Em uma coletiva de imprensa concedida na segunda-feira (28/3), o ex-presidente Lula evocou o escândalo de espionagem que, nos anos 1970, precipitou a queda do então chanceler Alemanha Ocidental, Willy Brandt.
Ao ser indagado por um jornalista alemão se sentia ter alguma responsabilidade pelos casos de corrupção envolvendo membros de seu antigo gabinete, Lula disse que nenhum governo está livre de erros, e citou o caso do ex-chanceler como exemplo:
“Você acha que Brandt sabia que tinha um espião em seu gabinete?”, disse o ex-presidente, que ainda espera o Supremo brasileiro se posicionar sobre sua posse como ministro-chefe da Casa Civil.
O “Caso Guillaume”
Conhecido como o “Caso Guillaume”, o escândalo de espionagem citado por Lula foi um acontecimento dramático da política alemã-ocidental, que pôs fim ao governo Brandt (1969-1974).
Em 1974, em plena Guerra Fria, foi revelado que Günter Guillaume, um discreto burocrata do Partido Social-Democrata (SPD) que vinha servindo como assistente de Brandt, era na verdade um espião infiltrado pelo serviço de inteligência da Alemanha Oriental que levou uma vida dupla por 18 anos.
Ao ser preso, em 24 de abril daquele ano, Guillaume imediatamente admitiu que era um espião comunista. As consequências políticas da descoberta acabaram caindo no colo de Brandt, que renunciou dez dias depois.
Um dos problemas foi que os serviços de inteligência ocidentais já haviam apontado suspeitas sobre o secretário em 1973. Só que os mesmos serviços também aconselharam Brandt a mantê-lo no cargo até que as investigações comprovassem se a desconfiança era justificada.
"Eu, imbecil, nunca devia ter ouvido esse conselho de um outro imbecil", escreveria o ex-chanceler mais tarde.
Investigações acabaram mostrando que as informações coletadas por Guillaume tinham pouca relevância. Os efeitos da revelação também não foram capitalizados pela Alemanha Oriental, apesar de terem precipitado a queda do chefe de governo de um Estado rival.
Anos depois, Markus Wolf, o chefe do serviço de espionagem externa da Stasi (o Ministério de Segurança da Alemanha Oriental) que era responsável por Guillaume, classificou todo o caso como um “erro”, já que o governo Brandt vinha atuando para diminuir a tensão política entre as duas Alemanhas.
A gota d'água
Historiadores apontam hoje que Brandt não teve nenhuma responsabilidade pessoal pelo fiasco, mas ainda assim o chanceler decidiu assumir publicamente a culpa. “Assumo a responsabilidade política pelas negligências em relação ao caso do agente Guillaume e apresento minha renúncia ao cargo de chanceler federal", escreveu em sua carta de renúncia.
O caso Guillaume é hoje interpretado apenas como um gatilho que precipitou a queda do chanceler, já estava bastante desgastado pelo mau estado da economia (que sentia os efeitos da crise do petróleo de 1973), pela oposição de setores conservadores que eram contra a détente com o leste comunista e por problemas pessoais, como depressão.
Entre os dias entre a prisão de Guillaume e a renúncia, Brandt também foi confrontado com um dossiê elaborado pelos investigadores do caso, que ao longo das apurações também reuniram diversas informações sobre a vida privada do chanceler, que apontavam uma série de casos extraconjugais e consumo excessivo de álcool.
Parte das informações cheg à imprensa, e membros do círculo de Brandt passaram a temer que o chanceler acabasse virando alvo de chantagem e prejudicasse o desempenho do governo nas eleições de 1976. Por fim, o chanceler perdeu apoio em seu próprio partido, que não o instou a permanecer no cargo.
Após deixar o poder, Brandt ainda manteve seu mandato de deputado no Parlamento alemão e permaneceu na presidência do SPD até 1987. Também se manteve ativo em organizações internacionais, como a Internacional Socialista, mas nunca voltou a ocupar qualquer cargo no governo alemão. Já Guillaume acabou passando sete anos na cadeia, sendo solto em 1981 após uma troca de espiões entre as duas Alemanhas. Ele morreu em 1995, menos de três anos depois de Brandt.
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A trajetória política de Lula
Lula e as greves do ABC
Em 1975, Lula foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema e ganhou projeção nacional ao liderar uma série de greves no final da década. Em 1980, foi preso e processado com base na Lei de Segurança Nacional após comandar uma paralisação que durou 41 dias. Lula ficou 31 dias no cárcere do Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social).
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A trajetória política de Lula
Fundação do PT
Em 10 de fevereiro de 1980, pouco antes de ser preso, Lula ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) com apoio de intelectuais e sindicalistas. Em maio do mesmo ano, ao sair do cárcere, foi eleito o primeiro presidente do partido. O pernambucano, então, ingressaria de vez na política: em 1982, concorreu ao governo de São Paulo e, em 1986, foi eleito deputado constituinte.
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A trajetória política de Lula
A campanha de 1989
O PT lançou a candidatura de Lula nas primeiras eleições presidenciais diretas após o fim do regime militar. Com uma imagem de operário e um discurso de esquerda, Lula provocou temor em vários setores da economia, que se alinharam ao candidato Fernando Collor. O petista foi derrotado no segundo turno, depois de uma campanha que envolveu acusações de manipulação da imprensa em favor de Collor.
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A trajetória política de Lula
A campanha de 1994
No embalo das primeiras denúncias de irregularidades no governo Collor, Lula lançou, em 1991, o movimento "Fora Collor" em apoio ao impeachment. Em 1994, concorreu novamente à presidência, com Aloizio Mercadante como vice, mas foi derrotado no primeiro turno por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), lançado como "pai do Plano Real". PT, por outro lado, elegia seus primeiros governadores (DF e ES).
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A trajetória política de Lula
A campanha de 1998
Em 1998, Lula sofreu uma das suas piores derrotas eleitorais. À época, o petista teve como candidato a vice o ex-governador Leonel Brizola (PDT), um dos seus rivais na eleição de 1989 e com quem disputava a hegemonia na esquerda brasileira. A fórmula não deu certo. Lula obteve só 31% dos votos e não chegou ao segundo turno. O então presidente Fernando Henrique Cardoso foi reeleito com 53%.
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A trajetória política de Lula
A posse de Lula
O eterno candidato do PT finalmente assumiu a Presidência em janeiro de 2003, após oito anos de governo do PSDB. Lula foi eleito com 61% dos votos válidos no segundo turno. A vitória foi alcançada após uma intensa campanha, que vendeu uma imagem mais moderada do petista – simbolizada no slogan "Lulinha paz e amor" – com o objetivo de acalmar os mercados e ampliar o eleitorado do partido.
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A trajetória política de Lula
Economia em alta
Após as turbulências no final do governo Fernando Henrique Cardoso, a economia brasileira voltou a crescer com Lula, embalada sobretudo pelo boom das commodities. Foi o período da descoberta do Pré-Sal e investimentos em grandes obras de infraestrutura. O crescimento médio do PIB no segundo mandato chegou a 4,6%. O bom momento catapultou a popularidade de Lula, que chegou a 87% no final de 2010.
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A trajetória política de Lula
Queda na desigualdade
Os programas sociais lançados por Lula, como Minha Casa, Minha Vida e ProUni, também contribuíram para a popularidade do presidente. O Bolsa Família, criado em 2004 a partir da unificação de outros programas de transferência de renda, se tornaria o carro-chefe. Quase 28 milhões de brasileiros saíram da zona de pobreza nos oito anos do governo Lula, afirmou um balanço em 2010.
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A trajetória política de Lula
O escândalo do mensalão
Em 2005, o governo Lula foi atingido em cheio pelo escândalo de compra de votos de deputados, o mensalão. Apesar do desgaste, Lula sobreviveu à crise. Outros, como o ministro José Dirceu, uma das figuras fortes do governo, caíram em desgraça. No início, Lula afirmou que assessores o haviam "apunhalado", mas depois mudou o discurso e disse que o caso era uma invenção da oposição e da imprensa.
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A trajetória política de Lula
A eleição de Dilma
Em 2007, logo após ser reeleito com mais de 60% dos votos, Lula começou a preparar o terreno para a sua sucessão. Como sucessora, ele escolheu a sua então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, uma tecnocrata sem experiência nas urnas. Nos três anos seguintes, Lula promoveu a imagem de Dilma junto aos brasileiros. A estratégia funcionou, e ela foi eleita em 2010.
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A trajetória política de Lula
Luta contra o câncer
Em outubro de 2011, Lula foi diagnosticado com câncer na laringe, sendo submetido a um agressivo tratamento – pela primeira vez desde 1979, ele aparecia sem a barba. Exames apontaram a remissão completa do tumor cerca de cinco meses depois, e Lula voltou a se engajar nas campanhas do PT. Uma das grandes vitórias eleitorais de 2012 foi a de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo.
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A trajetória política de Lula
Lula e a Lava Jato
Em março de 2016, Lula foi alvo de um mandado de condução coercitiva pela Operação Lava Jato, que investiga o escândalo de corrupção na Petrobras. O ex-presidente foi levado para depor sobre um sítio em Atibaia, um triplex no Guarujá e sua relação com empreiteiras investigadas na Lava Jato. No mesmo dia, a PF cumpriu mandados em residências do petista e de sua família, além do Instituto Lula.
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A trajetória política de Lula
Réu em diferentes processos
Nos meses seguintes, Lula foi denunciado por uma série de crimes, como corrupção passiva, lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça e tráfico de influência, tornando-se réu em cinco processos diferentes, inclusive na Lava Jato. O petista sempre desmentiu as acusações, negou a prática de crimes e disse ser vítima de perseguição política. Ele também nega ser proprietário dos imóveis investigados.
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A trajetória política de Lula
Depoimento a Moro
Em maio de 2017, o ex-presidente se apresentou pela primeira vez como réu perante o juiz Sergio Moro. Em depoimento prestado em Curitiba, Lula voltou a negar as acusações e alegou estar sendo perseguido politicamente. Ele ainda exigiu a apresentação de provas de que seja dono dos imóveis em Guarujá e Atibaia. O interrogatório foi o último passo antes da sentença dentro da Operação Lava Jato.
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A trajetória política de Lula
Lula é condenado
Réu em outros processos, Lula foi condenado pela primeira vez em 12 de julho de 2017. A sentença do juiz Sergio Moro determinou 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva. O TRF-4 confirmou a condenação em segunda instância, além de aumentar a pena para 12 anos e um mês de prisão. É a primeira vez que um ex-presidente é condenado por corrupção no Brasil.
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A trajetória política de Lula
Derrota no STF
Por 6 votos a 5, os ministros do Supremo Tribunal Federal negaram um pedido de habeas corpus preventivo apresentado pela defesa de Lula para evitar uma eventual prisão após o fim dos recursos na segunda instância da Justiça Federal. Manifestantes contrários e a favor de Lula foram às ruas por ocasião do julgamento.
Autoria: Jean Philip Struck / Érika Kokay