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A frieza do chanceler austríaco

Norbert-Mappes-Niediek - t Korrespondent mehrerer deutschsprachiger Zeitungen in Südosteuropa
Norbert Mappes-Niediek
28 de maio de 2019

Seu governo caiu. Mas Kurz tem tudo para voltar ao poder. Ele tem direcionamento claro: contra os estrangeiros, contra a UE, contra o combate à desigualdade. Deve seguir inalterado o curso político direitista da Áustria.

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Sebastian Kurz |  Misstrauensvotum in Österreich
Foto: picture-alliance/dpa/APA/R. Schlager

Na realidade, a destituição do governo austríaco não deveria ter sido um grande drama. Novas eleições já haviam sido anunciadas para setembro. As eleições europeias no último domingo confirmaram de forma impressionante como o país está pensando e se sentindo.

O projeto dos partidos da coalizão de governo que desmoronou, chefiada pelo jovem chanceler federal, foi e continua popular. Não se vislumbra uma alternativa majoritária. Não há nada que sugira que o voto de desconfiança de segunda-feira (27/05) possa alterar muito as relações de maioria parlamentar.

Mesmo assim, isso evoluiu para um grande drama. Tanto os social-democratas quanto os "libertários" do FPÖ, que acabaram de ser expulsos do governo, debateram consigo mesmos durante dias. Ainda se pode confiar neste chanceler?

Qualquer um que falasse de confiança não pensava simplesmente em evitar a destituição, ou seja, aquilo que a linguagem constitucional estipula com um conceito peculiarmente humanizado. Nas últimas declarações dos políticos, a confiança realmente era algo completamente pessoal.

Os social-democratas ficaram verdadeiramente indignados com o fato de o chanceler federal Kurz querer usar a vantagem de seu cargo sem fazer qualquer concessão à oposição para a sua triunfante reeleição.

Os "libertários" não entenderam o burburinho em torno do vídeo de Ibiza, que mostrava seu líder de partido e bancada entregando contratos oficiais e atacando avidamente a mídia. Assim é a política, pensaram eles e seus eleitores, achando ser uma maldade e uma traição que Kurz os responsabilizasse por algo que, em sua visão, todos fazem. Após 30 anos de populismo de direita, o cinismo do FPÖ e de seus apoiadores se traveste de honestidade.

Com seu semblante imutável durante o debate parlamentar de sua destituição, Sebastian Kurz lembrou uma figura do museu de cera de Madame Tussaud. As emoções que ele desencadeia são estranhas até para ele mesmo, e elas são tanto maiores quanto mais frieza ele demonstra.

Sempre moderado em tom, de excelentes maneiras, o político de 32 anos provoca a fúria de seus opositores. A cultura do consenso, na verdade uma característica austríaca, é estranha ao chanceler. Kurz usa frases cinzeladas para descrever o que ele decidiu nos círculos mais fechados.

O fato de ele próprio perder a maioria parlamentar com a expulsão de seu parceiro de coalizão não lhe custou nenhuma gota de suor. Seu público o ama por isso.

Kurz não se importava com o que os seus opositores decidiam. Agora que ele foi destituído, a sua vitória vai estar no seu nimbo de mártir. Se ele tivesse permanecido no cargo, nas eleições de setembro, teria sido a sua majestosa invulnerabilidade que lhe daria uma vitória igual. Nenhuma reivindicação política conecta os partidos da oposição, que o destituíram.

Mas os social-democratas foram táticos. Para a destituição do chanceler, agiram particularmente de forma intensa aqueles no SPÖ (Partido Social Democrata da Áustria), para quem a aliança com o FPÖ, na verdade, é lucrativa. Em seu estado, o vice-líder do partido Hans Peter Doskozil está em coalizão com os ultradireitistas e não achada nada de mal em ultrapassar, pela direita, o governo austríaco em seu curso nacionalista.

Os céticos contra a destituição eram antes aqueles que queriam mostrar uma clara posição contra a direita – como a ainda inexperiente líder dos social-democratas austríacos, Pamela Rendi-Wagner. Suas chances não são particularmente boas. Os partidos da Áustria não se alinham, como os alemães, num eixo esquerda-direita. Eles se comportam em relação aos demais antes como as três superfícies de uma estrela da Mercedes: interfaces igualmente longas os conectam.

Os "libertários" também foram táticos. O ministro do Interior demitido, Herbert Kickl, e o principal candidato do partido nas eleições europeias, Harald Vilimsky, não queriam, de qualquer forma, a coalizão com a legenda conservadora de direita ÖVP. Eles estão convencidos de que um dia chegarão ao topo e nomearão o chanceler federal. Os linha-dura temem, com razão, que a posição de parceiro júnior não lhes traga nada.

Outros, como Norbert Hofer, o sucessor designado do comprometido líder partidário, Heinz-Christian Strache, gostariam de coligar uma segunda vez com o ÖVP após a eleição de setembro.

Um segundo gabinete preto-azul não é de modo algum improvável. Kurz se recusa a descartar essa possibilidade. A crítica interna do partido, que ele teve que ouvir nos últimos meses devido ao seu curso direitista, deve silenciar após a vitória eleitoral no domingo.

Kurz tem um direcionamento claro: contra os estrangeiros, contra Bruxelas, contra a redistribuição no setor social. Seus opositores concordam apenas que o chanceler desfruta injustamente a adoração de seus muitos fãs.

Se no final o caso do vídeo de Ibiza não sair pela culatra, isso vai acabar deixando inalterado o curso político direitista do país. De acordo com o que se vê em Viena, sexo, mentiras e vídeos não são ajudantes confiáveis numa reviravolta política.

Norbert Mappes-Niediek é correspondente da DW em Viena

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