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Um serviço de inteligência como qualquer outro

Marcel Fürstenau (av)18 de agosto de 2014

Depois da NSA, é a vez de o órgão alemão responder por espionar a Turquia. Serviços de inteligência não podem ser julgados por critérios morais, mas desconfiança prejudica democracia, opina Marcel Fürstenau.

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Um mundo sem serviços secretos? A ideia é boa demais para ser verdade e, diante de inúmeros perigos, tanto concretos quanto abstratos, infelizmente, também ingênua. Uma dessas ameaças potencialmente fatais é o terrorismo internacional.

Kommentarfoto Marcel Fürstenau Hauptstadtstudio
Marcel Fürstenau, da redação alemã da DWFoto: DW/S. Eichberg

Com o assassinato em massa de motivação religiosa-fundamentalista em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, esse terrorismo alcançou uma nova dimensão. Desde então, não estão sob suspeita apenas os piores inimigos, por diversos motivos, mas também amigos e parceiros de longa data. Com isso, é destruído o grau mínimo de confiança que torna parcerias e amizades sequer possíveis.

Naturalmente não são todos colocados no mesmo nível de desconfiança. Dos inimigos se espera, com razão, tudo o que há de mais horrível. Mas também se desconfia dos aliados, por não fazerem o suficiente em prol da segurança nacional e global, por exemplo.

Espiões americanos da Agência de Segurança Nacional (NSA) monitoram terroristas islâmicos, a fim de evitar atentados terroristas. E monitoram a chanceler federal alemã, Angela Merkel – por que, afinal de contas? Porque na Casa Branca, independente do presidente em exercício, teme-se que possam voltar a ser planejados na Alemanha atentados no estilo do 11 de setembro – cujos arquitetos desenvolveram seus planos Hamburgo.

Por mais que, a esta altura, especulações desse tipo possam parecer irracionais, na cabeça dos chefes de serviço secreto elas parecem ser uma parte decisiva da estratégia na luta contra o terror. Com isso, eles arriscam conscientemente prejudicar, de forma leviana e duradoura, longas relações positivas ou até mesmo amigáveis.

Esse é o caso das relações entre os EUA e a Alemanha, desde as revelações do whistleblower Edward Snowden sobre a NSA. E o mesmo ocorre agora entre a Alemanha e a Turquia. O governo alemão não admite que o Departamento Federal de Informações (BND) tenha vigiado sistematicamente a tão importante parceira na Otan – sobretudo do ponto de vista estratégico-militar. Mas também não desmente.

Até que se prove o contrário, esse jogo do silêncio só permite uma conclusão: são verdadeiras as notícias da imprensa sobre atividades de espionagem do BND contra a Turquia.

Para o já tenso relacionamento turco-alemão, isso pode ter consequências graves. Em Ancara, há muito já se acusa a Alemanha, no geral, e Merkel, em particular, de quererem, de todo jeito, impedir o ingresso da Turquia na União Europeia.

Além disso, há na Alemanha a ainda não esclarecida e muito menos expiada série de assassinatos de motivação racista pela Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU), em que a maioria das vítimas era de origem turca. Por menos que um assunto tenha a ver com o outro, tudo isso junto comprometeu consideravelmente a confiança turco-alemã, tanto no nível político como pessoal.

Levará tempo para restabelecer essa confiança. E, infelizmente, o ceticismo é justificado, se os serviços de inteligência continuarem agindo como até agora, e se políticos de todas as alas basicamente os deixarem fazer o que querem. No relacionamento teuto-americano, isso se mostra, por exemplo, no acordo de não espionagem desejado por Berlim. Washington rejeita pura e simplesmente a renúncia à espionagem recíproca.

Paradoxalmente, nessa questão, os americanos mostram-se até consequentes. De forma tácita, eles admitem, assim, que querem continuar a formar uma imagem de seus parceiros através dos métodos do serviço secreto. Por outro lado, dificilmente se faz amigos dessa forma.

Uma coisa é clara: não se pode sempre julgar por critérios morais o comportamento dos serviços secretos, sejam quais forem eles. No entanto, isso não significa liberar os governantes da responsabilidade. Sua tarefa é, mais urgentemente do que nunca e com um alto grau de transparência, justificar o trabalho de seus serviços secretos – denominados "órgãos de segurança".

A esfera pública tem direito a isso, e os países parceiros em questão também têm o direito de esperar essa justificativa. Se tudo permanecer como sempre, a desconfiança continuará a crescer, dentro e fora do país. Desconfiança leva a estranhamento. A longo prazo, ambos prejudicam a democracia, na Alemanha, nos EUA, na Turquia, por toda parte.