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José Serra deve dar nova cara ao Itamaraty

Fernando Caulyt17 de maio de 2016

Sob comando do ex-ministro, visto como figura de "peso político", pasta deve recuperar destaque no governo Temer. Ao contrário da gestão do PT, chanceler não deve focar no apoio a regimes de esquerda, aponta analista.

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José Serra
Foto: Moreira Mariz/Agencia Senado

Após perder orçamento e prestígio durante os mandatos de Dilma Rousseff, o Itamaraty pode ganhar uma posição de destaque no governo do presidente interino Michel Temer. Logo em seus primeiros dias como novo ministro das Relações Exteriores, o ex-senador José Serra indicou que deve dar uma nova cara à política externa brasileira.

Segundo especialistas ouvidos pela DW Brasil, Serra deve iniciar uma mudança de postura em relação aos países bolivarianos – como Venezuela, Bolívia e Equador –, além de se aproximar mais dos EUA. Outra alteração será na forma como o Brasil se relaciona comercialmente com o Mercosul.

"O Itamaraty terá mais força, porque vamos ter – diferentemente dos três chanceleres de Dilma, que eram diplomatas de carreira – um dos políticos de maior peso dos últimos anos como ministro", diz Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV. "O maior peso político permite ao Serra ter mais voz nas discussões internas do gabinete e ele deverá usar o Itamaraty como plataforma para se destacar tendo em vista as eleições presidenciais de 2018."

Ao contrário dos ex-chanceleres, Serra terá um ministério "turbinado". Na gestão interina de Temer, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) – até então ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) – passa a fazer parte do Itamaraty. Mas ainda não está claro, segundo informações da pasta, como ela funcionará sob a supervisão do Ministério das Relações Exteriores.

A Apex tem um orçamento de cerca de 590 milhões de reais para promoção de exportações e investimentos. Por ser financiada pelo Sistema S – que inclui Senai, Sesi e Sebrae – e com recolhimentos compulsórios das empresas, os recursos da agência não sofrem com os mesmos contingenciamentos das verbas federais. Esses recursos devem trazer alívio ao Itamaraty, que já passou por cortes sucessivos e tem orçamento de quase 3 bilhões de reais.

Apesar do reforço, Stuenkel ressalta que todo tipo de mudança profunda quanto ao comércio precisa da aprovação do Congresso de todos os países envolvidos. "Acredito que o Serra vá ajudar num projeto mais amplo de redução de barreiras não tarifárias e tornar o Brasil, de forma geral, um país mais atraente para investidores", diz. "Acordo de comércio é algo extremamente complexo e de médio a longo prazo, e ele tem um mandato curto para avançar nessa agenda."

Mudança de tom

Logo no primeiro dia da nova administração, o Itamaraty emitiu duas notas e rebateu, usando um tom muito acima do habitual, as críticas feitas ao processo de impeachment pelos governos de Cuba, Venezuela, Equador, Nicarágua e Bolívia – países tradicionalmente aliados dos governos Dilma e Lula e que advertiram sobre uma possível "ruptura democrática" com Brasília.

Como resposta, o Brasil afirmou que esses países "se permitem opinar e propagar falsidades sobre o processo político interno no Brasil". E após o governo de El Salvador decidir suspender os contatos oficiais com Brasília, o Itamaraty emitiu uma nota pedindo que o país reconsiderasse sua posição.

O secretário-geral da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), Ernesto Samper, também se manifestou sobre a política brasileira, expressando preocupação com o afastamento de Dilma. À Unasul, o Itamaraty afirmou que Samper usa de argumentos "errôneos" e faz "interpretações falsas sobre a Constituição e as leis brasileiras".

"O reconhecimento mútuo da legitimidade dos governos é um dos pilares das relações internacionais. É grave quando governos de uma região não consideram outro legítimo. E, por isso, esse governo [de Temer] precisa rebater. E isso requer uma resposta forte", afirma Stuenkel. "Não acredito que essa será a maneira como o Itamaraty vai se comunicar daqui para frente, mas é preciso tomar cuidado para que isso não se torne uma regra."

Para o cientista político Leonardo Paz Neves, do Ibmec/RJ, é provável que o ministro adote ações mais pragmáticas. "Muitas das medidas dos governos do PT eram pautadas por uma ideologia de reforço das relações sul-sul e o apoio a regimes de esquerda. Essa tendência ideológica – sem entrar em juízo de valor – é bastante custosa política e economicamente", afirma. "Como o atual ministro não comunga da mesma ideologia nem busca os mesmos objetivos, ele deverá se afastar da tendência anterior."

Fechamento de postos diplomáticos

Segundo o jornal Folha de S. Paulo, Serra pediu um estudo para analisar o custo e a utilidade dos postos diplomáticos abertos nos governos Lula e Dilma para, eventualmente, pedir o fechamento de alguns deles.

Os alvos, de acordo com a publicação, seriam as embaixadas e consulados abertos na África e no Caribe nos últimos anos. Até o fechamento da matéria, o Itamaraty não confirmou esta informação.

A abertura de postos diplomáticos em países do Hemisfério Sul foi uma das marcas do governo Lula em relação à política externa. De acordo com a publicação, não é certo que o estudo resulte em fechamento de postos de trabalho, já que fechar embaixadas e consulados gera grandes despesas devido a ações trabalhistas e rompimento de contratos.