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PolíticaGlobal

Falta de vacina em países pobres é falência moral

6 de agosto de 2021

OMS tem razão: é inaceitável os países ricos já estarem planejando uma terceira dose da vacina contra a covid-19, enquanto em muitas partes da África sequer os médicos estão imunizados, opina Frank Hofmann.

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Enfermeiras esperam em centro de vacinação vazio na Califórnia
Enfermeiras esperam em centro de vacinação vazio na CalifórniaFoto: PATRICK T. FALLON/AFP via Getty Images

Há meses, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, vem lembrando os países mais ricos do mundo de que possuem uma obrigação moral de compartilhar a vacina contra a covid-19 com os mais pobres. É assim que ele normalmente inicia a entrevista coletiva semanal na sede da entidade, em Genebra.

Nesta semana, ele foi além em seu apelo: como é possível países do Hemisfério Norte já estarem planejando uma terceira dose, enquanto quase toda a África sequer conseguiu vacinar suas equipes médicas? Ghebreyesus pediu urgentemente que a ideia seja abandonada, pelo menos até outubro.

Ayoade Olatunbosun-Alakija, da Aliança de Vacinação da União Africana, diz que a iniciativa de vacinação Covax, lançada em abril de 2020 pela OMS, a Comissão Europeia e a França, está prestes a fracassar.

"Para o bem da humanidade, porém, ela não pode falhar", apelou ela. A ideia da Covax seria distribuir aos países pobres vacinas pagas pelos ricos. Mas das 640 milhões de doses de vacinas planejadas para os mais pobres até o início de agosto, apenas 163 milhões haviam chegado. É uma declaração de falência moral por parte dos países ricos.

De acordo com as estimativas da OMS, são necessárias 11 bilhões de doses para acabar com a pandemia em todo o mundo. As nações industrializadas do G7 prometeram apenas 1 bilhão, com EUA e Alemanha à frente. E enquanto na África e em muitos países da América Latina as mutações do vírus seguem infectando a população, o Norte se comporta como monopolista.

Para o vírus, negócios humanos não importam

O governo Joe Biden, por exemplo, comprou recentemente mais 500 milhões de doses da vacina da Pfizer, desenvolvida pela empresa alemã BioNTech, por 3,5 bilhões de dólares. E, para financiar a compra, cortou parte da ajuda ao desenvolvimento que era dada a outros países. Dinheiro que os países beneficiados precisariam, por exemplo, para comprar gasolina e levar vacina a povoados. O fato de o CEO da Pfizer estar aumentando o preço da dose da vacina é também um sinal de completo fracasso moral.

E o governo alemão, liderado por Angela Merkel, que encerra neste ano seu mandato, prova mais uma vez ainda não ter entendido o princípio mais importante do controle pandêmico: a velocidade. Há semanas, as organizações de ajuda alemãs – especialmente as ligadas às duas grandes Igrejas – vêm pedindo ao Ministério da Saúde as doses que sobraram na Alemanha. As Igrejas aplicam vacinas na África há décadas (contra o ebola e o sarampo, por exemplo) e possuem a infraestrutura necessária.

Mas, por causa do multilateralismo mal compreendido, o governo Merkel rejeita a ajuda bilateral através desses canais estabelecidos. Também, de acordo com uma carta do Ministério da Saúde, porque "doações a terceiros países regularmente exigem o consentimento prévio do fabricante".

O fato de a BioNTech ter desenvolvido sua vacina em 2020 com meio bilhão de euros do orçamento federal alemão, tanto faz: a questão é ganhar dinheiro. Para o vírus e suas variantes – delta, lambda e o que quer que apareça –, nada disso importa: ele continua evoluindo, a caminho da contaminação total. E aí vai voltar, em plena forma, para a Europa ou a América do Norte.

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Frank Hofmann é jornalista da DW. O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.