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Eleições no Afeganistão

21 de setembro de 2010

Equipe de observadores internacionais teme que os candidatos eleitos nas últimas eleições não serão representantes legais do povo afegão. Contagem dos votos é rodeada por acusações de corrupção.

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Fila de eleitores em CabulFoto: AP

Em meio a alegações de fraude e irregularidades, a contagem dos votos das eleições parlamentares do último sábado (18/09) prossegue no Afeganistão. A Rede Asiática para Eleições Livres (Anfrel), ONG que defende os direitos humanos e apoia a democracia nos países asiáticos, acompanha os trabalhos.

A Deutsche Welle conversou com o diretor-executivo da organização, Somsri Hananuntasu, que coordenou um time de observadores durante as eleições.

Deutsche Welle: Que problemas foram identificados pelos observadores no dia das eleições?

Somsri Hananuntasu: Segundo informações do presidente da Comissão Eleitoral Independente, 304 escolas (locais de votação) foram fechadas e não há informações referentes a 157 outras. Isso se adiciona aos mais de 900 locais de votação que foram fechados antes das eleições por razões de segurança.

Por esse motivo, achamos que muitos eleitores não conseguiram exercer o direito de voto. Muitas mulheres nos disseram que não iriam às urnas porque tinham medo de “perder os dedos”. Houve também relatos de que somente os eleitores de um certo candidato puderam votar numa cidade.

Não podemos ignorar que centenas de milhares de refugiados em campos no Paquistão não puderam votar. No caso das prisões, nós visitamos o principal centro de detenção em Cabul e descobrimos que apenas 300 dos 5.000 internos puderam exercer o direito de voto.

Além do mais, nós constatamos a presença desproporcional de fiscais de vários candidatos. Em alguns locais, nós detectamos mais representantes de partidos do que eleitores.

Por que houve um número menor de observadores neste ano do que na eleição presidencial anterior?

A Comissão Eleitoral Afegã disse que havia 1.090 observadores internacionais e 3.923 autoridades locais. Diferentemente das eleições anteriores, o contingente de estrangeiros, dessa vez, estava dividido principalmente entre as ONGs.

Acredito que por razões de segurança a União Europeia decidiu não enviar observadores neste ano. Um ocidental é sempre um alvo mais evidente do que um observador asiático. No nosso caso, nós tentamos não ter japoneses, já que o governo deles tem uma reputação de pagar resgates... a maior parte da nossa delegação era de muçulmanos.

As condições de segurança eram muito precárias. Os nossos motoristas carregavam armas, e até granadas, e eles estavam prontos para agir, caso o nosso veículo corresse algum risco. Dissemos que não queríamos trabalhar naquelas condições, mas o governo disse que tinha que ser daquele jeito.

A esse respeito, eu devo dizer que, apesar do pequeno número de observadores internacionais, o Afeganistão está melhor do que a China, Vietnã, Laos e Cingapura, porque nenhum desses países dá acesso a supervisores estrangeiros.

Pode-se conduzir uma eleição confiável sem um recenseamento adequado?

Este é o primeiro problema que temos e também o mais fundamental. Na falta de um recenseamento atualizado – o ultimo foi feito há 40 anos – é impossível saber o número total de eleitores. Nós também tivemos esse problema em Bangladesh. Isso exige um investimento pesado, mas é decisivo para o país. Não podemos esquecer os milhares de afegãos em campos de refugiados que, certamente, também deveriam ser contabilizados.

Os 11,4 milhões de eleitores que puderam participar das eleições são aqueles que já haviam se registrado para adquirir um título de eleitor. Contudo, a população adulta no país é estimada em aproximadamente 17 milhões. Alguns se registraram porque receberam promessas que ganhariam dinheiro, trabalho... isso dependia em quem votassem. Além disso, há muitas pessoas que se inscreveram mais de uma vez. Nós encontramos um membro da Fefa (Fundação para Eleições Livres e Limpas no Afeganistão) que admitiu que havia obtido seis títulos de eleitor.

A Comissão Eleitoral Independente (IEC) e a Comissão de Queixa Eleitoral (ECC) são parceiras confiáveis nesse processo?

Surpreendentemente, o presidente da IEC foi escolhido pelo próprio presidente afegão. A imparcialidade da IEC e da ECC está comprometida pelo diversos casos de corrupção, nepotismo e medo. O último é especialmente evidente em nível local, onde autoridades são coagidas frequentemente por candidatos.

A sua organização se deparou com reclamações durante a campanha eleitoral de alguns candidatos que faziam uso da máquina governamental?

Isso acontece devido ao fato de não haver leis que regulem o orçamento para a campanha eleitoral nem que controlem o uso da máquina governamental. Em muitas áreas, nós observamos que veículos e prédios do governo foram usados por vários candidatos para fins eleitorais.

O governo diz que a participação neste ano é 2% maior do que na eleição passada. Isso deve ser interpretado como um avanço positivo?

Os dados fornecidos pela Comissão Eleitoral Independente ainda são bastante controversos e nós ainda não sabemos claramente se a participação cresceu ou diminuiu. Segundo estimativas oficiais, 40% dos 11,4 milhões de eleitores exerceram o direito do voto. No ano passado, nas eleições presidenciais, mais de um milhão de votos foram anulados. Se tivermos o mesmo cenário desta vez, o governo se verá numa situação em que será muito difícil legitimar a eleição.

A contagem das urnas é também cercada por muita controvérsia. Por que?

Está longe de ser justa e precisa. A contagem não é feita em folhas tabuladas. As autoridades se sentam no chão com suas urnas e fazem a contagem separadamente. Depois, cada um dá o resultado final. É preciso então acreditar naquela informação. Isso é muito sério, já que é muito fácil subornar uma dessas autoridades.

Depois de um mês monitorando o processo eleitoral, qual seria a sua avaliação sobre as eleições parlamentares afegãs deste ano?

O desenvolvimento de todo o processo eleitoral já é uma conquista, mas na minha opinião essas eleições não foram nem livres nem justas. Houve numerosas irregularidades e eu acredito que os candidatos eleitos não serão os representantes legais do povo afegão.

Entrevista: Karlos Zurutuza (np)

Revisão: Carlos Albuquerque