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Chile após resgate

14 de outubro de 2010

O resgate na mina San José deixou o Chile em êxtase. Para Mirjam Gehrke, articulista da Deutsche Welle, o presidente Sebastián Piñera deve tratar com responsabilidade o novo sentimento de identidade coletiva.

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Trinta e três famílias têm de volta seus maridos, pais, filhos e irmãos – para eles, a vida começa agora pela segunda vez. O país inteiro festeja seus heróis – e, dessa forma, celebra também a si próprio.

Mirjam Gehrke
Mirjam Gehrke

O Chile está orgulhoso da força psicológica, da resistência e da bravura dos mineiros, que após o desabamento da mina, em 5 de agosto, sobreviveram por mais de duas semanas na incerteza se algum dia seriam achados.

Até o ministro chileno da Mineração, Laurence Golborne, chegou a duvidar do resgate – o que lhe rendeu duras críticas de todos os lados. Felizmente, ele se enganou.

Hábil gestão da mídia

Otimismo e autoconfiança foram as palavras de ordem, que ninguém melhor do que o presidente chileno, Sebastián Piñera, soube incorporar. E valeu a pena: após seu índice de popularidade ter caído bastante nos primeiros meses de mandato, ele pôde agora recuperar 10 pontos percentuais. Piñera visitou diversas vezes os familiares dos mineiros, que montaram acampamento no Campo Esperança.

As imagens do presidente abraçando e encorajando as mulheres apreensivas que ali esperavam, conversando com engenheiros e se informando sempre sobre o estado da perfuração para o resgate – tudo isso fez bem à sua imagem. Piñera – o empreendedor, que está junto da população. Observadores afirmam que ele viu como o presidente norte-americano, Barack Obama, perdeu o controle da gestão de crise durante a catástrofe de derramamento de óleo no Golfo do México. E Piñera teria aprendido com isso, dizem.

Mas essa encenação perfeita teve também detalhes menos belos. Já nas primeiras horas da manhã de 22 de agosto ficou claro que os mineiros estavam vivos e bem de saúde. No entanto, do palácio presidencial em Santiago veio a ordem de reter a notícia tão esperada pelos chilenos até que Piñera chegasse à mina. Esse deveria ser seu grande momento. O presidente conhece o poder das imagens. Seu abraço no primeiro mineiro resgatado ficará gravado na memória coletiva do Chile.

Ganhadores e perdedores

Mas, ao citarmos os vencedores neste episódio – que são em primeiro lugar, naturalmente, os mineiros resgatados e seus familiares, e também o governo e a mineradora estatal Codelco, que possibilitou o resgate com a mais moderna tecnologia – deve-se indicar também os perdedores.

Os órgãos públicos falharam de forma estridente na vigilância e manutenção dos padrões de segurança. A exploração de minérios é o pilar da economia chilena, o país é o maior produtor mundial de cobre. É inadmissível continuar aceitando um tratamento tão irresponsável como esse dado à segurança de pessoas que trabalham pela riqueza do Chile sobre condições, em parte, extremas.

No passado, diversos acidentes trágicos já aconteceram na mina San José. Após um caso de morte, há três anos a mina foi fechada por motivos de segurança. No começo deste ano, as autoridades chilenas cederam à pressão do setor privado e liberaram novamente a prospecção nas galerias inseguras. Foi o próprio ministro da Mineração, Laurence Golborne, que descartou como sendo sem fundamento as objeções dos sindicatos.

Melhores condições de trabalho

Em sua primeira entrevista logo após retornar à superfície, Mario Sepúlveda, o segundo mineiro resgatado, exigiu com razão mudanças fundamentais na indústria mineradora, para proteger os direitos dos trabalhadores. O presidente Piñera tem uma grande tarefa pela frente. Uma pauta de reivindicações da federação dos sindicatos chilenos já se encontra sobre sua mesa de trabalho.

Agora, o milionário self-made man e amigo dos empresários tem quem mostrar a quem será útil o novo estilo de governança por ele mesmo proclamado: aos 20% dos mais ricos do país – que o veem como o verdadeiro guardião de seus privilégios econômicos – ou a todas as camadas da população.

Chile se uniu

A preocupação com os 33 mineiros e o êxtase causado pelo seu resgate provocou uma maior integração entre os chilenos nos últimos meses. E o orgulho pela proeza humana e tecnológica promoveu um novo sentimento de identidade coletiva em um país ainda profundamente dividido, 20 anos após o fim da ditadura. Agora, o presidente Piñera tem de lidar com esta situação de forma responsável.

Autora: Mirjam Gehrke (ca)

Revisão: Roselaine Wandscheer