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Literatura busca inspiração na história

Simone de Mello31 de dezembro de 2005

Histórias de família e enredos históricos marcam nova geração de romances alemães. A destruição de Dresden pelos aliados é motivo de um polêmico poema de Durs Grünbein.

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'Um monte de letras mortas? Não, um saco cheio de sementes.' (André Gide)

A prosa de ficção alemã está gerando vertentes mais nítidas do que o ecletismo da última década. Uma forte tendência contemporânea é a do romance histórico e de família. Abandonando o tom intimista e autobiográfico de uma prosa manifestamente "jovem", os autores alemães da nova safra passaram a apostar nos grandes temas da história européia como contexto de suas narrativas.

História e as cartas no sótão

Es geht uns gut von Arno Geiger Hanser (August 2005) Buchcover
'Es geht uns gut' (Arno Geiger)

Um dos livros mais comentados do ano foi o romance de família Es geht uns gut (Estamos bem, Carl Hanser Verlag) do austríaco Arno Geiger (1968, Bregenz), que estreou como romancista em 1997 com Kleine Schule des Karussellfahrens (Pequena escola para andar de carrossel) e recebeu o Prêmio do Livro Alemão, conferido pela primeira vez este ano.

O enredo, narrado da perspectiva de um jovem que herda o casarão da família, cobre três gerações da história da Áustria, de 1938 a 2001. Grande parte da memória familiar, ignorada até então, é redescoberta nos cômodos da vila e nas cartas esquecidas no sótão. A missão arqueológica do protagonista se reflete nas relações familiares, levando a se falar o que nunca fora dito.

Não é à toa que a retomada da história familiar começa com o Terceiro Reich, um capítulo insuficientemente refletido no pós-guerra austríaco. Mas não são os dados históricos que dominam o romance e sim o cotidiano das personagens. O narrador não tenta denunciar a conivência dos antepassados com o nazismo, somente dá vazão às recordações espontâneas de suas figuras.

Buchmesse Frankfurt - Arno Geiger porträtfoto
Arno GeigerFoto: dpa

Es geht uns gut foi elogiado pela crítica como um bem-sucedido romance de família, devido à representatividade do enredo, e parcialmente criticado por ser muito consensual. O livro, considerado uma "crônica convincente, dada a distância irônica da narrativa" (tageszeitung) e um "romance de primeira na literatura alemã contemporânea" (Frankfurter Rundschau), foi apreciado pela "síntese de conhecimento humano e magia da linguagem" (Neue Zürcher Zeitung).

Um mundo, duas medidas

O jovem autor Daniel Kehlmann (1975, Munique) atraiu a atenção da crítica e do público leitor com seu romance Die Vermessung der Welt (A medição do mundo, Rowohlt), que ficcionaliza a biografia de dois cientistas alemães, o naturalista Alexander von Humboldt e o matemático e astrônomo Carl Friedrich Gauss.

Daniel Kehlmann auf der Frankfurter Buchmesse porträtfoto
Daniel KehlmannFoto: dpa

A narrativa paralela de ambas as trajetórias parte de um encontro entre Humboldt e Gauss por ocasião do Congresso Alemão de Naturalistas realizado em Berlim, em 1828. Apesar das diferenças entre o racionalista Humboldt e o empiricista Gauss, ambos têm algo em comum: a obsessão pelo factual e o desprezo pelo ficcional. É justamente isso que gera uma tensão irônica com o gênero romance.

Die Vermessung der Welt não é um romance erudito que envereda por assuntos metafísicos. Kehlmann toma um momento da história da ciência alemã como ponto de partida para um divertido romance de aventuras, considerado pela crítica como "o romance alemão mais cômico deste ano" (Süddeutsche Zeitung).

Pelo cinza russo

Poschmann, Marion Schwarzweißroman Buchcover
'Schwarzweissroman' (Marion Poschmann)

A poeta Marion Poschmann (1969, Essen) estreou na prosa com Schwarzweissroman (Romance em preto-e-branco, Frankfurter Verlagsanstalt), uma mistura de reportagem de viagem e expedição sentimental à Rússia. A narradora conta de sua visita ao pai, um engenheiro encarregado de recuperar a siderúrgica de Magnitogorsk, a legendária cidade operária soviética nos Montes Urais.

Mais do que um balanço da herança socialista e do desgaste da individualidade numa era coletivista, o romance de Poschmann vai buscar na arte suprematista russa – em pintores como Malevitch, El Lissitsky – o referencial estético para descrever o "cinza" da paisagem invernal e a perda de referenciais das personagens.

Marion Poschmann Marion Poschmann wurde 1969 in Essen geboren und lebt heute in Berlin. PORTRÄTFOTO
Marion Poschmann

O romance de estréia de Poschmann foi unanimemente apreciado pela crítica. Domínio da linguagem poética, originalidade das imagens e lirismo descritivo foram as especificidades que a crítica destacou no romance.

A seguir, leia resenha sobre o livro Porzellan: Poem vom Untergang meiner Stadt (Porcelana: epopéia sobre a queda da minha cidade), de Durs Grünbein.

Durs Grünbein – Porzellan: Poem vom Untergang meiner Stadt (Porcelana: epopéia sobre a queda da minha cidade). Frankfurt no Meno: Suhrkamp, 2005.

Grünbein, Durs Porzellan Poem vom Untergang meiner Stadt Buchcover
'Porzellan - Poem vom Untergang meiner Stadt' (Durs Grünbein)

Dresden, a "Florença do Elba", cidade barroca que representava a alta cultura da Saxônia (como a porcelana de Meissen, entre outras coisas), foi bombardeada pelos aliados na noite de 13 para 14 de fevereiro de 1945. Sessenta anos após o ataque aéreo que não deixou pedra sobre pedra, o poeta Durs Grünbein, natural de Dresden, publica o poema Porzellan: Poem vom Untergang meiner Stadt.

O longo poema rimado de 49 décimas é emoldurado por duas fotos de Dresden: uma vista aérea da cidade antes da destruição, que mostra o "S" do rio Elba e as construções às suas margens, e um antigo cartão postal da torre do Zwinger, o pavilhão barroco no centro da cidade, com um cupido em primeiro plano. O poeta canta as grandezas de "sua" cidade (apesar de ter nascido 17 anos após sua destruição), intercalando estrofes sobre os horrores da guerra aérea.

Dresden: Pompéia alemã?

Repita: não precisa de muito pra fazer
de uma cidade paisagem lunar. Ou carvão
de quem lá mora. Imagine só: acontecer
na pausa da ópera, buscar cigarro em vão.
E nas ruas, caindo mortos, o breu fervendo.
A mão do ciclista cola azul no guidão, neve,
mar de casas varrido por desértico vento.
Faraós em trajes de inverno queimam em breve.
Mais quente que qualquer verão. O último alarme
mal se dissipa, e no centro a cinza ainda arde.

O caráter restaurador desta última publicação de Grünbein – que estreou em livro na parte ocidental do país em 1988, pouco antes da queda do Muro, e enveredou por uma poética arcaizante nos últimos anos – não se aplica apenas à reconstrução da Dresden de antigamente, feita através de fatos históricos e memórias de sua mãe, testemunha do bombardeio quando criança. Restaurador é, sobretudo, o apelo à Antigüidade, visível nas referências e na metrificação, mas sobretudo na artificialidade do tom.

Elefante em loja de porcelana

Autorenporträt Durs Grünbein
Durs GrünbeinFoto: Julia Scheiermann

Um outro poeta alemão da mesma geração referiu-se a Grünbein como "poeta de filmes de sandália" com "humor de tio". O último livro do bardo de Dresden infelizmente só pode confirmar os epítetos. Sobretudo porque nem toda a ginástica greco-latina encobre o prosaísmo de uma linguagem que beira a da reportagem, embora pretenda ser algo mais do que isso.

A crítica alemã arrasou o último livro de Grünbein. As resenhas publicadas nos principais jornais não denunciam somente o sensacionalismo e o mau gosto da escolha temática. A opção por uma poesia neoclássica – inicialmente até engolida por parte da crítica – agora é condenada como preciosismo e falso pathos. Alguns dos atributos conferidos pela crítica à epopéia de Grünbein: "cinismo acidentado", tom de "documentário de TV", "poesia de artesanato", puro "sensacionalismo e péssimo jornalismo". Isso não é pouco.