1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

O que se sabe sobre os balões chineses

Leila Endruweit | Marcio Damasceno
Publicado 4 de fevereiro de 2023Última atualização 10 de fevereiro de 2023

EUA dizem que artefatos formam uma frota de veículos de espionagem atuante nos cinco continentes. China nega e afirma que eles são para pesquisa meteorológica. Incidente abala relação já tensa entre os dois países.

https://p.dw.com/p/4N6ZL
Blão no céu azul ao lado de um avião
O primeiro balão foi avistado sobre os EUA e, na quinta-feira, se movia para o lesteFoto: Brian Branch/AP Photo/picture alliance

Os Estados Unidos afirmaram nesta quarta-feira (08/02) que a China tem uma "frota" de balões de espionagem, de diferentes formas e tamanhos, usados nos cinco continentes.

As acusações foram divulgadas durante os trabalhos para resgatar destroços de um balão chinês, supostamente usado para espionagem, que foi derrubado por um caça americano no dia 4 de fevereiro, ao largo da costa da Carolina do Sul.

"Não estamos sozinhos nisso", disse o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, que cancelou sua visita a Pequim após a descoberta do balão. "Já compartilhamos informações com dezenas de países ao redor do mundo, tanto de Washington quanto por meio de nossas embaixadas. Estamos fazendo isso porque os Estados Unidos não foram o único alvo desse programa mais amplo, que violou a soberania de países nos cinco continentes."

O porta-voz do Pentágono, general de brigada Patrick Ryder, disse que o FBI e o Serviço de Investigação Criminal Naval estão trabalhando para catalogar os destroços do balão abatido e transferi-los para o continente para uma análise mais aprofundada.

O Pentágono publicou fotos de marinheiros em pequenos barcos da marinha recolhendo partes do balão, que teria cerca de 60 metros de altura, mas a maior parte de sua carga útil – supostamente do tamanho de um jato regional de passageiros – acabou indo para o fundo do mar.

Na noite de 3 de fevereiro, foi reportado pelos EUA um segundo balão chinês suspeito, desta vez sobrevoando a América Latina. A China argumenta que são aparelhos civis de pesquisa meteorológica. 

Onde os balões foram avistados

O primeiro balão foi avistado sobre os EUA e, quando a notícia veio a público, em 2 de fevereiro, se movia para o leste, a uma altitude de cerca de 18.600 metros. Ele vagava sobre o estado de Montana, no noroeste do país, justamente onde estão localizadas bases aéreas de alta sensibilidade e mísseis nucleares em silos subterrâneos.

Autoridades americanas afirmaram que o governo de Joe Biden estava ciente do balão antes mesmo de ele cruzar para o espaço aéreo dos EUA, no Alasca, no final de janeiro.

Embora o Pentágono não tenha dito sobre qual país da América Latina o segundo balão se encontrava, o jornal La Nación, da Costa Rica, disse que esta seria uma explicação para o grande objeto branco, semelhante a um balão de gás, que muitos costarriquenhos teriam visto nos últimos dias. 

No dia 9 de fevereiro, o Japão confirmou casos suspeitos de balões voando sobre seu território em 2020, 2021 e 2022. Tóquio está trocando dados com os EUA a respeito do assunto, segundo o porta-voz do governo Hirokazu Matsuno. "Vamos continuar monitorando a situação com o maior interesse e coletar informações", disse.

Homens em um parco recolhem o que parece ser a cobertura do balão
Marinha dos EUA recolhe destroços do balão no oceano AtlânticoFoto: US NAVY/AFP

O que dizem os EUA

Os Estados Unidos sustentam que se trata de espionagem. "O propósito do balão é, claramente, de vigilância", disse um oficial americano que não quis se identificar.

Na primeira declaração pública, em 2 de fevereiro, o secretário de imprensa do Pentágono, brigadeiro-general Pat Ryder, afirmou que o balão não era uma ameaça militar ou física, o que significa que ele não carregava armas. Além disso, o balão não representava riscos à aviação civil, segundo informou um oficial da Defesa americana citado pela agência de notícias AFP. Por isso, ele não foi imediatamente abatido - o que veio a ocorrer poucos dias depois. 

No dia 9 de fevereiro, o governo americano informou que o balão estava equipado para detectar e coletar sinais de inteligência e seria parte de um amplo programa de espionagem que atingiria mais de 40 países.

Uma autoridade do departamento de Estado dos EUA diz que o balão abatido "tinha claramente o propósito de espionagem de inteligência e é inconsistente com equipamentos a bordo de balões meteorológicos". O objeto, segundo essa autoridade, "tinha múltiplas antenas para cobrir um raio capaz de coletar e geolocalizar comunicações". 

Washington informou que imagens do balão obtidas por aviões de espionagem americanos U-2 sugerem que o objeto seria "capaz de coletar sinais de inteligência".

O Pentágono avalia que os balões de vigilância chineses sobrevoaram partes dos EUA três vezes durante o governo de Donald Trump e uma vez anteriormente sob o mandato de Biden, e escaparam da detecção imediata. 

O que diz a China

Sobre o balão nos EUA, o Ministério das Relações Exteriores da China afirma que se tratava de um veículo de pesquisa meteorológica. A pasta disse que o balão tem capacidade limitada de "autodireção" e "desviou-se muito de seu curso planejado" por causa dos ventos. "O lado chinês lamenta a entrada não intencional do balão no espaço aéreo dos EUA devido a força maior'', diz um comunicado.

O Ministério do Exterior da China reforçou que "nunca violou o território e o espaço aéreo de nenhum país soberano". No entanto, "alguns políticos e a mídia dos EUA usaram o incidente como pretexto para atacar e difamar a China", alfinetou.

Pequim minimizou o incidente e suas consequências diplomáticas. O mais alto diplomata chinês, Wang Yi, diretor da Comissão Central de Assuntos Externos do Partido Comunista da China, comentou que "confrontadas com situações inesperadas, ambas as partes precisam manter a calma, comunicar em tempo hábil, evitar juízos equivocados e gerir diferenças".

No dia 5 de fevereiro, após a derrubada do balão, a China acusou os Estados Unidos de "terem exagerado e violado as práticas internacionais" ao abaterem um balão chinês. 

"A China expressa forte insatisfação e protesta contra o uso da força pelos Estados Unidos", disse o Ministério das Relações Exteriores chinês, em comunicado, acrescentando que "se reserva o direito" de dar as "respostas necessárias".

O regime chinês acrescentou ter "pedido claramente aos EUA que tratassem a situação de forma adequada, calma, profissional e comedida".

Sobre o balão na América Latina, a China admitir ser a responsável e disse tratar-se de um equipamento civil. 

O que os balões podem fazer

De acordo com o governo dos EUA, os balões, que seriam operados sob a direção do Exército de Libertação Popular da China, são equipados com materiais de alta tecnologia capazes de colher informações sensíveis de alvos ao redor do globo. Objetos semelhantes já sobrevoaram países nos cinco continentes, afirmam os americanos.

O especialista em segurança internacional Ian Chong disse em entrevista à DW que, embora não se saiba muitos detalhes sobre os balões, eles poderiam ser usados para coletar uma variedade de dados.

"Esses balões de alta altitude em geral têm uma série de funções. Eles podem fazer qualquer coisa, desde imagens até a coleta de amostras do ar e a tentativa de coletar sinais de inteligência", disse Chong, acrescentando que ainda não há informações suficientes  para determinar seu propósito exato.

Como os balões afetam a relação entre EUA e China

Após a descoberta do primeiro balão, os Estados Unidos decidiram cancelar a viagem do secretário de Estado americano, Antony Blinken, à China. O anúncio foi feito horas antes de Blinken partir de Washington para Pequim e marca um novo golpe nas já tensas relações entre os Estados Unidos e a China.

Um alto funcionário afirmou que a gravidade da violação do espaço aéreo, da soberania e do direito internacional é tanta que a viagem de Blinken não poderia ser mantida.

O funcionário chamou a presença do balão de "inaceitável" e disse que a mensagem foi entregue por Blinken ao conselheiro de Estado chinês Wang Yi nesta sexta-feira. A visita será remarcada assim que as circunstâncias permitirem, disse um alto funcionário do Departamento de Estado em Washington.

A visita de dois dias de Blinken à China ocorreria no começo de fevereiro e incluiria um encontro com o presidente chinês, Xi Jinping.

Seria a primeira viagem de um chefe da diplomacia dos EUA à China desde 2018. Entre os temas a serem discutidos estariam o abalo das relações bilaterais gerado pelas tensões envolvendo o território insular autogovernado de Taiwan.

Blinken fala em frente a uma bandeira dos EUA e uma da Coreia do Sul
Blinken visitaria a China neste fim de semanaFoto: Win McNamee/Getty Images

Wen-Ti Sung, cientista político da Universidade Nacional Australiana, disse à DW que o incidente mostra "como as relações entre a China e os EUA são instáveis".

"Se mesmo um incidente relativamente pequeno pode atrapalhar uma visita há muito esperada, isso mostra que eles ainda acham difícil confiar uns nos outros como parceiros de longo prazo", destacou.

Ele acrescentou que a China também precisará encontrar maneiras de melhorar suas relações com os legisladores dos EUA, já que a declaração do Departamento de Estado observou que o adiamento da viagem de Blinken ocorreu após consultas ao Congresso.

"Isso sinaliza que a principal razão por trás da decisão dos EUA de adiar a viagem tem a ver com a pressão do Congresso", disse ele, observando que o governo do presidente Joe Biden provavelmente teria enfrentado críticas de legisladores republicanos.

Decisão de abater o balão

Dois pré-candidatos à presidência dos EUA em 2024, o ex-presidente Donald Trump e a ex-governadora da Carolina do Sul Nikki Haley, defenderam desde o começo que o balão fosse abatido. 

Inicialmente, o secretário americano da Defesa, Lloyd Austin, e autoridades militares de alto escalão descartaram abrir fogo contra o objeto. Aviões de combate chegaram a ser enviados para examinar de perto o balão, e caças a jato, incluindo F-22s, estariam prontos para abatê-lo, caso solicitado.

Em um primeiro momento, as autoridades divulgaram que chegaram à conclusão de que, se fosse abatido, o balão poderia colocar em perigo vidas em solo, visto que, mesmo que estivesse sobre uma área pouco povoada de Montana, seu tamanho criaria um campo de detritos grande o suficiente para colocar pessoas em risco.

Por fim, na tarde de 4 de fevereiro,  Austin afirmou que o balão havia sido abatido com dois aviões de combate sobre as águas, ao largo da costa da Carolina do Sul. 

"Na quarta-feira (01/02), o presidente Biden deu sua autorização para derrubar o balão de vigilância assim que a missão pudesse ser cumprida sem risco indevido para as vidas dos americanos que se encontram na trajetória do balão", diz comunicado do Departamento de Defesa dos EUA. 

Biden confirmou a jornalistas que havia dado a ordem, antes mesmo de a história vir a público. 

De acordo com a Defesa americana, foram desenvolvidas opções para abater o balão "de maneira segura" sobre a água e decidiu-se finalmente realizar a ação neste sábado, em coordenação com o governo canadense. 

"A ação deliberada e legal deste sábado demonstra que o presidente Biden e sua equipe de segurança nacional sempre colocarão a segurança do povo americano em primeiro lugar, enquanto respondem efetivamente à violação inaceitável de nossa soberania por parte da República Popular da China", finaliza o comunicado da Defesa.