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Mandatos coletivos, um novo jeito de fazer política?

Guilherme Henrique de São Paulo
13 de fevereiro de 2019

Grupos que, individualmente, não teriam força para eleger representantes estreiam nos legislativos de São Paulo e Pernambuco, testando um modelo que desafia a velha forma de fazer política no Brasil.

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O coletivo Bancada Ativista, que exerce mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo
Em SP, a Bancada Ativista inclui jornalistas, ambientalistas, uma indígena e militantes dos movimentos negro e LGBTFoto: Divulgação

O início dos trabalhos legislativos em Assembleias pelo Brasil colocou frente a frente dois modelos de gestão pública. Os mandatos coletivos instituídos em São Paulo e Pernambuco prometem subverter uma lógica que, para eles, está pautada pelo individualismo e distante da sociedade, denominada "velha política".

Em São Paulo, a Bancada Ativista, composta por nove pessoas, tem em seu quadro figuras distintas: jornalistas, ambientalistas, uma indígena, militantes do movimento negro e defensores das causas LGBTI.

Em Pernambuco, a reunião de cinco mulheres deu origem ao Juntas. Eleitas pelo Psol, o mandato tem entre as integrantes a advogada Robeyoncé Lima, a primeira transexual da região Nordeste a usar o nome social na carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Os dois mandatos são parte do coletivo "Ocupa Política", movimento suprapartidário que busca renovar o legislativo brasileiro ao eleger ativistas engajados em causas sociais. O grupo tem na figura da vereadora Marielle Franco, assassinada no ano passado no Rio de Janeiro, um exemplo de atuação para mudar a política brasileira.

"Os mandatos eleitos apresentam demandas relativas à inclusão de mulheres, negros, pessoas periféricas e LGBTIs na política institucional", afirma Beatriz Rodrigues Sanchez, pesquisadora do Núcleo Democracia e Ação Coletiva do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), ao analisar a proposta da Bancada Ativista e do Juntas.

Segundo a pesquisadora, um embate entre a velha e a nova política já aconteceu, mesmo com poucos dias de atuação. Em dezembro de 2018, durante a diplomação de Mônica Seixas, que representa a Bancada Ativista na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), os codepoutados foram impedidos de acompanhá-la no palco.

"A política tradicional não foi pensada para esses coletivos, e a legislação eleitoral está formulada a partir de uma lógica individual. A formação dos mandatos coletivos, ao questionar essas barreiras, pode contribuir para o aperfeiçoamento da democracia a partir do fortalecimento dos laços entre a sociedade e as instituições de representação", opina Sanchez.

Mas uma efetiva transformação vai depender do desempenho dos mandatos coletivos, pontua Bruno Bolognesi, professor de ciência política da Universidade Federal do Paraná (UFPR). "Acredito que a sociedade vai começar a reagir se de fato der certo. Esses coletivos precisam aprovar projetos, se reeleger, construir alguma coisa. Enquanto não houver algo nesse cenário, acho que a política tradicional não estará preocupada."

Quem são Bancada Ativista e Juntas?

A Bancada Ativista recebeu 149.844 votos, tornando-se a 10ª candidatura mais votada no estado de São Paulo. Ela reúne nove pessoas: a jornalista Mônica Seixas, que exercerá o mandato na Alesp; a indígena Chirley Pankará; a ambientalista Claudia Visoni; Fernando Ferrari, militante contra o extermínio da juventude periférica; Erika Hilton, transexual negra e ativista de direitos humanos; Anne Rammi, ativista de causas ligadas à maternidade; Jesus dos Santos, militante do movimento negro; Paula Aparecida, professora da rede pública; e Raquel Marques, sanitarista e ativista do parto humanizado.

De acordo com Mônica Seixas, a Bancada Ativista quer trazer mais transparência à política institucional. "Precisamos impulsionar a participação popular. Como entregar uma política em que a sociedade se sinta parte dela? Esse é um dos nossos propósitos."

O grupo se conheceu em 2016, ao fazer campanha para nomes como Sâmia Bonfim, hoje deputada federal, e Isa Penna, eleita deputada estadual, ambas pelo Psol em São Paulo.

"Depois de 2016, nos questionamos quanto tempo demoraria para mudar a cara do Congresso apenas fortalecendo outras candidaturas. E também percebemos a invisibilidade que existe na política. Você coloca uma única pessoa como guru, messias, e ignora toda uma força de trabalho. No Brasil, é preciso pulverizar a política e entregá-la a todos", defende Seixas.

A campanha eleitoral da Bancada Ativista custou cerca de 83 mil reais, de acordo com o TSE. "É todo mundo duro, sem dinheiro. Juntamos o pouco que tínhamos e unimos forças. Tudo para chegar a um lugar em que ativistas políticos, juntos, não chegariam. Sentimos que a renovação política estava acontecendo e que precisávamos fazer política juntos, sem abandonar nossos sonhos", diz.

O coletivo Juntas, que exerce mandato na Assembleia Legislativa de Pernambuco
O coletivo Juntas, que exerce mandato na Assembleia Legislativa de Pernambuco, é formado só por mulheresFoto: Alcione Ferreira/Divulgação

Em Pernambuco, o Juntas (Psol) recebeu 39.175 votos e foi a única candidatura do partido a se eleger no estado. O coletivo é formado estritamente por mulheres: a advogada transgênero Robeyoncé Lima, a estudante Joelma Carla, a professora Kátia Cunha, a jornalista Carolina Vergolino e a representante do grupo na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), Jô Cavalcanti.

A codeputada Kátia Cunha acredita que a eleição de novos mandatos coletivos é uma resposta da população para o que ela acredita ser uma renovação política vigente no país. "A sociedade está querendo dizer alguma coisa quando elege um mandato nesse formato. Obviamente a velha política, focada na figura única, não está preparada para essa mudança", observa.

A atuação do grupo, segundo as integrantes, será pautada no combate ao machismo, racismo, desemprego e à violência contra a mulher. Uma das prioridades do mandato é conquistar a presidência da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Alepe.

Possíveis problemas

A pesquisadora Beatriz Rodrigues Sanchez alerta para possíveis conflitos. "As demandas internas de cada grupo devem ser consideradas a partir da escuta de todos os codeputados participantes do mandato. No entanto, o fato de o mandato contar com pessoas vindas de diferentes trajetórias pode gerar conflitos e dificultar o consenso", ressalta.

Tanto a Bancada Ativista quanto o Juntas reconhecem que conflitos internos sobre pautas e direcionamentos existem, mas são resolvidos com diálogo. "A prática tem sido de aventura, porque temos formações diversas. A Chirley Pankará, que é indígena, não está acostumada a reuniões extensas. Trabalhamos com a 'sociocracia', uma metodologia que não oprime a diferença e que respeita a opinião de quem perdeu uma votação interna", diz Seixas.

Em janeiro, uma Proposta de Emenda à Constituição para oficializar os mandatos coletivos no Legislativo – PEC 379/2017, de autoria da deputada federal Renata Abreu (Podemos-SP) – foi arquivada na Câmara dos Deputados.

Para Bolognesi, a falta de definição do TSE sobre o tema pode gerar instabilidade. "Esses mandatos são praticamente informais, não há nada oficializado. E acredito que, no futuro, essa proposta possa não ter êxito. É uma tentativa de democracia direta que nunca funcionou em lugar nenhum e talvez não funcione agora também."

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