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Militância estudantil à moda alemã

Fernando Scheller1 de agosto de 2005

O sistema de representação estudantil na Alemanha é bem organizado e multilateral – a ênfase está nas atividades político-econômicas e culturais.

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Manter a gratuidade do ensino público é uma das prioridadesFoto: AP

Os brasileiros que vierem estudar na Alemanha no próximo semestre terão uma surpresa em janeiro, quando as universidades do país entram em clima de eleição. A exemplo do que ocorre nos níveis federal e estadual do governo, as instituições de ensino superior também têm seu parlamento.

Estudantes envolvidos na discussão dos direitos dos universitários candidatam-se às vagas do "congresso" e saem atrás de votos pela Alemanha. Na busca pela vitória, valem todas as tradicionais estratégias de boca de urna: santinho, corpo a corpo e alto-falante.

Como o voto nas universidades, a exemplo do que ocorre em todas as instâncias políticas alemãs, não é obrigatório, a briga dos estudantes politicamente engajados é também para garantir o comparecimento de 25% dos alunos às urnas.

O motivo é simples: a verba para o parlamento e a organização de órgãos culturais e de apoio (financeiro, psicológico e de moradia, por exemplo) aos universitários está vinculada ao reconhecimento formal da importância do movimento nas universidades. Se menos de um quarto dos estudantes votarem, o orçamento recebe um corte superior a 50%.

Em Kassel, mais de 36% votaram

Após semanas de campanha de convencimento, a Universidade de Kassel conseguiu cumprir seu objetivo: 36,7% de seus mais de 15 mil alunos compareceram às urnas nas últimas eleições. Embora apenas 25 pessoas sejam elevadas à condição de "parlamentares estudantis", cerca de 200 estudantes estão diretamente envolvidos no movimento estudantil em Kassel.

Na maioria das vezes trabalhando de graça, esses alunos atuam nos conselhos autônomos – que discutem os direitos dos estudantes estrangeiros, gays ou portadores de deficiência, por exemplo – ou como representantes dos 15 departamentos de ensino.

Studenten im Hörsaal, Universität
Aula de ciências econômicas na Universidade de KasselFoto: AP

O parlamento estudantil costuma administrar uma verba considerável. No caso da Universidade de Kassel – que não está entre as maiores da Alemanha –, o orçamento anual é de mais de 400 mil euros. A valor é obtido com a realização periódica de eventos – como festas de início de semestre – e com o pagamento semestral de taxas pelos estudantes.

Embora o estudo na Alemanha seja considerado gratuito, os alunos pagam entre 100 e 200 euros semestrais para o sistema de transporte coletivo e o Studentenwerk (entidade oficial que organiza moradia e dá orientação sobre o sistema universitário aos recém-chegados). Parte desse dinheiro é revertido ao movimento estudantil: em Kassel, são 7 euros por aluno a cada semestre.

Luta contra fim do ensino gratuito

Descontado o salário dos “deputados”, a verba é usada para a realização de eventos culturais, políticos e econômicos. Nos últimos anos, a principal bandeira levantada pelos Asta – Allgemeiner Studierenden-Ausschuss, ou Comitê Geral de Estudantes, órgão "guarda-chuva" subordinado ao parlamento estudantil e presente na maioria dos Estados alemães – foi a oposição à alta da taxa semestral para 500 euros. Para fazer a posição dos estudantes ser ouvida, o Asta não poupou recursos: imprimiu folhetos, promoveu debates e fez protestos em diversas cidades do país.

A cobrança ainda não foi regulamentada, mas é dada como certa mesmo entre integrantes do movimento estudantil. Os Estados governados pela União Democrata Cristã (CDU) já avisaram que iniciarão a cobrança dos 500 euros, mas ainda não se sabe quando o novo valor será estabelecido e quem pagará o reajuste (se todos os alunos matriculados ou somente os recém-chegados). A discussão está em segundo plano, talvez por causa das prováveis eleições parlamentares que definirão o novo chanceler.

Casa de shows e cafeteria

Studenten auf dem Campus der Universität Haifa
Estudantes no campus de uma universidadeFoto: dpa

O responsável pela área de comunicação do Asta de Kassel, Christoph Farrenkopf, explica que, embora haja uma óbvia tendência liberal entre os representantes do movimento estudantil, o objetivo do órgão é dar um caráter apartidário às discussões. “Podemos falar de todos os assuntos, mas preferimos nos concentrar nos interesses diretos dos estudantes”, explica.

Isso não quer dizer que o movimento estudantil se abstenha de outros assuntos. Em Kassel, o Asta também coordena – e ajuda financeiramente – projetos culturais e ligados à área de ecologia. O órgão ainda administra uma casa de shows, a K-19, e uma cafeteria que só trabalha com produtos orgânicos e com selo de comércio justo, a Desasta.

Para que os projetos possam praticar preços acessíveis, recebem ajuda financeira direta. A cafeteria, que corria o risco de fechar caso 25% dos estudantes não comparecessem às urnas em janeiro passado, recebeu 5 mil euros para compensar as perdas de caixa e continua em funcionamento.

Várias opções para engajamento político

As representações autônomas, que promovem eventos próprios, também recebem dinheiro das taxas pagas pelos estudantes. As organizações que ajudam estudantes gays e estrangeiros recebem, cada uma, cerca de 7 mil euros por ano. A associação dos alunos portadores de deficiência tem uma verba de 10 mil euros. Neste ano, após algum tempo desativada, a representação feminina da universidade está sendo reaberta – a exemplo das outras, terá verba para financiar custos fixos.

Embora o Asta ofereça um variado leque temático, a entidade está longe de representar a totalidade do movimento estudantil dentro das universidades alemãs. Basta uma visita a qualquer Mensa (restaurante universitário, o famoso RU) do país para perceber que a possibilidade de escolha é muito maior.

Todos os dias há alunos envolvidos em diferentes grupos temáticos – políticos, ideológicos e religiosos – tentando angariar novos adeptos para as causas em que acreditam. Quem vem estudar na Alemanha tem a chance de escolher qual deles apresenta o melhor argumento – e, com eles, ao menos tentar mudar o mundo.