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PolíticaGlobal

Macron e outros líderes foram alvos do sistema Pegasus

20 de julho de 2021

Sistema de espionagem de celulares de empresa israelense teria sido usado por governos autoritários para monitorar uma série de líderes estrangeiros, adversários políticos, jornalistas e ativistas.

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O presidente francês, Emmanuel Macron
Macron e mais uma dezena de chefes de Estado ou governo teriam sido espionados por meio do PegasusFoto: Ludovic Marin/AFP

O celular do presidente da França, Emmanuel Macron, e de mais uma dezena de altos políticos aparecem como possíveis alvos do sistema de espionagem Pegasus, segundo informações publicadas nesta terça-feira (20/07) pelos jornais Le Monde, The Guardian e Washington Post.

Além de Macron, aparecem os presidente Cyril Ramaphosa (África do Sul) e Barham Salih (Iraque) e os primeiros-ministros Imram Khan (Paquistão), Saad-Eddine El Othmani (Marrocos), Mostafa Madbouly (Egito) e o rei marroquino Mohammed VI.

A lista ainda inclui ex-líderes do Líbano, Itália, Bélgica e Uganda.

No último domingo, um consórcio de jornais e organizações liderado pelo projeto francês Forbidden Stories revelou que os governos de vários países podem ter espionado 50 mil números de telefone de ativistas, jornalistas e políticos usando o software Pegasus, desenvolvido pela empresa israelense NSO Group.

O caso marroquino

No caso de Macron, o presidente francês teria sido espionado com auxílio da ferramenta Pegasus pelo governo do Marrocos, que teria espionado ainda o ex-primeiro-ministro Édouard Philippe e 14 ministros franceses. O governo francês ainda não se pronunciou. Já a NSO negou a acusação e disse que Macron nunca foi um alvo de algum de seus clientes.

Já o jornal britânico The Guardian aponta que o Marrocos também espionou os telefones de Tedros Adhanom Ghebreyesus, secretário-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019 e do ex-premiê belga Charles Michel, que hoje preside o Conselho Europeu.

O escândalo mexicano

O consórcio também revelou que serviços de inteligência do México fizeram uso da ferramenta em larga escala durante o governo de Enrique Peña Nieto (2012-2018). O país lidera a lista de números espionados com quase 15 mil. Entre os alvos estão jornalistas, ativistas e até o atual presidente do país, Andrés Manuel López Obrador. O governo Peña Nieto teria espionado até mesmo parentes de um grupo de estudantes mexicanos assassinados em 2014.

Enrique Peña Nieto, ex-presidente do México
Governo de Enrique Peña Nieto teria espionado até o cardiologista de adversário políticoFoto: picture-alliance/dpa/M. Ugarte

"Foram vítimas pais e mães dos 43 estudantes de Ayotzinapa desaparecidos e também o atual presidente da República e várias pessoas de seu entorno, sua esposa, filhos e até mesmo seu cardiologista", disse Edith Olivares, diretora interina da Anistia Internacional México, organização que também deu apoio técnico à investigação.

Além de López Obrador, a ferramenta foi usada pela inteligência mexicana para espionar a atual prefeita da Cidade do México, Claudia Sheinbaum, e pelo menos 45 governadores e ex-governadores, assim como o ex-presidente Felipe Calderón (2006-2012).

Jornalistas como alvos

Outros países que fizeram uso em larga escala da ferramenta incluem Arábia Saudita, Azerbaijão, Hungria e Índia.

O jornal Washington Post aponta que, dos 50 mil números de telefone possivelmente espionados mundo afora com a ferramenta, os autores da investigação já conseguiram identificar mil pessoas em 50 países. O grupo inclui pelo menos 65 funcionários do alto escalão de empresas, 85 ativistas de direitos humanos, 189 jornalistas e mais de 600 políticos e autoridades governamentais. Entre os jornalistas espionados estão profissionais do Financial Times, The New York Times e El País.

Nesta terça-feira, o Ministério Público francês afirmou que vai abrir uma investigação a partir de uma denúncia apresentada pelo portal Mediapart, que apontou que dois de seus jornalistas foram espionados pelo governo do Marrocos. Segundo a denúncia, o serviço secreto do Marrocos invadiu os telefones de Lénaïg Bredoux, editora de questões de gênero e violência sexual do Mediapart, e de Edwy Plenel, cofundador do portal.

A ferramenta ainda foi usada para espionar membros do círculo pessoal do jornalista Jamal Khashoggi, que foi brutalmente assassinado em 2018 dentro do consulado saudita em Istambul.

Efeitos na Hungria e Índia

As revelações já vêm causando efeitos políticos nos países que fizeram uso da ferramenta para espionar políticos locais, jornalistas e ativistas. Nesta terça-feira, a oposição no Parlamento indiano interrompeu uma sessão para defender a instauração de inquérito contra o primeiro-ministro Narendra Modi. Segundo o consórcio que investigou o caso, os aparelhos celulares de pelo menos 300 indianos foram monitorados. Entre eles o de Rahul Gandhi, principal adversário político do premiê Modi.

Já na Hungria, a oposição acusou nesta terça-feira o primeiro-ministro Viktor Orbán de criar um "Estado policial" ao utilizar o programa Pegasus para espiar jornalistas e políticos da oposição. Pelo menos 300 pessoas teriam sido monitoradas na Hungria.

Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria
O autoritário premiê Viktor Orbán foi acusado por adversário de agir como um "tirano" após uso do PegasusFoto: Beata Zawrzel/NurPhoto/picture alliance

A eurodeputada de esquersa Klara Dobrev, que faz oposição a Orbán, disse que, com o uso do Pegasus, o governo ultranacionalista do premiê deu um "exemplo de tirania".

O líder do partido Momentum (liberal), Abdras Kegete-Gyor, e o prefeito de Budapeste, Gergely Karacsony, outros críticos de Orbán, também acusaram o premiê de se comportar como um ditador. O governo húngaro negou as acusações.

Reações internacionais

Já a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, descreveu como "extremamente alarmante" a espionagem de jornalistas, ativistas e políticos. Para Bachelet, as queixas sobre o uso generalizado de spyware "parecem confirmar os piores receios sobre o abuso de tecnologias de vigilância para violar os direitos humanos".

A alta comissária acrescentou que esse tipo de medida de controle "só se justifica em circunstâncias muito definidas", o que não teria sido levado em conta no caso do uso do Pegasus.

A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), por sua vez, pediu que governos de países democráticos atuem contra aqueles que se serviram do programa para espionar jornalistas, e recordou que já tinha descrito o NSO Group como uma "predadora digital" da liberdade de imprensa em 2020.

"Os países democráticos devem assumir o controle deste caso particularmente grave, determinar os fatos e sancionar os responsáveis. Convidamos os jornalistas e os meios [de comunicação social] afetados a virem à RSF para se juntarem à resposta judicial necessária após as revelações", afirmou Christophe Deloire, secretário-geral da RSF, em comunicado.

Como funciona o Pegasus

O Pegasus ganhou as manchetes pela primeira vez em 2016, quando o projeto Citizen Lab, da Universidade de Toronto, descobriu vulnerabilidades no iOS, o sistema operacional móvel da Apple. Mais tarde, em 2019, 1.400 pessoas foram vítimas de espionagem através do software, que explorou uma vulnerabilidade do WhatsApp para se infiltrar nos telefones. Em declarações ao The Washington Post, o NSO Group se recusou a identificar os governos aos quais vendeu a ferramenta.

Em maio, uma reportagem do UOL apontou que o vereador Carlos Bolsonaro, o filho "02" do presidente Jair Bolsonaro, teria participado de negociações para que o Ministério da Justiça adquirisse o sistema. Fontes ouvidas pelo site afirmam que a ideia do vereador era reforçar uma "Abin paralela", que responde diretamente à família do presidente, em referência à Agência Nacional de Inteligência (Abin). À época, o vereador negou que estivesse envolvido em qualquer negociação.

O vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro
Reportagem de maio apontou que Carlos Bolsonaro tinha interesse no sistema. Ele negaFoto: Getty Images/AFP/S. Lima

O programa Pegasus da empresa israelense NSO explora constantemente as vulnerabilidades dos smartphones. Uma vez inserido no celular, o Pegasus exporta os dados do usuário (e-mails, mensagens, fotos, etc) para páginas da internet criadas pela NSO, que são constantemente modificadas para evitar detecção. A ferramenta é cara. Segundo reportagem do jornal americano New York Times, o México, por exemplo teria desembolsado mais de US$ 80 milhões pelo seu uso (R$ 417 milhões).

Essa transmissão de informações passa totalmente despercebida pelo usuário e é muito difícil encontrar qualquer prova dessa espionagem nos celulares Android. Por esse motivo, a investigação revelada no domingo foi baseada em celulares da Apple.

Inicialmente a NSO usava armadilhas via SMS, bugs no WhatsApp, iMessage, Apple Music e outros aplicativos para espionar os celulares, sendo necessária uma ação do usuário, como clicar em um link para que o telefone fosse hackeado. Mas agora, segundo especialistas, a ferramenta consegue penetrar nos aparelhos mesmo sem um gesto do dono.

Segundo as reportagens do consórcio, a NSO emprega hackers experientes que estão constantemente procurando falhas nos telefones. Segundo especialistas, a empresa também tende a recorrer ao "mercado clandestino", no qual pesquisadores de cibersegurança inescrupulosos comercializam as falhas que servem de porta de entrada.

jps/ek (Efe, Lusa, AFP, ots)