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O cotidiano por trás do Muro

Michael Hartlep (sv)2 de abril de 2015

A vida na RDA, a antiga Alemanha Oriental, tinha lados sombrios: estabelecimentos comerciais vazios, diretrizes impostas e o Muro de Berlim. O regime autoritário marcou a vida de milhões de pessoas, inclusive da vó Pia.

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Foto: picture-alliance/dpa

Por que a República Democrática Alemã (RDA) construiu o Muro de Berlim e como as pessoas reagiram a isso?

Na manhã do dia 13 de agosto de 1961, as pessoas em Berlim não acreditavam no que viam. Ao longo da fronteira que dividia a cidade em entre as zonas de ocupação, soldados da RDA instalavam cercas elétricas nas ruas, enquanto operários da construção civil fortaleciam as cercas com pilares e concreto. Dentro de poucos dias, os caminhos rumo ao oeste do país estariam fechados. Famílias foram separadas, e a Alemanha passou a ser um país dividido.

A fronteira também separou vó Pia de sua amiga Freda, que morava em Berlim. Naquele verão, vó Pia não tinha ideia de que jamais veria a amiga de novo. Com a construção do muro, o governo da RDA tentou evitar a derrocada do Estado, cujos habitantes, sobretudo os mais jovens e melhor qualificados, tinham começado a fugir do autoritarismo vigente. Esse foi o caso, por exemplo, da tia Annerose, que fugiu de trem em 1957, partindo de Leipzig rumo a Hannover.

"Somente a construção do Muro conseguiu impedir a derrocada completa", diz o historiador Ilko-Sascha Kowalczuk, do Departamento de Documentação sobre a Stasi, responsável por pesquisas sobre a ditadura da RDA. Quem queria fugir para a Alemanha Ocidental depois de 1961 corria risco de ser morto a tiros pelos soldados que patrulhavam as fronteiras, sendo rotulado de "fugitivo da República".

Policiais da RDA vigiando o Muro de Berlim a fim de evitar fugas
Policiais da RDA vigiando o Muro de Berlim a fim de evitar fugasFoto: picture-alliance/dpa

A RDA se transformava numa enorme prisão, e a Alemanha Ocidental, no lugar para onde todos queriam ir. Milhares de habitantes alemães-orientais tentavam chegar ao lado ocidental através de túneis cavados com as própria mãos, por vias aquáticas, usando colchões de ar, ou até mesmo por via aérea, em balões.

"Depois da construção do Muro, as pessoas mudaram seu comportamento e foram aprendendo novas estratégias", diz Kowalczuk. Morria a última esperança, enquanto o anticomunismo aberto diminuía, e a situação se estabilizava. Também para vó Pia, a Alemanha Ocidental era inalcançável. Somente em 1988, quando ela se aposentou, é que teve permissão para viajar até o outro lado. Mas, naquele momento, sua amiga Freda já estava morta.

Como e por que os filhos de pais com curso superior eram desfavorecidos?

A vida na RDA funcionava de acordo com leis próprias. No "Estado dos Operários e Agricultores", só podia frequentar uma universidade quem tivesse a origem adequada. E essa "origem adequada", no caso, era ser filho de pais operários. A RDA pretendia, assim, romper barreiras educativas e criar uma nova elite.

Para a família de vó Pia, a nova regra era desvantajosa. Pois o marido de vó Pia, Hans-Günther, era médico, pertencendo, assim, à chamada "inteligência" do país. Isso fez com que suas filhas Barbara, Uschi e Christiane não pudessem cursar uma universidade. As gêmeas queriam ser médicas, mas, na condição de filhas de pais com curso superior, isso não era possível.

"A política educacional ganhava contornos absurdos'', afirma Kowalczuk. "Nos anos 1980, muito menos filhos de operários estudavam na RDA do que na Alemanha Ocidental, pois os operários agoram também tinham formação superior na RDA".

Família Höhn: antepassados com curso superior era motivo para impedir novas gerações de frequentar universidade
Família Höhn: antepassados com curso superior era motivo para impedir novas gerações de frequentar universidadeFoto: privat

Como as pessoas lidavam com as restrições?

A grande maioria lidava de forma pragmática com a situação, às vezes aderindo às marchas patrióticas, às vezes se rebelando, duvidando e mantendo esperanças ao mesmo tempo. Foi o caso de vó Pia, que acabou se virando diante das condições muitas vezes adversas, tentando extrair o melhor da situação.

Segundo Kowalczuk, essa era uma estratégia compreensível. "Uma ditadura sobrevive graças à indiferença das pessoas, ao hábito de fingir que não vê, porque as pessoas têm medo de serem as próximas a serem afetadas", diz o historiador.

A resistência radical vinha mais das pessoas jovens e descompromissadas. "Quando você tem filhos, você vê o mundo de maneira muito diferente", aponta Kowalczuk. "Aí você precisa pensar muito bem até onde vai", completa ele. E o perigo era real: membros da oposição na RDA eram perseguidos pela Stasi, o serviço secreto da Alemanha Oriental, além de serem desfavorecidos na vida profissional ou até condenados à prisão.

Para a maioria das pessoas, ajustar-se ao sistema era, por isso, a única opção. Ou seja, as pessoas sabiam o que poderia ser dito em público, na escola ou no trabalho, e o que só poderiam falar em casa, entre quatro paredes. Muita gente, como vó Pia, acabava buscando a felicidade na vida privada: numa pequena casa de campo ou nas férias na costa do Mar Báltico.