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Museu Britânico traz raro olhar sobre Alemanha dividida

Ellen Otzen (ca)7 de fevereiro de 2014

Por muito tempo, britânicos ignoraram artistas alemães do pós-guerra. Agora, museu londrino recupera tempo perdido com uma grande exposição de obras que encaram criticamente o período do Muro de Berlim.

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Aquarela sem título de Sigmar Polke, 1969Foto: Polke/DACS 2013

Ralf Winkler tinha 29 anos quando, em 1968, decidiu mudar de nome. Pintor, ele temia as autoridades da antiga Alemanha Oriental devido às suas atividades no Ocidente e suas críticas ao regime. Passou a se chamar AR Penck, uma homenagem ao geólogo Albrecht Penck, que viveu no século 19 e pesquisava sobre a era glacial.

A escolha não foi aleatória. Winkler sentia estar vivendo num período gélido, isolado de seus companheiros no Ocidente. Ele se dizia destinado a criar uma arte em conformidade com o Realismo Socialista da Alemanha Oriental.

Na pintura Descongele por mais tempo, o pintor Jörg Immendorf viria mais tarde a retratar seu amigo Penck. Na imagem, o jovem bate descontroladamente num conjunto de tambores, numa ação furiosa para derreter o gelo que o cercava.

Olhar critico sobre o passado da Alemanha

A partir desta sexta-feira (07/02), estará aberta ao público a exposição Germany Divided: Baselitz and his Generation (A Alemanha dividida: Baselitz e a sua geração), com trabalhos de seis importantes artistas alemães das décadas de 1960 e 1970. A exposição poderá ser vista no Museu Britânico até o dia 31 de agosto de 2014.

A exposição ilustra por que Penck estava tão frustrado em viver num país dividido. Havia algo novo e extraordinário acontecendo na arte alemã daquele período. Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra, uma jovem geração de artistas, que não havia se envolvido no Terceiro Reich, lançava um olhar duro e crítico sobre o passado recente e atribulado da Alemanha.

A mostra inclui desenhos, aquarelas, guaches e gravuras de Georg Baselitz, Gerhard Richter, Sigmar Polke, AR Penck, Blinky Palermo e Markus Lüpertz. Os trabalhos foram emprestados da coleção do conde Christian Dürckheim, um empresário que fez amizade com Baselitz em meados da década de 1970.

Ausstellung deutsche Maler British Museum London Großbritannien Georg Baselitz
Autorretrato de AR Penck, 1975Foto: A.R. Penck/DACS 2013

Dürckheim teve a inteligência de colecionar trabalhos de Baselitz e seus contemporâneos antes de eles se tornarem famosos, e conseguiu comprá-los a um bom preço. Todos os seis artistas nasceram na antiga Alemanha Oriental e emigraram para o Ocidente em diferentes momentos.

A maioria deles veio antes de as fronteiras terem sido fechadas em 1961. Penck cruzou a fronteira depois que sua situação ficou insustentável, e as autoridades alemãs orientais lhe deram autorização de sair do país.

Reunificação parecia inconcebível

"Quando estes trabalhos foram executados em plena Guerra Fria, para todos, parecia que a situação iria durar por gerações – um pouco como Coreia do Norte e do Sul", disse o curador da exposição Stephen Coppell. "A ideia de que as duas metades pudessem ser reunidas novamente parecia totalmente inconcebível."

Algo comum a todos os artistas em exibição é o fato de que seu trabalho, de uma forma ou de outra, é sobre a história alemã, disse à Deutsche Welle o crítico de arte John-Paul Stonard, que redigiu o catálogo da mostra.

Por exemplo, as gravuras de Markus Lupertz mostram capacetes alemães e usam o imaginário nazista como forma de forçar o espectador a pensar sobre os horrores do passado de seu país.

Ausstellung deutsche Maler British Museum London Großbritannien Georg Baselitz
'Um novo tipo', George Baselitz, 1965Foto: Georg Baselitz

"Antes da guerra, era muito mais importante ter uma presença internacional e fazer parte de uma esfera mais ampla, como o movimento Bauhaus. Depois da guerra, tudo o que se deveria evitar na Alemanha em 1960 era ser alemão. Havia essa ideia de que essa tradição havia sido corrompida", declarou o crítico de arte.

Apostando na tradição

Mas Baselitz – junto a Richter, talvez o mais conhecido internacionalmente entre os seis – foi bastante influenciado por exemplos mais antigos da arte alemã.

"Baselitz queria criar uma vanguarda artística provocadora em meio a essa terrível situação de pós-guerra", explicou Stonard. "Ele sentiu que uma forma de fazê-lo era simplesmente ser superalemão, tornar-se ultra-alemão. Ele olha para trás e observa as técnicas tradicionais e xilogravuras. As suas gravuras mostram lenhadores, caçadores, pastores, soldados – ícones na história germânica."

Em exposição também estão gravuras extraordinárias da série Heróis, de Baselitz, mostrando uma única figura de soldado com aparência derrotada numa paisagem maltratada do pós-guerra, com os pés frequentemente presos em armadilhas de animais. A série Heróis tornou-se o grande momento de Baselitz, algo a que ele constantemente se referia em sua carreira posterior.

Rivais do futebol à tela

Enquanto os trabalhos de Baselitz e Richter se tornaram icônicos e altamente influentes, o público britânico não teve muita abertura para a arte alemã daquela época. Então por que esses seis artistas foram largamente ignorados no Reino Unido, enquanto tinham sucesso internacional?

"No Reino Unido, houve uma longa resistência à arte alemã. Isso remonta à obsessão britânica por Cézanne e pela arte francesa do início do século 20. A Alemanha era vista como algo torturado, feio, por demais cerebral, por demais intelectual", disse Stonard. "Essa resistência também tem um elemento político", acresceu o crítico. "Travamos duas guerras mundiais e perdemos várias Copas do Mundo para os alemães. Havia simplesmente uma resistência cultural frente à Alemanha."

Ausstellung deutscher Maler im British Museum in London 2014
Desenho a carvão sem título, George Baselitz, 1965Foto: Georg Baselitz

Mas tais atitudes parecem finalmente estar mudando no Reino Unido. O ano de 2014 marca o centenário da Primeira Guerra Mundial e 25 anos da queda do Muro de Berlim. Não existe um festival oficial de arte alemã, mas a Galeria Whitechapel está mostrando uma retrospectiva da artista dadaísta berlinense Hannah Höch, e existem muitas exposições planejadas de Baselitz.

"Tudo está acontecendo extraoficialmente, o que é muito melhor", comentou Stonard. "Seria muito raro encontrar uma pessoa jovem no Reino Unido atualmente dizendo: 'os alemães não sabem fazer arte.' Mesmo assim, há uma lacuna de conhecimento por aqui – e uma importante história a contar."