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"Milhões ficam para trás na jornada do desenvolvimento"

Anke Rasper av
21 de março de 2017

Novo relatório da ONU sobre o desenvolvimento humano confirma tendências de anos anteriores, mas também anuncia mudanças de paradigma, com ênfase nos excluídos. Entrevista com Selim Jahan, diretor do PNUD.

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Crianças em Nairobi
Países africanos aumentaram seu IDH em 31% entre 1990 e 2015Foto: DW/A. Stahl

A Organização das Nações Unidas divulgou nesta terça-feira (21/03), em Estocolmo, o relatório Desenvolvimento humano para todos, relativo ao ano 2016. Aparentemente ele traz poucas surpresas no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em relação aos anos recentes, com Noruega, Suíça e Austrália no topo da lista, enquanto os últimos postos cabem a países da África como Níger e República Centro-Africana.

A DW entrevistou Selim Jahan, diretor do departamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em Nova York, responsável pelo relatório sobre o desenvolvimento humano.

Entre as recomendações do relatório deste ano, Jahan ressalta a importância de interpretar de forma diferenciada os dados estatísticos, para além da "tirania da média", e de atentar mais para a qualidade das conquistas, não só para a quantidade.

Grande ênfase é dada, ainda, aos grupos excluídos das sociedades, de minorias étnicas e comunidades LGBTI a mulheres e meninas. Afinal "não se pode ter desenvolvimento humano sustentado ou sustentável, se ele passa por cima de metade da humanidade. É simples assim."

DW: O mais recente relatório sobre o desenvolvimento humano traz alguma mudança significativa?

Selim Jahan diriige departamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) responsável por relatório sobre desenvolvimento humano
Jahan: Não se pode ter desenvolvimento humano sustentável se ele passa por cima de metade da humanidadeFoto: UNDP/ Dylan Lowthian

Selim Jahan: Eu não diria que houve mudanças notáveis, mas houve alguns deslocamentos. Alguns países, como a Romênia, subiram para o grupo mais alto de desenvolvimento humano; algumas para o médio-alto, como o Uzbequistão. E outras, como Nepal, Paquistão e Quênia passaram do nível baixo para o médio.

Previsivelmente, nações como Síria, Líbia e Iêmen caíram tanto em termos de colocação como valor, devido aos conflitos que levaram a declínio em termos de desempenho educacional e renda per capita.

Há exemplos de incremento de desenvolvimento a destacar na África?

A África tem se apresentado muito bem em termos de desenvolvimento humano. Na primeira década de 2000, o continente conquistou uma expectativa de vida adicional de seis anos, que é a mais alta do mundo. Ao todo, os países africanos aumentaram seu IDH em 31% entre 1990 e 2015.

Na Etiópia se iniciou um programa de proteção social em 2005. Quatro anos mais tarde, 7,5 milhões tiveram sua nutrição garantida. No Senegal, o número de pessoas com acesso à eletricidade subiu de 17 mil para 90 mil, entre 2010 e 2012 –  um salto gigantesco. A África, a meu ver, é a nova fronteira do desenvolvimento.

No relatório, todos os países estão bastante bem em desenvolvimento de longo prazo. Mas em casos como o da Síria, que acaba de entrar no sétimo ano de conflito, não é preocupante quanto tempo esses países vão levar para recuperar terreno?

Não acho que a questão seja de quanto tempo, mas sim de o que causou os choques, que podem ter três fontes. A primeira é conflito ou extremismo. Se isso ocorre por um período mais longo de tempo, como na Síria ou no Afeganistão, então é muito difícil manter o nível de desenvolvimento no nível em que estava, digamos, cinco anos atrás.

A segunda fonte é turbulência no sistema econômico. Se o país é pequeno, ele depende de assistência externa, então choques no sistema econômico podem acarretar uma reversão do desenvolvimento humano.

A terceira fonte pode vir da mudança climática, embora ainda não saibamos a extensão desse impacto. Algumas tendências são bastante alarmantes. Por exemplo, se não atacarmos a mudança do clima já, em 2030 mais de 100 milhões de pessoas estarão vivendo na pobreza extrema. Então essa também pode ser uma fonte para perda dos avanços em desenvolvimento humano.

Este ano o relatório dá ênfase especial aos que são excluídos. Quais grupos ainda estão sendo deixados para trás?

Os grupos destacados neste relatório são: mulheres e meninas, povos indígenas, minorias étnicas, portadores de deficiências e comunidades LGBTI [lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, intersexuais]. E as razões por que eles são deixados para trás na jornada do desenvolvimento humano são várias. Pode ter a ver com normas sociais e leis discriminatórias, ou exclusões pela sociedade em peso.

Por exemplo, os indígenas representam 5% da população global, mas respondem por 15% da pobreza global. Por outro lado, em 18 países as mulheres precisam, por lei, da permissão do marido para trabalhar. A cada ano, 15 milhões de garotas de menos de 18 anos se casam: é uma noiva criança a cada dois segundos, e isso destrói o potencial delas, reduz seu desenvolvimento e poda suas capacidades. Portanto, há leis discriminatórias que basicamente agem como barreiras para o desenvolvimento humano.

Então não é só uma questão pessoal, é uma perda para toda a sociedade, não?

Certamente, pois sempre que um grupo perde, a perda é para a sociedade como um todo. Tomemos o exemplo das mulheres e meninas: não se pode ter desenvolvimento humano sustentado ou sustentável, se ele passa por cima de metade da humanidade. É simples assim.

Há também ideias diferentes sobre o que o desenvolvimento humano abarca. Quão importante é a qualidade, em relação à quantidade do desenvolvimento?

Por muito tempo nos preocupamos com a quantidade: quantas crianças vão à escola, se estão matriculadas, quantos têm uma vida longa e saudável, etc.. Mas agora também chegou a hora de perguntar: muito bem, as crianças estão frequentando a escola, estão matriculadas, mas o que elas estão aprendendo?

Um terço das crianças que concluíram o primário têm dificuldades com matemática e leitura. Portanto a questão da qualidade da educação é um interesse para toda sociedade.

Também fizemos muita questão de mostrar no relatório que, por tempo demais, temos sido reféns da tirania da média [estatística], e que é importante ir além dessa média e usar, em vez disso, um quadro desagregado.

Por exemplo, o índice multidimensional de pobreza indica que 1,5 bilhão de seres humanos vivem na pobreza. Mas quando desagregamos esse número entre rural e urbano, vejamos que, dessas pessoas, 11% vivem em áreas urbanas, mas 29% em áreas rurais. Então a pobreza multidimensional é três vezes maior entre a população rural do que entre a urbana. Esse tipo de desagregação serve para desmascarar a média.

Que recomendações o relatório faz aos tomadores de decisão?

Basicamente, para enfocar esses grupos em desvantagem. Isso significa políticas universais em termos de crescimento inclusivo, estratégia de crescimento voltada para o emprego, e inclusão social. Além disso, lembramos que o desenvolvimento humano não será sustentável se não for resistente. E essa virá quando abordarmos questões como a mudança climática, HIV/aids ou a tentativa de iniciar o processo de desenvolvimento em situações pós-conflito.

As pessoas têm que ser potencializadas, seus direitos precisam ser protegidos. O governo e outros agentes de desenvolvimento devem responder por suas ações e ser transparentes. Sem a potencialização do povo, não se alcançará desenvolvimento humano para todos.