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Indústria do açúcar influenciou pesquisa, diz estudo

13 de setembro de 2016

Representantes da indústria açucareira teriam manipulado durante décadas pesquisas sobre os efeitos do produto na saúde, atribuindo problemas cardíacos apenas ao colesterol e gorduras saturadas.

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açúcar
Foto: bit24 - Fotolia

Uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira (12/09) pode ser o mais recente exemplo de como a indústria alimentícia e de bebidas tenta manipular a compreensão púbica sobre a nutrição.

O estudo é parte de um projeto em andamento da ex-dentista Cristin Kearns, que visa revelar os esforços da indústria para abafar durante décadas os dados científicos associando o consumo de açúcar a problemas de saúde como doenças cardíacas e diabetes.

O trabalho se baseia em correspondências entre um grupo conhecido como Associação do Açúcar e pesquisadores da Universidade de Harvard. Publicado pelo jornal Jama Internal Medicine, o estudo analisou 31 páginas de correspondências entre o grupo que representa os interesses da indústria açucareira e pesquisadores de Harvard.

Segundo documentos encontrados em arquivos públicos, em 1964 a Associação do Açúcar discutia internamente sobre uma campanha para lidar com as "atitudes negativas em relação ao açúcar", após o aparecimento de alguns estudos ligando o consumo do produto a doenças cardíacas.

No ano seguinte, foi aprovado o "Projeto 226", que incluía o pagamento aos pesquisadores de Harvard em valores que equivalem hoje a quase 50 mil dólares por um artigo baseado em literatura científica sobre o consumo do açúcar, a partir de materiais escolhidos pelo grupo, o qual receberia esboços do texto antes da publicação da versão final.

Sobrevalorização dos efeitos do colesterol

O artigo resultante, publicado em 1967, conclui que "não há dúvidas" de que a única intervenção nos hábitos alimentares necessária para evitar problemas cardíacos seria reduzir o colesterol e o consumo de gorduras saturadas. Os pesquisadores sobrevalorizaram a literatura sobre o colesterol e a gordura, enquanto minimizavam os efeitos do açúcar.

"Asseguramos que isso é bem o que tínhamos em mente e aguardamos pelo texto impresso", escreveu um dos membros da Associação do Açúcar a um dos autores da pesquisa.

O papel da Associação do Açúcar e o financiamento aos pesquisadores não foram mencionados quando o artigo foi publicado pelo New England Journal of Medicine. A publicação apenas passou a exigir a divulgação dessas informações a partir de 1984.

Nos últimos anos, a preocupação dos cientistas que buscam compreender a ligação entre o consumo de alimentos e doenças cardíacas se voltou mais para o açúcar e menos para as gorduras.

Um comitê que forneceu diretrizes nutricionais ao governo americano apontou que "não há relação perceptível" entre o colesterol e as doenças cardíacas, ainda que recomende o consumo limitado de gorduras saturadas.

Papel obscuro dos financiadores

Em comunicado, a Associação do Açúcar admite que "deveria ter exercido maior transparência em todas as suas atividades de pesquisa", mas afirma que a divulgação dos financiadores não era norma quando o estudo foi publicado. O grupo questiona as "contínuas tentativas de Kearns de remodelar ocorrências históricas".

Empresas como a Coca Cola e a Kellogg, além de grupos que representam os interesses de setores como os produtores de carne e de frutas, regularmente financiam pesquisas que se tornam parte da literatura científica e acabam sendo citados por outros pesquisadores.

As empresas dizem que obedecem a padrões científicos e muitos pesquisadores defendem que o financiamento da indústria é essencial para os avanços da ciência, dada a crescente concorrência para obter fundos do governo. Os críticos, porém, afirmam se tratar de estratégias disfarçadas de marketing publicitário, que prejudicam os esforços para melhorar a saúde pública.

Os autores da pesquisa divulgada nesta segunda-feira afirmam que os documentos indicam que os dirigentes políticos devem dar menos importância aos estudos financiados pelas indústrias. Apesar de a divulgação dos financiadores ser algo comum nos dias de hoje, o papel que eles exercem sobre as pesquisas nem sempre é esclarecido.

RC/ap/ots