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Já passou da hora de reformar a Previdência

27 de março de 2019

Em média, os brasileiros se aposentam dez anos mais cedo do que as pessoas em países ricos, apesar de terem a mesma expectativa de vida. Isso levou a Previdência aos limites de sua capacidade, escreve Alexander Busch.

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Symbolbild Arbeitslosigikeit in Brasilien
Foto: AFP/Getty Images/M. Lima

Como correspondente no Brasil, é comum eu ter aquele "momento surpresa" durante entrevistas. Costuma acontecer no fim da conversa, quando pergunto sobre a biografia do meu interlocutor: de repente, o entrevistado eloquente e vivaz diz que é aposentado. Isso acontece com frequência com entrevistados das áreas da Justiça, da política, governamental, militar ou de empresas estatais – ou seja, de áreas que dependem diretamente do Estado. Nessas profissões, é comum iniciar uma segunda carreira depois da aposentadoria.

Isso sempre volta a me surpreender. Por um lado, porque a maioria dessas senhoras e senhores costumam beirar os 50 anos. E porque, como aposentados, continuam exercendo um trabalho normalmente. Parece que, para a classe média brasileira que trabalha para o Estado, a aposentadoria é algo como uma fonte de renda adicional de uma carreira prévia, renda essa que é incrementada com um novo emprego.

Como isso é possível?

Por um lado – e essa é a boa notícia –, porque os brasileiros estão ficando cada vez mais velhos. O Brasil está entre os países do mundo nos quais a expectativa de vida das pessoas com mais de 60 anos aumentou de forma mais acentuada. Hoje em dia, os brasileiros vivem, em média, 82 anos. Ou seja, mais ou menos a idade das pessoas nas nações ricas ou industrializadas. Em 1980, os brasileiros completavam em média 76 anos quando passavam dos 60.

A má notícia é que, no mesmo período, o sistema de aposentadorias quase não mudou. Desde a Constituição de 1988, as linhas gerais da Previdência não foram alteradas. Atualmente, no Brasil, as pessoas se aposentam após cumprirem o tempo de serviço – o que explica os numerosos beneficiários "jovens", especialmente na classe média.

Na comparação com os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, um clube de nações ricas), os brasileiros se aposentam, em média, dez anos mais cedo – num momento em que as pessoas nos países industrializados costumam estar nos auges de suas carreiras. E isso apesar de a expectativa de vida dos brasileiros ser comparável à de países como a Alemanha ou o Chile.

No Brasil, os homens se aposentam em média com 55,6 anos, e as mulheres costumam receber o primeiro pagamento da aposentadoria com 52,8 anos. Na maior parte dos países industrializados, a idade de afastamento do serviço ativo é de 65 anos, com tendência crescente para 67 anos.

Esse inalterado ingresso precoce na aposentadoria faz com que os brasileiros passem cada vez mais tempo de suas vidas aposentados. O tempo médio de aposentadoria aumentou quase um terço em apenas 15 anos. Por volta da virada do milênio, os brasileiros viviam um quinto (20%) de suas vidas como aposentados. Hoje são 28% do tempo de vida.

Isso levou a Previdência ao limites da sua capacidade: estatísticas mostram que as brasileiras, que vivem em média até os 84 anos, recebem aposentadorias por mais tempo do que contribuíram. "Não faz sentido a população ficar pagando para uma pessoa ficar 30 anos aposentada", constatou Marcello Estevão, diretor global de Macroeconomia do Banco Mundial, ao jornal Folha de S. Paulo.

É que, na verdade, em sua definição mais rigorosa, a aposentadoria deve garantir um mínimo existencial àqueles que não puderam contribuir para a Previdência sozinhos. Mas o benefício não deve garantir uma renda adicional para aqueles que podem trabalhar, como os servidores do aparato de Estado – meus entrevistados.

P.S.: Para que não haja mal-entendidos: cerca de 5 milhões de brasileiros (dados de 2017) continuam trabalhando porque recebem muito pouca aposentadoria, e 70% de todos os beneficiários recebem apenas um salário mínimo de R$ 998. A maioria das pessoas precisa complementar a renda. Por outro lado, os vigorosos e ativos funcionários públicos ganham bem mais do que o teto dos aposentados do setor privado.

Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Clique aqui para ler suas colunas. 

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