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O que esperar do BNDES na nova gestão Lula

27 de dezembro de 2022

Economistas temem que, sob o comando de Aloizio Mercadante, banco estatal desencadeie um cenário de inflação e alta de juros. Mas há quem defenda nomeação e uma política de bem-estar social como saída para crise.

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Aloizio Mercadante
Mercadante foi nomeado por Lula para chefiar o BNDESFoto: Adriano Machado/REUTERS

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já anunciou alguns nomes que devem compor seu futuro governo, que se inicia em 1º de janeiro. Depois de designar o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda, Lula causou reação no mercado financeiro ao apontar o economista e político Aloizio Mercadante para comandar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O banco estatal teve um papel importante nas gestões federais petistas, sobretudo no segundo governo Lula e no primeiro mandato de Dilma Rousseff. No período, o BNDES injetou dinheiro na economia nacional, contendo os efeitos da crise mundial de 2008 e valorizando os chamados "campeões nacionais", um seleto grupo de grandes empresas que obtinham linhas de crédito subsidiado de forma facilitada, fortalecendo-se no mercado exterior e, ao menos em tese, alavancando a geração de empregos e o consumo nacional. 

O valor desembolsado pelo banco público saltou de 91 bilhões de reais em 2008 para o recorde histórico de 190 bilhões em 2013. Desde 2016, contudo, o papel do BNDES encolheu. No ano passado, o banco fechou com um volume de investimentos inferior a 65 bilhões de reais.

Entre especialistas, não há um consenso se a retomada desse mecanismo político-econômico daria certo no mundo dos anos 2020, principalmente em tempos de nova crise global e com o planeta ainda abalado pelos impactos da pandemia de covid-19.

Claramente buscando acalmar o mercado, em 21 de dezembro Mercadante apresentou nomes de sua futura equipe à imprensa e declarou que o projeto é por "um novo BNDES". "Não vamos trazer o BNDES do passado, estamos construindo o BNDES do futuro. Não tem espaço fiscal no orçamento e temos de buscar novas fontes de financiamento", afirmou, comentando que pretende buscar investimentos no exterior.

Nomeação política

Para o economista Antonio Carlos dos Santos, professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é preciso dar um voto de confiança a Mercadante, "doutor em Economia pela Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] e, portanto, com uma certa visão sobre desenvolvimento econômico" além de seu histórico como político petista. "As pessoas o criticam por falta de habilidade, mas acredito que ele tenha aprendido com os erros que foram cometidos [em governos anteriores]", ressalva.

Mas há temor pelo problema que pode vir adiante, e não é infundado. Se o BNDES assumir uma postura compatível com o projeto derivado do plano de governo de Lula e, ao que parece, preconizado por Mercadante, o resultado pode resultar em crise. Em outras palavras, o cenário atual dificulta uma política econômica baseada em crédito fácil e farto, praticado de forma subsidiada. 

O resultado pode ser a tal política parafiscal. "Geralmente a gente usa essa expressão para se referir aos gastos por partes dos bancos públicos com subsídios implícitos. Fundamentalmente, sempre que bancos públicos ampliam o crédito, ocorre a política parafiscal", explica Santos.

No Brasil de 2023, isso pode resultar em um aumento de preços. E, com a autonomia que lhe é inerente, o Banco Central acabaria aumentando ainda mais as taxas de juros — a Selic atual, com valor nominal de 13,75% ao ano, já é considerada alta. O resultado seria desastroso: inflação, perda de poder de compra, recessão.

Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, o economista Paulo Dutra comenta que não tem restrição, a priori, a nome algum para posto em órgão público. Mas lamenta que a escolha de Mercadante seja a partir da flexibilização da Lei das Estatais – que até então exigia de seus gestores nomeados a necessidade de 36 meses de desincompatibilização de cargos políticos. 

"Não pode acontecer uma intervenção política fugindo aos objetivos do BNDES, com derrubada de uma lei para colocar [no posto] pessoas que não conseguiram se eleger e tenham outros objetivos que não o das próprias estatais", argumenta.

Ex-deputado federal, ex-senador e ex-ministro de Estado no governo Dilma, Mercadante foi um dos elaboradores do plano da campanha de Lula em 2022. Ou seja, se não fosse a mudança na lei aprovada pelo Congresso, ele não poderia ser nomeado agora para cargos em estatais. 

Inflação e juros

Dutra vê o novo governo em uma encruzilhada. Se o BNDES agir no intuito "de criar incentivos para a retomada do crescimento ou desenvolvimento industrial do Brasil com um conjunto de políticas públicas incentivando o investimento privado", a economia seria bem-sucedida.

"Se o BNDES atuar somente como um grande financiador para diversos setores da economia, colocando uma grande quantidade de recursos públicos, aí, sim, eu posso entender como uma política parafiscal que vai contribuir para o aumento do gasto público e, consequentemente, pressionar ainda mais a inflação para cima e as taxas de juros futuras, o que iria de encontro, e não ao encontro, com o que se pretende fazer para estimular o desenvolvimento econômico", explica.

Professor na Fundação Escola de Sociologia de São Paulo e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), o cientista político e sociólogo Paulo Niccoli Ramirez concorda que a nomeação de Mercadante "é política, não técnica".

"Isso mostra bastante a intenção de Lula para seu mandato: o Mercadante tem uma posição mais intervencionista e isso gera, por parte do mercado, um certo temor, já que necessariamente vai provocar aumento nos gastos públicos", analisa. 

Ramirez acrescenta, contudo, que isso deve agradar "aos progressistas", porque significa um papel maior do Estado na "redução da desigualdade social". "O Estado vai se fazer desenvolvimentista, [assumindo] a ideia de que o Estado é o principal agente de desenvolvimento social e econômico", explica. "É isso que Lula está mostrando ao mercado. Mostrando que a alternativa para a recuperação da crise não é o neoliberalismo, mas sim uma política de bem-estar social."

Dutra diz esperar bom senso e não acreditar que a prática seja essa, dos financiamentos fartos e subsidiados por parte dos bancos públicos. Do contrário, defende ele, o resultado econômico não seria positivo. 

"Se o governo fizer uma política de expansão de crédito não adequada para o setor produtivo, como ocorreu no final do governo Dilma, haveria uma pressão de demanda", pontua. "Seria uma política fiscal expansionista que pressionaria os preços de bens e serviços e, consequentemente, a inflação, aumentando o déficit público, taxas de juros, e reduzindo a atratividade para a atividade produtiva." O interesse capitalista se resumiria, portanto, à especulação no mercado financeiro. 

"Seria uma política completamente desastrada, com completo descontrole dos preços, com aumento da taxa de juros que hoje já é irreal", completa o economista. 

Para o professor, tal hipótese faria com que os preços aumentassem e, numa tentativa de controlá-los, os reajustes dos juros seriam cada vez maiores. "Não há possibilidade de o governo fazer esse ajuste. Não seria o melhor cenário", diz. 

"Liberalismo das cavernas"

Ex-secretário de Economia do estado de São Paulo e professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o economista Luiz Gonzaga Belluzzo defende a nomeação de Mercadante.

Belluzzo, que já foi consultor de Lula, traça um paralelo com o ocorrido na Europa após a Segunda Guerra para justificar gastos estatais na recuperação de crises, e diz que não se pode "deixar que os desatinos das finanças" perturbem a recuperação econômica e os avanços sociais.

Ele afirma que em situações assim, é necessária a cooperação entre bancos, empresas e o Tesouro Nacional. "E o BNDES é visto como um protagonista importante nesse sistema, que é o sistema bancário que tem de ser articulado de modo a impulsionar a economia", afirma. 

"O capitalismo inventou essa forma de controle discricionário ou não monetário entre bancos públicos, bancos privados e o Banco Central, de modo que eu vejo com muita ironia a desconfiança das pessoas em relação a essa possibilidade [de investimentos públicos]", diz. "O Brasil abandonou há um tempo [o papel do BNDES], mas o desenvolvimento nacional foi construído nessa relação entre bancos públicos, privados e Banco Central, mais empenhados na questão do desenvolvimento e menos assustados com a inflação."

Para Belluzzo, a atual política econômica se preocupa em excesso com a inflação e isso "está prejudicando o desenvolvimento dos países". Colocar a necessidade de domar a inflação em primeiro lugar, segundo ele, é "o liberalismo das cavernas", algo "completamente inapropriado para uma situação como a que o Brasil está". 

"Podemos muito bem montar um fundo de estabilização, controlar os preços dos combustíveis, que são um insumo que perpassa toda a economia, e ao mesmo tempo ter uma política de crédito convencional", acredita ele.