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Opinião: A lembrança liberta

2 de junho de 2016

É bom que o Parlamento alemão chame a atenção dos turcos para o genocídio dos armênios, pois enfrentar o passado pode abrir caminho para um futuro comum, opina o jornalista Christoph Strack.

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Christoph Strack é jornalista da redação alemã da DW
Christoph Strack é jornalista da redação alemã da DWFoto: DW

Existe aquela frase do pensamento judaico: "Tentar esquecer prolonga o exílio, e a lembrança é o segredo da redenção". O presidente alemão Richard von Weizsäcker a citou em seu discurso memorável no 40º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, que ele pronunciou em 8 de maio de 1985 no Bundestag, em Bonn.

Devemos enfrentar a nossa história. Cada indivíduo e cada povo. Ainda dias atrás, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, apresentou-se ao lado do presidente francês, François Hollande, entre as sepulturas de Verdun.

Esta frase, este apelo à memória sincera, deve ser relacionada, com todo o direito, à questão de como lidar com o destino dos até 1,5 milhão de armênios assassinados há cem anos pelo Império Otomano.

Trata-se de um genocídio que vitimou, a partir de abril de 1915, centenas de milhares de pessoas, predominantemente cristãos ortodoxos. Armênios, sírios, assírios, gregos pônticos. "O destino deles exemplifica a história de extermínios em massa, limpezas étnicas e deportações que marcou o século 20 de forma tão terrível", afirma o texto da proposta encaminhada pela União Democrata Cristã (CDU), União Social Cristã (CSU) e Partido Social-Democrata (SPD).

O Bundestag – em nome de todas as bancadas – chamou o massacre de genocídio, e é bom que assim seja. Por muitos anos, o Parlamento alemão esteve discutindo aqueles acontecimentos entre os anos de 1915 e 1916. E adiou a votação da posição adotada em abril passado para esta quinta-feira (02/06). E o termo "genocídio" também pode ser encontrado no título oficial da proposta.

O texto se refere expressamente (e de forma mais clara que anteriormente feito) ao papel alemão. "O Bundestag lamenta o papel inglório da Alemanha que, como aliado militar do Império Otomano, apesar das informações claras (...), não tentou deter aquele crime contra a humanidade". O que isso deve rememorar? Isso mostra que as principais linhas da história não são uma questão de anos ou décadas, como exemplificam, de forma sangrenta, os conflitos na Síria e no Iraque.

E outro detalhe mostra que o Parlamento alemão quer, através do caminho da lembrança, alcançar uma normalização. Em 10 de outubro de 2009, a Turquia e a Armênia assinaram protocolos para o estabelecimento de relações diplomáticas e a abertura das fronteiras. Aquele momento foi saudado como um passo para a normalização de relações historicamente tensas. Mas os protocolos jamais foram ratificados, por nenhum dos lados. E o Bundestag insta à ratificação pelos turcos e armênios, para que possa nascer algo novo a partir de uma das mais tradicionais linhas de conflito.

Sim, a decisão do Bundestag chega em um momento inoportuno na política externa. Há o caso Jan Böhmermann, o acordo entre a União Europeia (UE) e Turquia sobre os refugiados e há também, como parte deste último, a questão da isenção de vistos para os turcos na UE.

Mas o lado turco também é responsável por frequentemente haver momentos inoportunos na política externa. Ameaças, mencionadas por alguns deputados, não funcionam nem aqui nem lá. E de forma alguma se trata de uma culpa dos nascidos posteriormente, mas da responsabilidade dos nascidos posteriormente de encarar não apenas os momentos gloriosos da história, mas também as horas escuras. E, depois, lidar com elas.

"A lembrança é o segredo da redenção". Recordar liberta. É bom que o Bundestag lembre tanto os alemães como os turcos disso.

Christoph Strack Repórter, escritor e correspondente sênior para assuntos religiosos@Strack_C