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O plano de resgate de Joe Biden é bom para economia dos EUA?

Kristie Pladson
12 de março de 2021

Pacote de ajuda e estímulo contra as consequências da pandemia de covid-19 assinado pelo presidente dos EUA é generoso. Mas se receia que possa gerar taxas inflacionárias como os americanos não viam há décadas.

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Presidente americano, Joe Biden, assina documento
Pacote de resgate do governo Joe Biden totaliza US$ 1,9 trilhãoFoto: dpa/AP/picture alliance

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, assinou nesta quinta-feira (11/03) o plano de resgate para a pandemia de covid-19 anteriormente sancionado pelo Congresso, no valor de US$ 1,9 trilhão. Trata-se de um dos maiores pacotes de estímulo desde a Grande Depressão da década de 1920.

O decreto inclui, entre outros tópicos, fundos visando a reabertura das escolas, acelerar a produção e distribuição de vacinas e apoiar governos estaduais e municipais em dificuldades. Está também incluídos US$ 400 bilhões para o pagamento direto de US$ 1.400 à maioria dos americanos, e para medidas adicionais para famílias de baixa renda.

Os opositores do pacote, que incluem todos os congressistas republicanos, tacharam o plano de um "cavalo de Troia", usado pelos democratas para promover políticas partidárias sob o disfarce de auxílio contra as consequências da pandemia.

No entanto, os políticos republicanos não foram os únicos a levantar ressalvas. O próprio volume do pacote gera debates acalorados nos círculos econômicos e políticos sobre se ele não é grande demais para ser eficiente, e se não será uma fonte de inflação.

Incêndio na economia

Em fevereiro, o ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) Olivier Blanchard comentou a proposta do plano de resgate no Twitter: "Concordo que demais é melhor do que insuficiente, e devemos visar certo grau de superaquecimento [da economia]. A questão é: quanto. Excessivamente demais é tanto possível quanto danoso. Eu acho que esse pacote é excessivo." E concluiu: "Não seria superaquecer: seria iniciar um incêndio."

Na última década, a taxa de inflação americana só ocasionalmente excedeu a meta de 2%do sistema de bancos centrais nacionais, o Federal Reserve (Fed). Para quem nasceu depois de 1960, é difícil imaginar como seria um EUA devastado por preços ao consumidor fora de controle. Contudo, na década de 70 uma política monetária frouxa demais, a introdução de controles de salários e preços, e uma série de crises de energia impulsionaram a inflação à casa das dezenas e precipitaram o país numa dolorosa recessão.

"Há uma possibilidade real de que, dentro de um ano, estejamos nos defrontando com o problema de inflação incipiente mais sério que já encaramos nos últimos 40 anos", comentou em fevereiro o ex-secretário do Tesouro Larry Summers ao canal de notícias Bloomberg News.

Inflação desenfreada já é, por si só, suficientemente negativa. Além disso, porém, ela se autoperpetua: quanto mais consumidores tentam gastar seu dinheiro que se desvaloriza, mais rapidamente ele perde valor. Se isso ocorresse nos EUA, o Fed teria que intervir e intencionalmente prejudicar a economia, elevando as taxas de juros, com o fim de aumentar o desemprego e sustar o frenesi consumista da forma mais desagradável possível.

Dos males, o menor?

Então, será este pacote de estímulo um caso de devastar o futuro em nome do presente? Uma resposta muito difundida é: talvez. Pode ocorrer inflação, e um pacote de resgate tão generoso dificilmente teria sido aprovado nos anos 80, com os horrores da inflação ainda bem presentes na mente de todos.

Entretanto é 2021, e agora os horrores da pandemia são muito mais prementes. O governo Biden optou por enfrentar o problema de frente, e lidar com as consequências à medida que apareçam. Isso é confirmado pela configuração do pacote, que aborda problemas muito críticos, como despejos ou alimentar crianças que vivem na pobreza. E se a consequência for a inflação, talvez não seja o pior dos males.

Há décadas a inflação dos EUA tem se mantido teimosamente baixa, já que o Fed pode ajustar as taxas de juros federais para alcançar sua meta de 2%. Esse teto existe para encorajar a população a investir seu dinheiro, em vez de acumulá-lo, e para deixar ao banco central uma margem de ação em caso de crise econômica, subindo ou baixando os juros.

Desde 2019, o Fed tem lentamente reduzido os juros, numa tentativa de estimular a atividade econômica: com taxas entre 0% e 0,25%, e a inflação em 1,7% em fevereiro, o sistema se encontra basicamente sem opções no sentido de estimular a inflação.

Caso isso se mantenha no longo prazo, poderá ter impacto sobre decisões importantes dos cidadãos, como: em que termos negociar aumentos de seus salários, e que taxas de juros visar para seus investimentos. Por que pressionar por um salário maior, se a taxa inflacionária não é tão alta assim? Quanto mais essa situação se mantiver, menor a margem de referência para o Fed.

O lado bom da inflação

Um nível saudável de inflação também poderia trazer de volta um clima de investimentos mais estável. Os juros baixos têm impelido os investidores a empreendimentos cada vez mais especulativos, como a bitcoin e o digital daytrading, criticados por serem alienados da economia real. Agora, Washington está contraindo um volume significativo de novas dívidas a fim de financiar projetos concretos, o que poderá tornar os títulos de dívida novamente mais atraentes para os investidores.

E quanto ao risco de inflação excessiva, Biden e seus democratas parecem estar preferindo optar pelo demônio que conhecem do que pelo desconhecido. Enquanto a pandemia do coronavírus apresenta um desafio inusitado em praticamente todas as frentes, seja política, econômica ou de saúde pública, já houve inflação antes, e existem mecanismos, especialistas e teorias prontos para reagir, caso necessário.

E talvez nem seja: o presidente de Federal Reserve, Jerome Powell, declarou que conta com pressão ascendente sobre os preços nos próximos meses, mas nada duradouro, que exija ação do banco central. Outros especialistas concordam.

"A inflação chegará a níveis raramente vistos na última década, até quase 3% em meados de 2021", comentou Gregory Daco, economista-chefe da Oxford Economics, ao diário Wall Street Journal, "mas um superaquecimento descontrolado não é provável".

O panorama econômico da última década, caracterizado por crescimento arrastado, apesar das taxas de juros baixas, fez muitos especialistas repensarem o que se acreditava saber sobre política monetária. Portanto, embora o resultado talvez seja imprevisível, está claro que esta será uma lição para os manuais de economia,