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Hungria de Orbán desafia a União Europeia

Keno Verseck
12 de novembro de 2020

Premiê húngaro arrisca caos no bloco ao ameaçar veto a orçamento da UE e fundo de reconstrução pós-pandemia. Líder nacionalista discorda de mecanismo previsto pela UE que prevê sanções à violação de valores fundamentais.

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Viktor Orbán falando ao microfone
Viktor Orbán quer usar o direito de veto de seu país contra o novo orçamento da UEFoto: Reuters/B. Szabo

Após vários meses de controvérsia na União Europeia (UE), foi alcançado um acordo por iniciativa da diplomacia alemã: o chamado mecanismo do Estado de Direito, que permite ao bloco impor sanções financeiras aos Estados-membros que violarem normas constitucionais e valores fundamentais da UE. O mecanismo deve ser votado junto com o novo orçamento da União Europeia e o fundo de ajuda pós-pandemia.

Os governos da Hungria e da Polônia, razões desse debate na UE, foram veementemente contra desde o início. Por isso, ao contrário dos planos originais, o mecanismo acabou atenuado. Agora, para que sejam impostas sanções a um país pela Comissão Europeia, é necessária a aprovação de uma maioria qualificada de 15 Estados-membros com, no mínimo, 65% da população da UE. Um critério nada fácil de atender.

Mas mesmo este acordo não é aceito pelo primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. Ele pretende usar o direito de veto de seu país contra o novo orçamento da UE. Em uma carta ao presidente do Conselho da UE, Charles Michel, à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e à Alemanha, atualmente na presidência rotativa da UE, Orbán escreveu que a Hungria "não pode dar unanimidade" ao pacote orçamentário da UE. Na carta, tornada pública no último domingo, o premiê criticou o planejado mecanismo do Estado de Direito como "vagamente definido". Portanto, em sua opinião, oferece a possibilidade de abuso político.

Polônia também quer vetar

Dois dias antes, Orbán já havia feito afirmações semelhantes em sua declaração semanal no rádio. Ele citou inclusive teorias da conspiração, de que o mecanismo do Estado de Direito foi fruto do trabalho de George Soros. Anos atrás, afirmou o premiê, o bilionário americano já havia sugerido sanções financeiras contra Estados da UE que não queiram aceitar migrantes. De acordo com Orbán, os políticos que "comem da mão de Soros" já implementaram este plano.

É possível que o primeiro-ministro da Hungria também conte com o veto da Polônia. O primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki, anunciou na semana passada que não votaria a favor do mecanismo do Estado de Direito. Morawiecki, no entanto, não falou em vetar o pacote orçamentário da UE e o fundo de apoio pós-pandemia.

Se Orbán concretizar sua ameaça, a União Europeia mergulharia em outra grave crise, em plena pandemia. Ainda não está claro se diplomatas em Bruxelas e em Berlim buscarão outro acordo com Orbán. Se a Hungria cumprir a ameaça de veto, não haverá orçamento. Os Estados da UE só poderiam decidir sobre um fundo separado para a reconstrução pós-pandemia.

Cruzada conservadora

No entanto, Orbán e seu governo estão dando claras demonstrações de que não estão dispostos a fazer concessões no antidemocrático processo de transformação da Hungria. Na terça-feira (10/11), o Parlamento húngaro voltou a votar – como já acontecera no início do ano –poderes especiais a Orbán e seu governo por causa da pandemia de coronavírus. A maioria da oposição só deu seu consentimento porque a medida é limitada a 90 dias. Durante este período, o premiê pode governar por decreto.

Da outra vez, ele usou a oportunidade para emitir inúmeras ordens que nada tinham a ver com o combate à pandemia, mas foram dirigidas contra a oposição ou favoreceram empresários próximos a ele. Pouco depois da votação, seu governo apresentou um plano para outra emenda constitucional − a nona em nove anos. Uma emenda homofóbica na Constituição causou grande agitação pública: ela previa que no artigo referente a casamento e família seria acrescentado que "a mãe é uma mulher; o pai, um homem."

Orbán e outros políticos do governo húngaro costumam chamar a atenção com declarações homofóbicas por vezes extremamente discriminatórias, classificando, por exemplo, homossexuais como pedófilos ou negando-lhes direitos iguais aos de cidadãos "normais". É possível, no entanto, que esta emenda constitucional tenha apenas a finalidade de desviar a atenção de outra passagem, menos perceptível, e que poderia causar indignação pública.

Ela estipula que todas as disposições sobre fundações públicas e seus ativos devem ser aprovadas no Parlamento por uma maioria de dois terços. Isso poderia ser uma espécie de mecanismo de segurança para decisões não transparentes do governo de Orbán sobre tais fundações. Por exemplo, o Mathias Corvinus Collegium, uma espécie de forja de quadros de elite do sistema Orbán, recentemente recebeu bilhões do Estado, incluindo ações e imóveis, de forma totalmente obscura.

Também na terça-feira − exatamente um minuto antes da meia-noite − o governo de Orbán apresentou ao Parlamento uma mudança na lei eleitoral. No sistema de sufrágio misto da Hungria, com candidatos diretos e listas de partidos, isso fortalece o único grande partido − o Fidesz, do próprio Orbán − e enfraquece ainda mais do que antes a posição de partidos menores. Entre outras coisas, os partidos teriam que apresentar candidatos individuais em 50, em vez dos 27 distritos eleitorais como agora, para ter o direito de concorrer com uma lista partidária.

Isso deixaria ainda mais claro o que especialistas eleitorais húngaros independentes vêm criticando há muito tempo: embora as eleições ainda sejam livres na Hungria de Orbán, suas condições estão se tornando cada vez mais injustas.