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Irã usa concurso de caricaturas como propaganda política

Sarah Judith Hofmann / Parsa Bayat (pv)3 de junho de 2015

Teerã promove exposição de desenhos que retratam grupo "Estado Islâmico". Objetivo seria mostrar suposta ligação dos jihadistas com Israel e EUA e que extremistas não têm nada a ver com o verdadeiro islã.

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Foto: picture-alliance/dpa/A. Taherkenareh

Sangue escorre pelos dentes pontudos do lobisomem. Com turbante preto e barba longa, ele remete a um jihadista. A trela que o segura mostra duas bandeiras: as de Israel e dos Estados Unidos. A imagem representa o grupo extremista "Estado Islâmico" (EI) como cão de caça, impulsionada pelos dois tradicionais arqui-inimigos do Irã.

O desenho pode ser visto numa exposição de caricaturas em Teerã, que foi aberta nesta semana no centro cultural Arasbaran. Um total de 270 desenhos é dedicado ao EI. Eles refletem a interpretação iraniana dos crimes que são cometidos em nome de um "Estado Islâmico" na Síria e no Iraque.

A exposição é o resultado de um concurso internacional, promovido pelo próprio governo iraniano, em busca da melhor caricatura e do melhor desenho em referência ao Daesh – como o EI é chamado no Irã e também na maioria dos países árabes.

Caricaturas como instrumento de propaganda

O organizador Massud Shodchaei afirmou na abertura da exposição que não apenas a política precisa chamar atenção para as atrocidades cometidas pelos extremistas do EI. Essa é também uma tarefa para artistas muçulmanos.

O cartunista iraniano Mana Neyestani não participou do concurso. Ele vive em Paris. Após a controversa eleição presidencial de 2009, ele teve que deixar sua terra natal. Desde então, o artista observa o Irã da perspectiva de exilado. Os desenhos expostos em Teerã ele viu pela internet.

"Claro que é certo satirizar o EI através de caricaturas", diz. Mas para Neyestani, que recebeu em 2010 o prêmio Cartoonists Rights Network International (Rede Internacional de Diretos dos Cartunistas, em tradução livre), a exposição é claramente propaganda do governo. "Provavelmente o objetivo é colocar Israel e os EUA em conexão com o terrorismo do EI", afirma.

Ausstellung von IS-Karikaturen in Teheran
Terrorista do EI é massageado por Israel em cima da bandeira dos EUAFoto: picture-alliance/dpa/A. Taherkenareh

Chama atenção o fato de, numa série de caricaturas e desenhos, a estrela de Davi, símbolo de Israel, ou as estrelas e as listras americanas terem sido colocadas ao lado de símbolos do EI ou inscrições como "Daesh". Dessa forma, a competição segue a tradição do concurso antissemita de caricaturas sobre o Holocausto, realizado pela primeira vez no Irã em 2006 e duramente criticado pelo então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e pela organização Repórteres Sem Fronteira. Também esse concurso fora organizado por Shodchaei.

Merkel e Obama com narizes de Pinóquio

Algumas caricaturas do concurso deste ano deixam o EI completamente de fora – como as do artista que usa o pseudônimo Ridha Ridha e supostamente vem da Alemanha. Em vez disso, ele mostra líderes como a chanceler federal alemã, Angela Merkel, e os presidentes de França e dos EUA, François Hollande e Barack Obama, ao lado do rei saudita Salman ibn Abd al-Aziz – todos com longos narizes à la Pinóquio.

Outros ilustradores que participaram do concurso vêm da Indonésia e da Turquia, mas a maioria vem do Irã. Nenhum dos artistas é conhecido – nem no Irã nem no exterior.

Os organizadores da exposição destacam que os jihadistas são representados como uma ovelha negra no meio de um rebanho de ovelhas brancas, que simbolizam a maioria pacífica de muçulmanos, por exemplo.

"Graças a esses brutais assassinos existe agora uma suspeita generalizada contra todos os muçulmanos ao redor do mundo", disse uma estudante que visitou a exposição. A mensagem oficial é a seguinte: o "Estado Islâmico" não tem nada a ver com o verdadeiro islã.

Ausstellung von IS-Karikaturen in Teheran
Premiê israelenese, Benjamin Netanyahu, abraçado com o rei saudita. Israel é um dos principais alvos dos desenhosFoto: picture-alliance/dpa/A. Taherkenareh

A era do diálogo

"A era de violência e reações radicais passou. Estamos agora na era do diálogo e da lógica", disse o presidente iraniano, Hassan Rohani. O Irã quer tentar apresentar o islã ao mundo como uma ideologia pacífica. Mas exatamente isso o EI estaria impedindo e contaminando, assim, a imagem internacional do islã.

O fato de que o Irã está ridicularizando o EI não é surpreendente. O grupo sunita do "Estado Islâmico" pertence aos arqui-inimigos da xiita República Islâmica do Irã. Na Síria, assim como no Iraque, o EI ameaça não só Patrimônios Mundiais, como a cidade de Palmira, mas também santuários xiitas.

O presidente da Síria, Bashar al-Assad, é há muito tempo aliado do Irã. O governo de Teerã tenta apoiar Assad o maior tempo possível. Isso inclui, além de apoio militar, também a propaganda contra o "Estado Islâmico".

O curador Shodchaei disse, em Teerã, que tentará expor as caricaturas anti-EI também em países árabes e europeus. O Ministério das Relações Exteriores do Irã o desaconselhou a fazê-lo, alegando que o perigo de ataques é alto. Provavelmente esse não é o único motivo. No fim de junho se esgota o prazo para um acordo final sobre o programa nuclear iraniano com os Estados Unidos. E os desenhos na exposição não são exatamente diplomáticos.