindível. Um exemplo é a criação de depósitos centrais de medicamentos. "Eles abastecem 25 centros de saúde da Caritas, que atingem a metade da população do país. Há programas de combate à malária, de informação sobre a Aids e outros que se ocupam com métodos da medicina tradicional para tornar novamente populares medicamentos acessíveis e já conhecidos da população", expõe Stegemann, sem esquecer os programas voltados para a mulher, para convencer os pais a mandarem também as filhas para a escola, contra a excisão feminina e de formação profissional para mulheres jovens.

O milagre da recuperação

Em sua simplicidade, dom Pedro não se queixa de nada, ao contar das estradas esburacadas que tem de percorrer e a falta de uma infra-estrutura mínima, pois o bispo de Bafatá não tem ainda uma casa para morar e vive na paróquia. Mas isso não é problema para quem "se deixa verdadeiramente transformar pelo Evangelho", diz o bispo, cujo lema episcopal é uma frase de São Paulo: "O amor jamais passará".

O amor e a caridade estão presentes no trabalho de educação. Dom Pedro Zilli e dom José Câmnate na Bissign estão orgulhosos dos 11 mil alunos nas escolas mantidas pela Igreja e dos muitos dispensários no campo da saúde. Sua obra preferida é o Centro de Recuperação Nutricional. As crianças, magrinhas na chegada, mal são reconhecidas após o tratamento dedicado das religiosas: o milagre mais bonito, do pão e da fé vivida.