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História

4 de julho de 2009

A 4 de julho de 1776, os EUA se tornavam independentes. Em entrevista à Deutsche Welle, o professor Norbert Rehrmann, da Universidade de Dresden, fala dos efeitos da independência norte-americana para a América Latina.

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Independência dos EUA em pintura de John Trumbull, por volta de 1816

Deutsche Welle: 1776 foi o ano da independência dos EUA; 1789, o da Revolução Francesa e em 1810 começavam os movimentos de independência na América Latina. Em 1812, acontecia a guerra entre Inglaterra e EUA. Há relações entre todos esses fatos históricos?

Norbert Rehrmann: Existe toda uma série de relações. A Revolução Francesa foi um marco intelectual – através de livros e cidadãos franceses que visitaram a América Latina – que desempenhou um papel importante.

Para muitos habitantes da América Latina, não necessariamente um papel muito positivo, porque o radicalismo da Revolução Francesa também despertou grandes temores na América do Sul. A independência dos EUA, pelo contrário, foi saudada com entusiasmo, mesmo que na América do Sul se soubesse muito pouco a respeito da América do Norte.

Eram poucas as personalidades latino-americanas que haviam visitado, até aquele momento, os EUA. Francisco de Miranda foi um dos mais conhecidos, tendo escrito um "diário" num tom extraordinariamente positivo em relação aos EUA. Miranda, o precursor do movimento de independência na Venezuela, esteve realmente entusiasmado pelos EUA.

Houve influências diretas dos EUA sobre os processos de independência na América Latina?

Não, como lamentavelmente tiveram que constatar os latino-americanos no início do movimento de independência. Miranda, por exemplo, tinha esperanças de que os EUA prestassem um apoio militar a esses movimentos.

Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar Palacios y Blanco
Simón Bolívar (1783 - 1830)

Simón Bolívar [líder revolucionário venezuelano que se envolveu no processo de independência de vários países latino-americanos], quando retornou de sua segunda viagem à Europa, em 1807, esteve por algumas semanas nos EUA. Também ele nutria essa esperança, mas esse apoio prático, militar, não aconteceu.

Ao contrário, existiu um longo intercâmbio entre Bolívar e Baptist Irvine, encarregado dos EUA para a América do Sul. Bolívar se queixava amargamente que os EUA não apenas deixavam de ajudar, mas que haviam, inclusive, colocado alguns barcos e armas à disposição das forças realistas espanholas. Ou seja, o apoio militar que os latino-americanos haviam esperado obter dos EUA não aconteceu.

E quais foram as influências ideológicas da revolução nos Estados Unidos sobre a América do Sul?

O movimento de independência dos EUA teve um caráter de modelo para os sul-americanos, que perceberam que a independência de uma metrópole poderosa era possível. E, nessa época, a Inglaterra era mais poderosa que a Espanha [e Portugal].

Ou seja, se os norte-americanos haviam conseguido se desvencilhar da Inglaterra, acreditava-se que, para os sul-americanos, seria até mais fácil se tornar independente de uma Espanha debilitada. No entanto, a influência ideológica foi muito ambivalente.

Vejamos dois exemplos. Primeiro, o federalismo dos EUA não agradava à maioria dos latino-americanos. Bolívar era um centralista ferrenho e a maioria dos caudilhos do movimento de independência era também centralista. Segundo, os latino-americanos também viam com receio o sistema político liberal dos EUA.

As influências das tradições políticas britânicas foram mais fortes nos Estados Unidos que na América do Sul, onde talvez tenham tido mais força os ideais franceses?

Romanist Norbert Rehrmann
Norbert Rehrmann, professor da Universidade de DresdenFoto: Norbert Rehrmann

Não necessariamente. A Inglaterra também foi um modelo para os movimentos de independência na América Latina, sobretudo no que diz respeito ao sistema de duas câmaras. Na América do Sul, os aspectos constitucionais britânicos eram considerados muito interessantes, porque, através de uma segunda câmara, tornava-se possível frear as influências de uma democracia liberal.

O próprio Bolívar havia estado na Inglaterra, junto com Francisco de Miranda, que havia estudado muito intensamente o sistema inglês e recomendado a adoção do sistema constitucional inglês, tal qual ele era, na América do Sul.

Que papel desempenhou a Doutrina Monroe, formulada nos Estados Unidos em 1823, para a estabilização das jovens repúblicas latino-americanas?

Este é um aspecto amplo. Hoje, quando se discute sobre a Doutrina Monroe, sem conhecimentos históricos específicos, aponta-se, em geral, o imperialismo norte-americano e seu expansionismo, que sem dúvida existiram. E esse foi também o motivo principal da Doutrina Monroe: a legitimação do Manifest Destiny, o destino manifesto, a ideia de que os Estados Unidos estavam destinados a dominar, por seus méritos, todo o continente, do Alasca à Terra do Fogo.

Mas, mesmo assim, há de se lembrar que, naqueles tempos, também estavam muito vivos o imperialismo e o colonialismo europeus. A Doutrina Monroe também se voltou contra essas atividades europeias, contra todas as tentativas de reconquista levadas a cabo pela Espanha, no Peru ou no Chile, por exemplo, no decorrer do século 19. E também contra o imperialismo francês no México.

O imperialismo europeu estava ainda muito ativo naquele tempo. É compreensível que os Estados Unidos temessem que da América do Sul pudessem surgir perigos, caso as potências europeias voltassem a fincar pé ali. É necessário lembrar que, naquela época, os EUA não tinham muito poder, nem sequer uma frota, como seria o caso mais tarde.

O professor Norbert Rehrmann é especialista em História, Cultura e Política Latino-Americana e Espanhola. É autor, entre outros, de volumes sobre a história da América Latina e de uma biografia de Simón Bolívar.

Autor: Pablo Kummetz