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Em memória

(sm)1 de agosto de 2007

Um dia após lamentar a morte do cineasta sueco Ingmar Bergman, a opinião pública alemã se despede do italiano Michelangelo Antonioni. Ambos morreram no mesmo dia, selando o fim de uma geração do cinema europeu.

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Michelangelo Antonioni, 2002Foto: AP

O cineasta italiano Michelangelo Antonioni (1912-2007), falecido em Roma na segunda-feira (30/07), é relembrado pela opinião pública alemã como o artista que sempre ousou romper as expectativas e nunca fez concessões estéticas. A irrelevância de um enredo consistente em seus filmes e a ousadia de apresentar o vazio como evento cinematográfico marcam a imagem que os alemães guardam deste cineasta.

Solitários e belos, os personagens de Michelangelo Antonioni ganham contorno em meio ao cenário morto, mas falante, de Roma, Londres ou da produção petroquímica do delta do Pó. Eles não falam, são herdeiros de uma restrição muda ao "mundo gerenciado". E essa restrição consiste em belos olhos e um olhar decididamente desesperado, voltado para o interior.

(Diedrich Diederichsen, tageszeitung)

Italien Filmregisseur Michelangelo Antonioni gestorben Filmszene Zabriskie Point
Cena de 'Zabriskie Point' (1969), com Daria HalprinFoto: picture-alliance / akg-images

O alheamento se estabelece antes mesmo de surgir qualquer proximidade. (...) Para narrar esses estados de isolação e alheamento, Antonioni não precisa de um enredo linear e de nenhum psicograma coerente dos personagens. Ele tinha a coragem de permitir o ponto morto, o silêncio e a ambivalência. Construía a estrutura a partir de recursos genuinamente fílmicos.

(Christina Nord, tageszeitung)

Foi o único cineasta que sempre olhou para frente, totalmente livre de veleidades nostálgicas – e Roland Barthes prestou uma homenagem a isso. Antonioni era fascinado pela era industrial, por seus parques fabris e sua magia de cores plásticas. (...) Ele esperava muita coisa do homem novo.

(Fritz Göttler, Süddeutsche Zeitung)

Quando se recapitula hoje a história do cinema do século 20, o cinema de Michelangelo Antonioni parece estranho. Ele é ligado por muitos fios – caras, modas, músicas, falas e objetos – aos anos 1950, 60, 70 e 80, mas ao mesmo tempo se destaca de maneira fascinante, solitário em sua pureza, em seu ímpeto criador que não fazia concessões.

Foi Valéry que escreveu que queria erguer um monumento para cada uma de suas dificuldades. "Um pequeno templo para cada questão. Uma estela para cada enigma." Antonioni conseguiu isso. Cada um de seus enigmas se tornou um filme ou pelo menos um esboço, e onde não se podia realizar o esboço, ele o projetou na tela das palavras."

(Andreas Kilb, Frankfurter Allgemeine Zeitung)

Italien Filmregisseur Michelangelo Antonioni gestorben Filmszene Blow Up
Cena de 'Blow Up' (1966), com David Hemmings e Veruschka von LehndorffFoto: picture-alliance/maxppp

Como o falecido cineasta Ingmar Bergman, Antonioni também aborda em seus filmes uma experiência cotidiana do alheamento, mas ela se revela apenas visualmente. O que significa para uma cultura, quando – como em Blow Up – o papel fotográfico é mais esperto que o fotógrafo? E o que escapa, por sua vez, aos meios técnicos de reprodução, onde começa o espaço da imaginação?

Em 1960, a estréia de A Aventura em Cannes culminou em um concerto de vaias. Que história é essa, em que uma mulher se perde numa ilha, seu namorado não demora a se consolar com uma outra e o desaparecimento não é nem sequer esclarecido?

Hoje, ao se assistir A Aventura, ainda se pode vivenciar como a recusa aos focos de suspense transforma o cinema narrativo em uma coisa completamente diferente. A ocorrência vira um cinema absolutamente libertado do componente literário.

(Daniel Kothenschulte, Frankfurter Rundschau)

É uma estranha coincidência. Na mesma época em que Ingmar Bergman fazia filmes em que se podiam ver casais em crise tentando salvar o que havia para salvar, Michelangelo Antonioni estava rodando filmes que nem sequer permitiam a possibilidade de ser um casal. O fato de eles terem morrido no mesmo dia, um com 89 anos, na ilha báltica de Faro, na segunda-feira de manhã, e o outro com 94 anos, na segunda à noite, em sua casa em Roma, seria acaso demais para um filme. Na vida real, isso faz parte daquela contingência com que temos que lidar a duras penas.

(Christina Nord, tageszeitung)