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O árduo caminho do Reino Unido rumo ao Brexit

Samira Shackle, de Londres
29 de março de 2017

Com sociedade e políticos divididos, país invoca Artigo 50 para deixar a UE. Para analistas, negociações sobre saída devem ter complexidade semelhante à do Tratado de Versalhes e afetar o equilíbrio de poder na Europa.

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Bandeiras da UE e do Reino Unido diante do Big Ben
Artigo 50 prevê dois anos de negociações entre UE e Reino UnidoFoto: Reuters/N. Hall

O referendo sobre o Brexit em junho passado criou divisões profundas na sociedade britânica, que estão em evidência até hoje. Grande parte da imprensa, que há anos se opunha à União Europeia (UE), celebrou o início oficial das negociações do Reino Unido com o bloco europeu nesta quarta-feira (29/03).

A manchete do jornal Daily Mail, por exemplo, dizia simplesmente "Liberdade" em letras garrafais. Mas nem todos compartilham desse sentimento.

Leia mais: Os próximos passos do Brexit 

"Eu sinto como se estivesse assistindo meu país mergulhar no abismo", afirma Louise Jones, eleitora de Londres que votou contra o Brexit. "Ninguém sabe o que vai acontecer, ou mesmo se as negociações vão dar certo."

Para ela, o Brexit resultará, provavelmente, num grande golpe econômico e, possivelmente, no colapso do próprio Reino Unido. "Eu acho que a opinião pública irá mudar quando começar a sentir os efeitos – o aumento do custo de vida, as férias mais caras, somente para citar alguns."

Uma pesquisa realizada pelo instituto YouGov, divulgada antes da histórica invocação do Artigo 50 nesta quarta-feira, aponta que a maioria dos britânicos (69%), incluindo os que votaram contra o Brexit, apoia atualmente a continuação do processo de saída da União Europeia.

No entanto, a maioria acredita também que o Reino Unido pode manter o acesso ao mercado único enquanto controla a imigração, apesar dos alertas consistentes de altos líderes europeus de que as duas coisas são incompatíveis.

Futuro incerto

Antes do Reino Unido, nenhum país deixou a União Europeia, e as orientações para fazê-lo são sucintas. O Artigo 50 prevê dois anos de negociações, tempo que a maioria dos especialistas concorda que não é suficiente.

"Os dois lados estão a uma distância considerável dado o curto tempo que têm para convergir – sobre a saída, o acesso ao mercado único e os direitos de cidadãos europeus", afirma Matthew Cole, professor de história da Universidade de Birmingham.

Theresa May, primeira-ministra do Reino Unido
Com invocação do Artigo 50, May enfrentará um nova série de desafiosFoto: Reuters

Ele destaca, ainda, que o prazo de dois anos foi concebido por pessoas que jamais previram que ele teria que ser seguido. "O Artigo 50 não foi feito com a expectativa de ser usado por um grande Estado-membro como o Reino Unido em um futuro próximo. Por isso, não é surpreendente que ele não seja totalmente realista."

Recentemente, União Europeia e Canadá precisaram de sete anos para fechar um acordo comercial numa negociação muito mais simples. No momento, até mesmo a sequência das negociações está em debate: não está claro se a UE vai discutir termos de um futuro acordo juntamente com os "termos do divórcio", como o Reino Unido quer; ou esperará para definir os termos de saída antes de discutir o futuro.

As questões imediatas a serem discutidas incluem o dinheiro que o Reino Unido deve à União Europeia, e odestino dos cidadãos do bloco europeu no país, assim como o dos britânicos na UE.

"Tenho medo do que o futuro reserva para mim. Construí uma vida no país ao longo de sete anos, e não sei se terei permissão de ficar", diz Marie Bernard, cidadã francesa que vive em Londres. "É um momento assustador. Eu e os demais três milhões de europeus no Reino Unido gostaríamos de alguma clareza o mais rápido possível."

Agora que o Brexit passou do campo teórico para o prático, a primeira-ministra Theresa May enfrenta uma nova série de desafios. "Até agora, tem sido relativamente fácil para ela. Tudo o que ela realmente tinha que fazer era manter seu próprio partido e os meios de comunicação no Reino Unido felizes", opina Oliver Patel, pesquisador do Instituto Europeu da University College London.

Ele aponta que agora May está oficialmente negociando com 27 outros países que têm seus próprios interesses, prioridades e limitações. "Os desafios consistem em fazer concessões e compromissos com a União Europeia, e também vendê-los às pessoas ao voltar para casa."

Reino desunido

A incerteza sobre o futuro não se restringe às negociações com Bruxelas. No Reino Unido, a Escócia está fazendo lobby para um segundo referendo sobre sua independência.

Ao mesmo tempo, há um ponto de interrogação sobre o que vai acontecer na fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda. A situação está em aberto devido ao Tratado de Belfast, também conhecido como Acordo da Sexta-Feira Santa, mas pode ter que ser reinstituído se as duas nações tiverem regimes aduaneiros diferentes.

"Dois dos países do Reino Unido estão em posições muito desafiadoras quanto à sua relação com o centro", frisou Patel. "Isso acontece ao mesmo tempo em que as negociações do Brexit começam, provavelmente a questão mais desafiadora e complexa para o país em décadas. Isso mina a noção de um estado britânico estável."

Alguns observadores no Reino Unido questionaram o timing da invocação do Artigo 50, num momento em que duas grandes potências europeias – França e Alemanha – estão voltadas para suas próprias eleições nacionais, reduzindo ainda mais o tempo de negociação.

No entanto, todos estão de acordo quanto à escala e complexidade da tarefa à frente. "Assim como o Tratado de Versalhes, isso se classifica como uma negociação que afeta não somente o Reino Unido, mas o equilíbrio de poder na Europa, a natureza e o futuro da União Europeia", diz Cole.

"A primeira-ministra também lidará com potenciais desafios em casa, na Escócia e na Irlanda do Norte. Ela impôs a si mesma uma tarefa maior do que de qualquer outro primeiro-ministro desde a Segunda Guerra Mundial. É um objetivo ambicioso", completa.