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O 11 de setembro marcou o início do fim da ETA

Andreu Jerez (gh)6 de setembro de 2006

O avanço do terrorismo internacional islâmico levou a organização terrorista basca a rever sua estratégia. O 11 de março de 2004 selou este processo.

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Protesto contra a ETA em Madri em 12 de março de 2004Foto: dpa

Quando em 11 de setembro de 2001 as torres gêmeas de Nova York vieram abaixo, algo mudou na Espanha. Desde então, sua realidade política não ficou alheia ao maior ataque terrorista da história, considerado o verdadeiro início do século 21.

De certa forma, o avanço do terrorismo internacional marcou o que parece ter sido o início do fim do próprio terrorismo interno espanhol: o da organização terrorista basca ETA (Pátria Basca e Liberdade).

Bush e Aznar: aliança transatlântica

Blair Bush und Aznar auf den Azoren
Blair, Bush, Aznar nos Açores em 6 de março de 2003: 'tríplice aliança' contra o terrorismoFoto: AP

Após o ataque da Al Qaeda ao coração financeiro dos Estados Unidos, Bush iniciou uma guerra contra o terrorismo. Uma de suas principais metas foi o de querer combater os terroristas fora das fronteiras estadunidenses. Não obstante, Bush não poderia levar a cabo sua cruzada sem apoios no Ocidente, se não quisesse perder a suposta legitimidade de sua guerra global contra o terrorismo.

Além de contar com o respaldo do sempre fiel Tony Blair, o presidente norte-americano encontrou no então presidente espanhol, o conservador José María Aznar, outro firme companheiro de viagem. A célebre foto dos Açores selou publicamente essa tríplice aliança contra o terrorismo internacional.

O apoio incondicional de Aznar teve suas contrapartidas. O presidente espanhol recebeu o apoio de Washington em sua luta contra a ETA, através de diversas medidas: a Secretaria de Estado norte-americana incluiu uma série de destacados integrantes da organização terrorista basca em sua lista negra de terroristas internacionais, ajudou a fechar o cerco financeiro à ETA e incrementou a cooperação internacional para perseguir os membros da organização nos países em que se haviam refugiado (atualmente, por exemplo, há uns 150 membros da ETA em prisões francesas).

Definitivamente, Aznar conseguira integrar sua luta encarniçada contra o grupo terrorista basco na cruzada global que estava sendo levada a cabo por seu aliado estreito George W. Bush.

11 de março foi o "11 de setembro espanhol"

Protest in Madrid
Centenas de milhares de pessoas protestam contra o terror em Madri em 12 de março de 2004Foto: AP

Três anos após o terrível atentado às torres gêmeas, a Espanha sentiu na própria pele a crueldade do terrorismo internacional islâmico: em 11 de março de 2004, uma série de ataques simultâneos a trens em Madri deixou quase 200 mortos e centenas de feridos.

O atentado ocorreu a três dias das eleições gerais, em que as pesquisas de opinião apontavam uma clara vitória do PP (Partido Popular) e de Mariano Rajoy, sucessor previsto por Aznar. O apoio inequívoco deste último à guerra no Iraque e à estratégia global de Bush teve suas conseqüências dentro da própria Espanha.

Contrariando todos os prognósticos, o PP perdeu as eleições de 14 de março: 1,4 milhão de pessoas se mobilizaram para votar na oposição socialista, encabeçada pelo atual presidente José Luis Rodríguez Zapatero, e outras 700 mil mudaram seu voto.

À pergunta por que a sociedade espanhola não reagiu como a norte-americana depois do 11 de setembro (imediatamente após o ataque a Nova York, 94% dos estadunidenses apoiaram Bush e sua maneira de administrar a crise, e o reelegeram em novembro de 2004), Peter Waldmann, professor de Sociologia da Universidade de Augsburg, responde: "A Espanha certamente é um dos países ocidentais com mais experiência com o fenômeno do terrorismo. Por isso, a opinião pública tem uma postura bastante diferenciada sobre os possíveis sucessos, mas também sobre os limites de uma política mão de ferro. Conseqüentemente, a Espanha foge à regra de que a crise provocada por um ataque terrorista favorece os políticos de linha dura, como Bush, Sharon, Putin ou o próprio Aznar".

Clique aqui para continuar lendo: por que a ETA não pode continuar apostando na violência

11 de março: espelho da ETA

ETA Demonstration in Baskenland
Enterro de um suposto integrante da ETA em 23 de março de 1999 no País BascoFoto: AP

Mas as conseqüências do 11 de março foram além da derrubada do PP do poder: a sociedade espanhola, em especial a basca, rechaçou de forma unânime o ataque terrorista de Madri.

Pouco depois dos brutais atentados, o próprio Arnaldo Otegi, porta-voz de Batasuna (braço político da ETA), manifestou seu "mais absoluto repúdio" ao "massacre" e, ao contrário do que insinuara inicialmente o governo de Aznar, negou veementemente que a ETA estivesse por trás do atentado.

"O 11 de março teve um efeito psicológico sobre a ETA e a esquerda separatista: o atentado de Madri foi o espelho do que poderia ocorrer se a organização terrorista cometesse um ataque tão indiscriminado. A sociedade basca mostrou um repúdio unânime e inequívoco aos atentados de Madri", afirma Paul Ríos, coordenador e porta-voz do Lokarri, um movimento civil que busca a paz e reconciliação no País Basco.

"Se a ETA cometesse um ato desses, cairia ainda mais no isolamento do que já estava. Definitivamente, o 11 de março acelerou a revisão da estratégia que a ETA e seu entorno haviam adotado até aquele momento para conseguir seus objetivos políticos."

O jornalista Gorka Landaburu, diretor do semanário Cambio 16 e vítima um atentado da ETA, concorda com a tese de Lokarri: "É inegável que o 11 de março acelerou um debate interno da ETA sobre o uso da violência para fins políticos: isso, aliado ao repúdio da própria sociedade basca e espanhola, à pressão policial e à colaboração internacional, acabou levando a ETA e seu mundo ao caminho do fim da violência".

Processo irreversível?

Spanien ETA erklärt Waffenruhe
Cúpula do movimento separatista basco anuncia cessar-fogo em 22 de março de 2006Foto: AP

O quinto aniversário do 11 de setembro coincide na Espanha com o processo de paz iniciado no último mês de março, após o anúncio de "cessar-fogo permanente" da ETA. No final de junho, o presidente espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, anunciou o início das conversações com o grupo terrorista, o que foi o segundo grande passo no processo de paz encaminhado para solucionar o chamado "conflito basco".

São muitas as vozes na Espanha que falam da suposta irreversibilidade do processo de paz. Ainda que não descarte um recuo, Landaburu mostra-se convicto das possibilidades de êxito deste processo: "A rota já está traçada e a ETA não tem outra saída. Se quiser continuar defendendo o que defende, terá de fazê-lo a partir das instituições democráticas e com respeito ao adversário. Zapatero lhe ofereceu uma pista de aterrissagem e, se não a aproveitar, seu final poderá ser desastroso".