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PolíticaReino Unido

Um terremoto político abala o Reino Unido

Barbara Wesel Studio Brüssel
Barbara Wesel
21 de outubro de 2022

Mandato da premiê Liz Truss foi o mais curto da história britânica, mas o caos desencadeado por seu plano econômico fracassado perdurará. Fala-se até da volta de Boris Johnson – um péssimo sinal, opina Barbara Wesel.

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Liz Truss e outro político de costas, entrando na sede do governo britânico
Liz Truss anunciou sua renúncia após apenas 44 dias à frente do governoFoto: TOBY MELVILLE/REUTERS

Ao meio-dia desta quinta-feira (20/10), circulou em Londres a notícia de que Graham Brady visitara a primeira-ministra Liz Truss. A tensão cresceu: o líder da bancada parlamentar conservadora é o executor do partido, que vai até Downing Street para comunicar aos mandatários que os deputados retiraram a confiança neles. Assim foi já em 2018, na renúncia forçada de Theresa May, e por último em meados deste ano, com Boris Johnson.

Supostamente a própria Truss pedira esse encontro com Brady, talvez para convencê-lo a ainda lhe dar uma chance. Porém deve ter sido tão catastrófico o que ele contou à premiê, a portas fechadas, sobre o clima dentro da bancada, que ela pediu a renúncia por conta própria. "Reconheço que nesta situação não posso cumprir o mandato para que fui eleita", comentou Truss laconicamente, ao se despedir.

Na noite da véspera, Charles Walker, deputado de longa data da Câmara dos Comuns, expressara sua raiva com os acontecimentos das últimas semanas, classificando-os como "imperdoáveis, lamentáveis e uma vergonha total". Ele também frisou que se tratava de uma situação sem volta, "apavorante" para o governo, e que estava enfurecido.

O mandato mais breve da história britânica

Se essa erupção de ira ilustra o clima na bancada, está claro por que Truss não conseguiria se manter, e teve que chutar o balde no 44º dia de sua chefia de governo, a mais breve da história do Reino Unido.

Liz Truss emergiu em meados de 2022 de uma campanha intrapartidária, em que se destacara como favorita da base direitista dos conservadores. O desastre começou quando ela pôs em prática as ideias radicais de liberalismo de mercado com que conquistara o posto de primeira-ministra.

Seu ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, apresentou um orçamento contendo reduções de impostos para os ricos e, ao mesmo tempo, alta dos gastos públicos, no que Truss definiu como um plano de crescimento. Os mercados, contudo, viram abalada a confiança na estabilidade financeira do Reino Unido, a libra despencou, o Bank of England teve que salvar os fundos de aposentadoria, os juros das hipotecas subiram.

A repercussão internacional foi avassaladora: até mesmo o presidente americano, Joe Biden, declarou que a política de Truss era "um erro". Em várias meias-voltas, a primeira-ministra tentou retirar parte de sua proposta, mas na última sexta-feira teve que tirar consequências drásticas, demitindo seu ministro das Finanças, um de seus amigos políticos mais íntimos. que simplesmente executara a vontade da líder.

O substituto indicado foi o ex-ministro da Saúde Jeremy Hunt, que dentro de 48 horas jogou pela janela todos os planos de Truss, anunciando tempos duros com uma nova política para apertar os cintos. Todas as reduções fiscais foram retiradas, e se impôs um freio orçamentário.

Descarrilamento fantástico no parlamento

Na quarta-feira, então, o caos atingiu um novo ponto alto: durante a sessão de perguntas na Câmara, Liz Truss se declarou "uma lutadora, não uma desistente". Pouco mais tarde, porém, veio a notícia de que ela despedira também a ministra do Interior, Suella Braverman, queridinha dos conservadores mais à direita.

A justificativa oficial foi um erro formal da chefe de pasta, relativo às regras de segurança do governo, mas, na verdade, provavelmente Truss deve ter tentado abrir as portas para mais imigração, a fim de energizar a economia – o que Braverman rejeitou veementemente.

Em seguida à perda de um segundo membro do gabinete, seguiu-se, à noite, uma votação fantasticamente descarrilada. O assunto era fraturação hidráulica para extração de combustível fóssil, mas em parte também uma moção de desconfiança iniciada pelo Partido Trabalhista.

A maioria dos deputados conservadores desaprovava expressamente o fracking, mas se viu forçada a votar a favor, a fim de evitar a queda de Liz Truss. A noite terminou em gritaria e briga, e os parlamentares conservadores se recolheram enfurecidos. Esse circo foi aparentemente o começo do fim – o qual, na boa tradição britânica, chegou com rapidez brutal.

Boris Johnson de volta?

Até a próxima sexta-feira, os conservadores pretendem decidir quem sucederá  Liz Truss. O boato mais mirabolante é que o ex-primeiro-ministro Boris Johnson pretenderia entrar na roda. Ele está voltando de férias na América Central, e seus apoiadores dentro do partido o vendem como um venceder de eleição que precisa arrancar os Tories de sua atual miséria.

"Espero que tenha aproveitado as férias, chefe. É hora de voltar. Tem umas coisas para se arrumar no escritório", tuitou James Duddridge, ex-secretário de Estado parlamentar de Johnson. Fica em aberto até que ponto se tornarão realidade os planos de um incrível retorno de Boris Johnson, expulso apenas em julho. Mas só o fato de a possibilidade estar sendo cogitada já é extremamente revelador.

Outro candidato seria o ex-ministro das Finanças Rishi Sunak, mas que parece não contar com muito consenso, pois muitos ainda lhe atribuem a queda de Johnson. Meses atrás, ele enfatizou repetidamente que a política financeira de Truss era absurda e fora da realidade. Quem também está esquentando as turbinas é Penny Mordaunt, atual chefe da bancada conservadora da Câmara dos Comuns.

O atual chefe das Finanças Hunt já descartou qualquer pretensão ao posto. Durante o fim de semana, se verá quem ainda pode entrar no páreo. No momento não há nenhum verdadeiro "candidato da unidade" à vista, capaz de reunir os Tories em conflito.

Os critérios de seleção já estão claros: até a segunda-feira devem ser apresentados os candidatos que reúnam pelo menos 100 assinaturas dos correligionários. Se houver mais de um, se realizará no mesmo dia um debate e, em seguida, uma votação online entre os afiliados da legenda. Portanto os conservadores entregam novamente a decisão à mesma base partidária que da última vez fez uma escolha tão desastrosa.

Hora de novas eleições no Reino Unido?

A chefe de governo da Escócia, Nicola Sturgeon¸ definiu a situação em Londres como uma "desordem pavorosa", sendo Truss apenas o sintoma de um sistema político disfuncional. Assim, novas eleições seriam uma "necessidade democrática".

O líder oposicionista Keir Starmer fala em termos ainda mais fortes: agora não se trata mais de "uma telenovela dos conservadores", não se pode mais fazer um experimento desses, pois os danos para os cidadãos, na forma de alta de preços e juros hipotecários, são bem reais. "O público britânico precisa poder decidir por si, agora, precisamos de novas eleições."

Falando à emissora BBC, o cientista político Vernon Bogdanor explicou que, do ponto de vista constitucional, não é compulsório realizar um novo pleito. É fato que só uma vez, durante a Segunda Guerra Mundial, dois premiês foram substituídos numa mesma legislatura, mas isso é algo que a lei permite.

Por outro lado, o argumento político para uma votação é muito forte, pois "um novo primeiro-ministro precisa de um mandato para a política de contenção agora anunciada por Jeremy Hunt", mas esse é o ponto de vista político, frisa Bogdanor.

Compreensivelmente, os Tories rechaçam por todos os meios uma nova eleição, já que no momento os opositores trabalhistas estão 30 pontos percentuais à frente deles. A maioria dos atuais deputados conservadores perderia seu mandato. Projeções indicam que, justamente nos redutos trabalhistas em que obtiveram vantagem três anos atrás, eles voltariam a perder todos os assentos.

Do ponto de vista do Partido Conservador, portanto, os motivos para colocar um premiê interino são fortes. Questionável é quanto êxito ele ou ela teria com uma política de contenção rigorosa num posto que perdeu a credibilidade.

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Barbara Wesel é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.