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HistóriaAlemanha

O legado do judaísmo na Alemanha

Sabine Oelze
16 de junho de 2021

Muitos judeus viviam na Alemanha antes da era nazista. Eles influenciaram da literatura e da música ao movimento feminista, e seu legado cultural deve ser preservado, diz historiador.

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Foto simboliza judeus na Alemanha, com Portão de Brandemburgo e candelabro de oito velas
Em 2021, celebram-se os 1.700 anos de vida judaica na AlemanhaFoto: Gregor Fischer/dpa/picture-alliance

"Tsurikrufn" é uma palavra iídiche que significa "lembrar". Este é o nome de uma plataforma digital na internet que rememora personalidades judaico-alemãs que promoveram a Alemanha social, cultural ou artisticamente antes da chegada dos nazistas ao poder. Seus nomes e suas realizações têm sido muitas vezes esquecidos. No ano em que se celebram os 1.700 anos de vida judaica na Alemanha, vários museus e instituições culturais uniram forças para apresentar essas importantes personalidades judaico-alemãs. 

Muitos se referem a Moses Mendelssohn, o pioneiro filósofo judaico-alemão do Iluminismo. Um de seus descendentes, Julius H. Schoeps, está comprometido com a preservação da herança cultural judaico-alemã. Nascido em Djursholm, na Suécia, em 1942, o historiador e cientista político é o diretor-fundador do Centro de Estudos Judaicos Europeus Moses Mendelssohn da Universidade de Potsdam e presidente do conselho da Fundação Moses Mendelssohn.

Em entrevista à DW, Schoeps explica como este legado pode ser lembrado.

DW: Sr. Schoeps, o projeto digital "tsurikrufn.de" apresenta personalidades judaicas que moldaram a Alemanha até 1933. Músicos, jornalistas, médicos, cineastas, advogados. O que acha de um projeto desse tipo?

Julius H. Schoeps: Valorizo muito projetos assim, que tentam entender a história das relações entre alemães e judeus de uma forma mais concreta. E há muitas possibilidades: pode ser uma exposição, podem ser livros, ou mesmo um projeto digital.

O senhor está comprometido com a preservação do legado judaico-alemão. O que exatamente se entende por judaísmo alemão?

Sim, essa é a questão com a qual se tem que lidar. O que era o judaísmo alemão? Sempre argumento assim: o judaísmo alemão é parte integrante da cultura alemã até 1933. E quando você lida com esta questão, você chega a muitos níveis: literatura, música, política, questões sociais, e assim por diante. E trazer isso à mente é importante.

O senhor pode explicar o que caracterizou este judaísmo alemão?

Essa é uma pergunta muito difícil. O que distingue um judeu alemão de um alemão não judeu? Em geral, não há praticamente nenhuma diferença. Os judeus alemães se vestiam da mesma forma que os alemães, eles pensavam o mesmo, sentiam o mesmo. Eles falavam alemão. E é absolutamente necessário transmitir isso. Os judeus não eram corpos estranhos, no máximo entre os nacionalistas e nazistas.

Estes judeus alemães cultos que o senhor descreve se referem a seu ancestral, o filósofo Moses Mendelssohn, que considerava que lidar com a cultura contemporânea faz parte do judaísmo esclarecido?

Moses Mendelssohn é considerado o pai do judaísmo alemão. No final do século 18, começou este processo de integração e emancipação, o que teve um grande impacto sobre a população judaica no século 19. Sempre me ocupei bastante da questão dos movimentos democráticos no século 19, nos quais os judeus desempenharam um papel significativo. E isso durou até o final dos anos 1870, até o surgimento do antissemitismo nacionalista. Antissemitismo racial. E então começou o infortúnio.

Eles eram uma pequena elite culta? Por o que os judeus alemães se interessavam? Que autores eles liam?

Os judeus alemães eram muito assimilados. Eles admiravam Friedrich Schiller, admiravam Goethe e seguiam Heinrich Heine e Ludwig Börne. Não havia realmente muita diferença entre eles e a população não judia. Börne não desempenhou um papel tão importante para eles.

1.700 anos de vida judaica na Alemanha sob nova perspectiva

Num artigo de jornal, o senhor escreveu uma carta póstuma, por assim dizer, a Theodor Fontane, e nela gozou do fato de Fontane, em um poema por ocasião de seu 75º aniversário, ter elogiado os judeus alemães que apareceram, bem comportados. Enquanto a nobreza prussiana, que Fontane descreveu como de visão estreita, permaneceu afastada. Já havia uma certa abertura dos judeus alemães, algo especial para a época?

Fontane quis dizer que mais judeus do que nobres estavam interessados nele. E havia algo de verdade nisso, é claro. Esta classe média culta foi fortemente influenciada pelo pensamento e sentimento judeus.

Como eram exatamente esse pensamento e esse sentimento judeus?

Este pensamento e sentimento eram o que se seguia na Alemanha, mas ao mesmo tempo sempre se pensava em desenvolvimentos democráticos e progresso liberal. É claro que também havia conservadores, ou seja, judeus que optaram pelos partidos conservadores. Mas essa era a minoria. Portanto, eu diria que este judeu alemão estava à esquerda do centro.

Esta atitude foi algo especificamente alemã?

Este processo de integração foi algo especificamente alemão. Ele não existia sob esta forma em outros países.

Por que assumiu esta forma justamente na Alemanha?

Tem a ver com o idioma, com o fato de que o iídiche não estava tão distante do alto alemão. E isso, eu acho, desempenha um papel muito importante. Alguns judeus alemães renunciaram até mesmo ao seu nome judeu no decorrer deste processo de adaptação porque se sentiam tão enraizados na Alemanha.

Foto do projeto Tsurikrufn
Projeto Tsurikrufn relembra personalidades judaicas na Alemanha Foto: tsurikrufn.de

Era comum, por exemplo, que muitos judeus assumissem o nome Lessing, porque talvez antes se chamassem Lesser ou porque admiravam o poeta Gotthold Ephraim Lessing. Ou, por exemplo, uma vez encontrei uma lápide em um cemitério judeu em Berlim, onde o sobrenome era "Deutsch". Isto simplesmente mostra as raízes profundas dos judeus na área de língua cultural alemã.

Mas o antissemitismo também existiu no século 19...

Sim, ele vem com força no final dos anos 70 do século 19.

Em Berlim, salas de encontros culturais, chamadas "salons", também foram mantidas por judeus alemães. O salão de Rahel Varnhagen, por exemplo, era famoso, e muitas pessoas cultas cristãs também vinham ali. Por quanto tempo esses locais de encontro existiram? E o que havia de específico nesses salões?

Eles começaram no final do século 18 e continuaram até meados do século 19. Estes salões foram ponto de encontro de intelectuais, artistas, pintores, músicos judeus e não judeus. E muitos impulsos emanaram destes salões. O movimento feminista, ou seja, o movimento de emancipação das mulheres, também foi fortemente influenciado pelos judeus no século 19. Todos estes são desenvolvimentos que poucos conhecem hoje.

Havia também uma certa inveja dos não judeus em relação a esses mesmos judeus intelectuais bem-sucedidos?

As imagens dos judeus continuaram idênticas. Desde o início da Idade Média, os judeus têm sido retratados como usurários. Depois, no século 19, eram o industrial e capitalista ou o banqueiro. As imagens são sempre as mesmas, mas sempre tomam a forma da época, do respectivo século.

Os judeus alemães tinham uma concepção de si mesmos muito diferente da dos judeus que vivem hoje na Alemanha. Qual é a diferença?

De 1933 a 1945 aconteceu uma ruptura. O judaísmo alemão deixou de existir efetivamente com a era nazista e com o assassinato organizado em massa. Os judeus que vivem hoje na Alemanha vêm em sua maioria da Europa Oriental, da antiga União Soviética, da Polônia, da Romênia. Suas tradições culturais são bem diferentes das dos judeus alemães de antes de 1933, mas isso não significa que em algum momento não haverá um novo judaísmo alemão. Mas será um judaísmo muito diferente daquele que conhecemos de antes de 1933.

Um exercício de equilíbrio entre tradição e progresso

Como é que o interesse por este judaísmo alemão agora parece estar desvanecendo? Até mesmo em Israel têm havido discussões sobre o fechamento do Museu de Tefen, em Israel, onde foi mantido o legado cultural judaico alemão. Por que ninguém mais se interessa por isso? Ou isto é apenas uma impressão?

O verdadeiro problema é que não há mais um judaísmo alemão que possa cuidar desse legado. É por isso que eu defendo que é tarefa dos não judeus retomar esta herança. E é por isso que saúdo o fato de o governo alemão agora querer salvar o Museu Jeckes em Tefen. Agora ele deve ser transferido para a Universidade de Haifa. O cuidado com este patrimônio cultural é tarefa dos não judeus.

Como poderia ser esse cuidado? As celebrações pelos 1.700 anos do judaísmo na Alemanha são uma oportunidade adequada?

Claro. Durante as celebrações dos 1700 anos, este ano, os não judeus estão na verdade preocupados principalmente com a questão histórica.

Na Alemanha, existe o Museu Judaico em Berlim. Ele tem a tarefa de preservar a herança judaico-alemã? Ele cumpre esta tarefa?

Sim, mas não trata especificamente da herança cultural judaico-alemã, seu conceito é mais europeu. Gostaria de mencionar os museus menores em Halberstadt, em Frankfurt e em Munique, que cuidam da herança cultural judaico-alemã.