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"No Brasil, proteção ambiental ainda é vista como custo"

31 de maio de 2017

Para pesquisador, propostas que alteram limites de floresta e parque no Pará, a serem aprovadas por Temer, ameaçam cumprimento de metas de controle de desmatamento assumidas perante a comunidade internacional.

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Patrulha no Parque Nacional de Jamanxim, no oeste do ParáFoto: Reuters

Nos próximos 15 dias, o presidente Michel Temer terá que decidir se as Medidas Provisórias 756/2016 e 758/2016, ambas aprovadas pelo Congresso, viram lei. Elas alteram os limites da Floresta Nacional de Jamanxim e do Parque Nacional de Jamanxim, no oeste do Pará.

Organizações como o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) pedem o veto do presidente. Para a entidade, as propostas ameaçam a integridade da floresta e o cumprimento de metas de controle de desmatamento assumidas perante a comunidade internacional.

Segundo o Ipam, a Floresta Nacional do Jamaxim, principal unidade de conservação afetada pela decisão do Congresso, perderá 486 mil hectares. A desafetação dessa área seria uma vitória da grilagem: o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade calcula que 67,7% dos ocupantes entraram pouco antes ou logo após a unidade de conservação ser criada.

"Cortar esse pedaço da reserva para comportá-los é legitimar a ilegalidade ou, melhor dizendo, a grilagem", critica Paulo Moutinho, pesquisador do Ipam, em entrevista à DW.

DW: Qual a mensagem o governo brasileiro transmite com essas medidas?

Paulo Moutinho: Falta de seriedade quanto aos compromissos assumidos perante aos brasileiros e a comunidade internacional. Um país que, de forma corajosa, assumiu reduções expressivas de emissões nacionais de gases de efeito estufa e, em especial, prometendo acabar com o desmatamento ilegal até 2030, passa agora duas MPs que legalizam a grilagem e que podem resultar em um aumento expressivo do desmatamento nos próximos anos. O Ipam estima que cerca de 160 milhões de toneladas de CO2 serão emitidos por estas MPs até 2030. Algo próximo ao que o país emite em um ano inteiro pelo seu setor industrial.

Áreas protegidas são criadas para cumprirem uma função - conservação da biodiversidade, conter avanço do desmatamento, etc. Na visão do Ipam, o que leva o governo a abolir essas áreas nesse momento?

Podemos adicionar às listas de funções das áreas protegidas aquela de manter o regime de chuvas funcionando. Algo que é fundamental inclusive para o agronegócio. Sem florestas, sem chuvas regulares, não há produtividade no campo. Mas o governo não parece atentar para este e outros benefícios de se manter florestas de pé. Parece ceder ao argumento, falacioso, de que o país precisa de mais áreas de produção agrícola no futuro e que manter florestas conservadas não resulta em crescimento econômico. Eles se esquecem que a região já tem mais de 15 milhões de hectares de áreas abertas e subutilizadas. Áreas que serviriam para expandir a agricultura.

Além disso, florestas protegidas são barreiras ao avanço da infraestrutura e à especulação com terras. Enquanto não houver uma visão mais ampla do que representa para o país e os brasileiros manter um clima saudável e um meio ambiente minimamente integro, continuaremos a ver vida sendo objeto de barganha político e interesses setoriais e não nacionais.

As taxas de desmatamento aumentaram, inclusive na Floresta Atlântica. Vocês acreditam que esse fato se deve a falhas nas políticas de combate ou a uma ação coordenada de quem tenta lucrar com o enfraquecimento da proteção ambiental?

Proteção ambiental, infelizmente é visto ainda como custo para o país e para os chamados setores privados – e não como investimento ou, pelo menos, controle de risco. É o que explica o movimento que quer flexibilizar os procedimentos do licenciamento ambiental. Parte-se do principio de que quanto mais "burocracia” ambiental puder ser removida, melhor. Certamente há muita burocracia, mas há muitas salvaguardas importantes e procedimentos de proteção que precisam ser seguidos. No final do dia, o que se quer é desmantelar o licenciamento ambiental em prol do "progresso”. E de um modo totalmente esquizofrênico.

O próprio Ministério de Meio Ambiente foi, aparentemente, traído em sua proposição de um novo licenciamento, quando os ditos aliados do governo no Congresso mutilaram, sem aviso prévio, a proposta que o ministério vinha construindo com a participação de vários entes.

É temerário, num momento de fragilidade do governo, que várias conquistas da sociedade na proteção ambiental estejam sendo objeto de negociação.

Como as medidas provisórias votadas ameaçam os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris e outros acordos internacionais?

Não fizemos o cálculo ainda. Mas, os prejuízos serão expressivos. Especialmente porque essas MPs representam um caminho para a legalização futura de desmatamento ilegal. Elas dão o sinal governamental de que a invasão de áreas protegidas pode ser realizada que o poder publico depois vai dar um jeito na situação. É a receita para uma nova onda de grilagem.

Com esse cenário, o Brasil deve perder a relevância nas negociações climáticas que ganhou nos últimos anos?

Está em risco de perder não apenas a relevância, mas a legitimidade conseguida a duras penas nos últimos dez anos. O país demonstrou, por exemplo, que é capaz de ter governança sobre o desmatamento na Amazônia.

A destruição da floresta caiu 80% de 2005 para cá. Foi o país que mais contribuiu com reduções efetivas de emissões. Algo equivalente a todo o ETS europeu, o qual envolveu vários países.

O desmatamento agora aumentou em 30%. As MPs devem dar uma força nesta tendência. Qual a explicação para os brasileiros e para o mundo que o Brasil dará eu ainda não sei, mas será algo bem difícil de engolir.