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Opinião: Enfim, não é não na Alemanha

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Naomi Conrad
7 de julho de 2016

Na Alemanha, até agora, só havia estupro se a vítima se defendesse fisicamente: uma situação penal medieval. Mudança na legislação não é perfeita, mas era urgente, opina a jornalista Naomi Conrad.

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Naomi Conrad é jornalista da DW
Naomi Conrad é jornalista da DW

Quando meus pais se casaram, nos anos 80, tudo levava a crer que a geração deles há muito já tivesse banido, da sociedade e de diversos quartos de dormir, a rígida moral sexual, finalmente equiparando os direitos de homens e mulheres.

Graças à pílula anticoncepcional e ao direito ao aborto, minha mãe pôde decidir por si e livremente sobre o próprio corpo, se queria filhos e se e em que atividade desejava trabalhar.

Ainda assim: até 1997 meu pai poderia ter violentado minha mãe e saído impune. Eu tinha 14 anos quando a política alemã finalmente de dignou a reconhecer que a mulher, inclusive sua sexualidade, não tinha mais que se sujeitar ao homem.

No entanto, quando, algumas semanas atrás, eu me casei com o meu namorado, ainda vigorava no país uma "legislação medieval" – para citar uma jovem ativista da internet. Até ontem um homem poderia ter me violentado, e não estaria cometendo nenhum delito se eu só tivesse chorado ou lhe implorado que, por favor, por favor, parasse, pois estava me machucando.

Não, para que um estupro fosse um estupro na Alemanha, a mulher tinha que se defender, ou o homem empregar ou a ameaçar com violência. Até então, um "não, não quero, para já com isso, este é o meu corpo" não bastava.

Até que enfim isso mudou: nesta quinta-feira (07/07), depois de anos de luta de juristas e ativistas dos direitos das mulheres, o Parlamento alemão decidiu implementar o princípio do "não significa não" nas leis sobre crimes sexuais.

Concretamente, isso significa: se um homem (quase sempre é um homem) passa por cima da vontade manifesta da vítima, ele está cometendo um ato criminoso. Ele também não pode mais – por exemplo, no metrô ou no ônibus – pôr a mão debaixo da blusa dela e lhe apalpar os seios, ou se esfregar nas suas nádegas. "Passar a mão", "apalpar" ou "encoxar" é igualmente passível de pena.

Nem tudo é bom na nova lei. No caso de estrangeiros, uma condenação pode acelerar o processo de deportação, e essa conexão com o direito de permanência é problemática. Algumas juristas consideram as punições exageradas e criticam a dificuldade de aplicar penas condicionais.

Ainda assim, era finalmente hora de também os legisladores entenderem que nosso direito penal sexual era totalmente obsoleto – e, com ele, também os papéis relativos aos gêneros e a imagem da família que reverberam em seus parágrafos, essa imagem da mulher que, contrita e silenciosa, se submete aos deveres conjugais.

Essa não pode ser a norma aceita social e juridicamente. Não: a reforma é um marco, uma mudança de paradigma que chega mais do que atrasada.

E se, algum dia, eu tiver uma filha, então espero que seja por fim inteiramente indiscutível que ela pode dizer "não", e que qualquer um que ignore sua vontade está sujeito a punição. Espero que ela viva numa sociedade em que o direito feminino à autodeterminação sexual tenha finalmente se tornado um fato, da mesma forma que salários iguais para trabalhos iguais.

Mas é triste que, para isso, tenha sido necessário um fatídico réveillon em Colônia, assim como o amargo sabor de racismo e islamofobia que, desde então, infiltra-se nos debates sobre o direito penal sexual.

E para todos aqueles homens que se indignam, em suas colunas ou nas redes sociais, que o Estado queira se imiscuir no quarto de dormir deles: nada de pânico. É claro que continua valendo o princípio da presunção de inocência e a necessidade de provas. Em dúvida, portanto, a favor do réu. Nesse ponto, nada mudou, absolutamente nada.