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Justiça

5 de março de 2009

Pela primeira vez na história, o TPI expediu um mandado de prisão contra um presidente em exercício. Ute Schaeffer comenta.

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É como se os manifestantes quisessem pôr em prática a propaganda usada pelo próprio presidente. "Um sudanês de verdade nunca se opõe a seu presidente quando este precisa dele", são os dizeres de cartazes da administração presidencial. Milhares de manifestantes protestaram na quarta-feira (04/03) na capital sudanesa Cartum contra o mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o presidente Omar al-Bashir. Três dúzias de países, em sua maioria africanos, ameaçaram suspender seu reconhecimento à corte de Haia. O caso al-Bashir poderia pôr a comunidade internacional à prova.

A lista dos Estados que não apoiam incondicionalmente o Tribunal Penal Internacional se tornará ainda maior. Hoje, ela inclui Estados Unidos, Rússia, Índia, Paquistão, China, Israel e Irã. E o mandado terá consequências também para a população do Sudão, piorando ainda mais a já sofrida situação humanitária. Cartum já expulsou do país as primeiras organizações de ajuda.

Também a luta pela paz se tornará mais difícil. Um grupo rebelde em Darfur já cancelou sua participação nas negociações de paz após a expedição da ordem de prisão. E o Sudão, que já é considerado destino de terroristas islâmicos, ficará ainda mais isolado.

Este que é o primeiro mandado de prisão a um presidente em exercício levanta justificadamente uma questão: será possível obter Justiça sem antes estabelecer a paz? Não, respondem a União Africana e outros Estados que devem sabê-lo. Seja em Ruanda, na ex-Iugoslávia ou na África do Sul: só depois de estabelecida a paz, depois de encerrados o genocídio e a guerra, é que os responsáveis políticos foram levados a juízo.

Não há dúvida: de acordo com o estatuto do Tribunal Penal Internacional, al-Bashir é responsável por genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra. E é certo que responda por eles. Mas por que agora? E será a ordem de prisão o instrumento correto para acabar com a violência e a guerra no Sudão? Nesse caso, dúvidas são oportunas.

Haveria diversos outros recursos, mas a comunidade internacional não quis se comprometer com eles. Rígidas sanções das Nações Unidas, por exemplo, pressão política e econômica por parte dos principais parceiros comerciais, principalmente da China. E por que países ocidentais continuam enviando armas ao Sudão, se querem alcançar a paz?

Ninguém é a favor da impunidade, nem os países árabes, nem a União Africana, que criticam o mandado de prisão. Porém, um argumento tão correto quanto importante é que nenhuma punição se deixará executar em um país conflituoso como o Sudão, no qual diversos conflitos regionais escalam ao mesmo tempo, que só tem instituições políticas fracas e quase sem participação da população, e que este ano ainda está diante de eleições importantes. Ainda mais vinda de um tribunal que pode emiti-lo, mas não pode executá-lo, dependendo para isso da cooperação entre os Estados envolvidos.

Contudo, o TPI agiu de forma muito mais coerente do que a comunidade política internacional, que devido a interesses próprios não foi capaz de chegar a um acordo quanto a uma postura decidida contra Cartum. O mandado de prisão mostra que também um presidente em exercício tem responsabilidades e que o direito internacional vale para todos. Este é um sinal político importante.

Mas a decisão da corte em Haia não trará nem Justiça nem paz ao Sudão. Haveria diversas maneiras de impor limites ao governo em Cartum de forma coesa e decidida. Neste momento, o direito penal com certeza não é o instrumento adequado para gerar soluções políticas.

Autora: Ute Schaeffer

Revisão: Roselaine Wandscheer