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Judeus no país do apartheid

4 de fevereiro de 2013

"Os judeus eram mais abertos que os outros brancos, quando se tratava de segregação racial e da política do país. Talvez porque no passado eles próprios tenham sido vítimas de preconceitos". (Nelson Mandela)

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Foto: DW/Schadomsky

O que dizia Nelson Mandela, ex-ativista dos direitos humanos e primeiro presidente negro da África do Sul, confirma o que afirma Milton Shain, professor de História do Centro Kaplan de Estudos Judaicos da Universidade da Cidade do Cabo: judeus refugiados do nazismo lutaram contra o apartheid na África do Sul. Eles, por outro lado, de forma alguma haviam sido recebidos de braços abertos no novo país. Milton Shain descreve o contexto histórico:

Indesejados

"A situação em meados dos anos 1930 era muito tensa. O navio de refugiados de nome Stuttgart chegou à África do Sul em fins de outubro de 1936 e foi recebido com fortes protestos. Pessoas de boa formação escolar, entre elas o professor Hendrik Verwoerd, que viria a ser mais tarde primeiro-ministro do país e arquiteto do apartheid, protestaram contra a imigração dos judeus alemães.

Esta era a ramificação de um movimento radical de direita na África do Sul, que havia começado anos antes – os chamados "camisas cinza e pretas". Eles imitavam os nazistas e outros fascistas europeus, sendo veementemente contra outra imigração de judeus para o país. E defendiam medidas de cerceamento da presença dos judeus e das suas chances de sobrevivência no país. Eles não representavam uma maioria, mas eram uma força importante e em constante crescimento.

Exclusão através da burocracia

O mainstream da época era representado pelo político Daniel Malan, que se tornaria em 1948 o primeiro premiê do regime do apartheid. Nos anos 1930, Malan já argumentava que os judeus, se fossem muitos no país, seriam um potencial de conflito. Através de medidas restritivas de recepção de imigrantes, ele afirmava agir em defesa dos interesses dos habitantes do país.

Aproximadamente 3,5 mil judeus alemães migraram para a África do Sul, até a aprovação, sob grande estardalhaço da oposição, no início de 1937, do que foi chamado Ato de Estrangeiros (Aliens Act), que acabou por cerrar, de fato, as portas do país aos judeus alemães.

"Luta pela sobrevivência"

Neste contexto, é preciso analisar a questão da atividade política sob o sistema do apartheid: os imigrantes judeus alemães, eles próprios vítimas de um racismo clássico e do antissemitismo, chegavam a um país com uma sociedade colonial, de segregação racial e baseada na exploração. E os judeus "brancos", que na Europa haviam sido vítimas, eram de repente beneficiados por uma legislação baseada na segregação racial.

Esta era uma grande contradição, da qual nem todos tinham consciência. Muitos refugiados eram jovens e não compreendiam bem a situação política do país. Outros tinham problemas suficientes para se estabeleceram, para encontrar emprego e moradia. E a maior parte da comunidade judaica vivia, naturalmente, como os outros brancos de língua inglesa. Mesmo assim, alguns judeus refugiados se empenharam no combate ao apartheid.

É preciso reconstruir a situação como ela era antigamente: mais de 90% dos judeus da Lituânia, por exemplo, haviam sido exterminados na Segunda Guerra Mundial. E o judaísmo da África do Sul era na realidade formado por descendentes dos judeus lituanos: os litwaken, como eram chamados, que conseguiram emigrar quando ainda foi possível. Outros sobreviventes da perseguição também acabaram migrando para a Cidade do Cabo.

Esperar que estas pessoas, perseguidas e traumatizadas, se opusessem em alto e bom som ao apartheid, talvez fosse exigir demais.

Ativismo judaico

Mas a pressão social tornava-se cada vez maior e uma nova geração de judeus jovens e de boa formação começou a exigir ações de fato. Eles tinham conhecimento dos cúmplices do nazismo e não queriam ocupar essa posição na África do Sul do apartheid. Além disso, havia obviamente judeus de extrema esquerda, que enfrentaram o regime desde o primeiro dia, embora estes tenham sido outsiders na comunidade judaica.

Lembro-me dos ativistas Ruth First, Joe Slovo, Ronnie Kasrils e de vários outros. Entre os 15 acusados no Julgamento de Rivonia, o mesmo que levou Nelson Mandela para trás das grades, cinco eram judeus brancos.

Em suma, é preciso dizer que o balanço do ativismo judaico é impressionante. Mais impressionante que entre quaisquer outros grupos minoritários. Mesmo assim a comunidade judaica do país, sobretudo as novas gerações, questionam com um olhar crítico o que ocorreu no passado".

Depoimento registrado por Ludger Schadomsky (sv)