Livro 'Coronel, Coronéis' ganha versão alemã
21 de dezembro de 2005"É incrível que esta obra clássica da sociologia só agora tenha sido traduzida para o alemão", admira-se o jornalista Matthias Matussek, ex-correspondente da revista Der Spiegel no Brasil. "Mas uma coisa é certa: nesses 40 anos, o livro não perdeu nada de sua força e atualidade", acrescenta, na apresentação da edição alemã.
Escrito a partir de um trabalho de campo premiado, realizado em 1963, por Roberto Cavalcanti de Albuquerque e Marcos Vinícios Vilaça, e publicado pela primeira vez em 1965, Coronel, Coronéis - Apogeu e Declínio do Coronelismo no Nordeste é uma radiografia do poder na região, nos meados do século 20.
Os coronéis, com suas cartas-patente, são descritos como homens poderosos, de posse e de terras, que compram votos para se manter no poder. Como não respeitavam os limites de seus currais eleitorais, acabaram se liquidando mutuamente, embora a expansão do rádio e da televisão tenha sido fator fundamental para seu declínio. Ou, como escreveram os autores: "O coronel é instrumento dialético de seu próprio ocaso".
Entender o Nordeste
"Quem quiser entender o Nordeste e a estrutura patriarcal da política brasileira, especialmente em nível local, não pode prescindir da leitura dessa pesquisa", segundo Matussek. Ele classifica o livro como "reportagem fascinante", um "álbum de família", a "crônica de uma nação".
Depois de várias edições no Brasil e versões em espanhol, inglês, francês e italiano, a tradução alemã chegou às livrarias neste final de ano, às vésperas da maratona eleitoral brasileira de 2006.
A tradução é do diplomata Guido Heymer, ex-cônsul geral da Alemanha no Rio de Janeiro, conhecedor do país e da literatura brasileira, que contou com a assessoria de Maria do Carmo Ventura Wollny, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A editora Brasilkunde publicou Die Grundherren – este o título em alemão – com a intenção de ajudar os leitores alemães a compreender os desafios sociais "difíceis de explicar", enfrentados ainda hoje pelo Nordeste brasileiro.
Sertão e Afeganistão
Na opinião de Martin Gester, que foi correspondente de jornais alemães no Brasil durante três décadas, a leitura de Coronel, Coronéis vale a pena, porque o poder e seu declínio não são fenômenos exclusivamente brasileiros.
"A história dos coronéis mostra que, em qualquer lugar onde o poder central não pode ou não quer estar presente, surgem estruturas paralelas de poder. Isso vale tanto para a máfia da droga no Rio de Janeiro quanto para os warlords no Afeganistão ou a guerrilha na Colômbia", argumenta no prefácio à edição alemã.
Por ironia da história – como lembra Gester – os autoritários coronéis cederam lugar aos autoritários generais. Resquícios do coronelismo, porém, ainda são visíveis, sobretudo durante as campanhas eleitorais, em Estados como o Maranhão, Piauí, Sergipe, Alagoas e Bahia.
É nesses Estados também onde é mais evidente a versão moderna da política dos coronéis – o chamado "coronelismo eletrônico", o controle dos meios de comunicação por detentores de mandatos. Este, sim, parece resistir ao declínio.