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Gabeira: "Lula e Bolsonaro são duas visões populistas"

Guilherme Becker
9 de junho de 2021

Em entrevista à DW Brasil, fundador do PV critica polarização em torno de "visões populistas de esquerda e de direita", defende terceira via na eleição e nega um dia ter apoiado Bolsonaro: "PT tenta me atribuir isso".

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Fernando Gabeira em 2012
Fernando Gabeira: "No Brasil, a ascensão da extrema direita se deu em torno do fracasso do processo de democratização"Foto: Fotoarena/imago stock&people

O jornalista Fernando Gabeira é uma das mais notórias figuras tanto em termos de participação ativa quanto de análise política no Brasil. Deputado federal por quatro mandatos seguidos pelo Rio de Janeiro (Partido Verde e PT, entre 1995 e 2011), rompeu com o Partido dos Trabalhadores logo no início do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, tornando-se um crítico do PT.

Nos anos 1960 participou da luta armada contra a ditadura militar, o que lhe rendeu uma década de exílio em países como Chile, onde testemunhou o golpe de Estado de 1973, e Suécia, até retornar ao Rio em 1979.

Idealizador e fundador do Partido Verde na década de 1980, Gabeira concorreu à Presidência da República na primeira eleição após a Redemocratização, em 1989. Desde 2013 ele apresenta programas, conduz entrevistas e comenta os cenários políticos nacionais e internacionais no canal GloboNews.

Nesta entrevista à DW Brasil, Gabeira compara a possível eleição de Annalena Baerbock, do Partido Verde da Alemanha, à eleição do democrata Joe Biden nos Estados Unidos. "A consciência verde, que uma chanceler federal desse nível teria, seria importantíssima para questões de defesa da Amazônia."

Ele também fala sobre democracia e agenda ambiental e analisa a ascensão da extrema direita no Brasil e no mundo. "Aqui no Brasil a ascensão da extrema direita se deu muito em torno do fracasso do processo de democratização e também do fracasso de um longo governo de esquerda, que durou 13 anos", afirma.

Gabeira ainda se defende de um suposto apoio ao presidente Jair Bolsonaro em 2018, além de comentar sobre uma possível terceira via para a eleição de 2022. "Tem que haver um candidato que consiga unificar todo o campo", ressalva.

DW Brasil: Há chances de Annalena Baerbock, do Partido Verde, ser eleita chanceler federal alemã em setembro. Como o senhor vê esse cenário? O senhor acredita que uma possível eleição ou participação direta do Partido Verde em uma coalizão governamental na Alemanha pode ter influência sobre outras nações, incluindo o Brasil?

Fernando Gabeira: Sem dúvidas, acho que vai ser uma notícia importantíssima. Como foi a eleição do Biden nos Estados Unidos. O Biden não é um candidato verde, mas aceitou que a questão ambiental fosse para o topo da agenda e desenvolveu um projeto de governo que tem essa característica de buscar sustentabilidade, de investir em empregos verdes, algo que eu acredito que aconteceria na Alemanha de forma talvez até mais precisa e mais bem desenvolvida.

Além disso, a consciência verde, que uma chanceler federal desse nível teria, seria importantíssima também para questões, por exemplo, de defesa da Amazônia. Vivemos um momento muito especial no Brasil, em que a Amazônia está sendo devastada por uma política deliberada do governo Bolsonaro de permitir não só o desmatamento como a atividade indiscriminada dos garimpeiros e a decadência dos povos tradicionais que têm uma grande importância na defesa da floresta.

A Alemanha e a Noruega tinham um fundo dedicado precisamente a financiar projetos sustentáveis na Amazônia. Esse fundo foi sabotado pelo Bolsonaro, e a ajuda foi suspensa. Muito possivelmente, com a ascensão dos verdes, essas negociações podem voltar ou, pelo menos, pode haver uma política mais intensa de pressão para que a Floresta Amazônica seja preservada.

Por que o Partido Verde não deu certo ou não tem alcançado resultados tão expressivos no Brasil, mesmo após um crescimento interessante em termos eleitorais e representativos nos anos 1990 e 2000? Por que o PV não tem a mesma força que seus partidos-irmãos em países desenvolvidos?

Eu acho que houve um bom impulso inicial. Houve a possibilidade de concorrer em eleições legislativas. Foi possível disputar eleições majoritárias nas quais o Partido Verde, aqui no Rio de Janeiro, era cabeça de chapa, e outros partidos eram ligados ao PV. Mas houve um processo mais amplo que acabou atingindo o PV.

Primeiro: de decomposição muito rápido da democracia no Brasil. Parcial e inicialmente, pelo fato de que a esquerda, no poder, foi atingida por denúncias de corrupção muito sérias e não conseguiu se recuperar disso. Então aquela velha aliança que existia entre a esquerda e o PV, que era uma espécie de reprodução da aliança verde-vermelha na Europa, acabou se dissolvendo, parcialmente pela minha decisão de sair, de romper com o PT e denunciar também o processo de corrupção.

Faltou uma espécie de conjunto de intelectuais e de pessoas que pudessem não só formular um Partido Verde, mas sim adaptar o programa do PV a cada instante do momento histórico, de responder a cada situação histórica. E como os candidatos eleitos pelo Partido Verde sempre dependeram, da sua reeleição, de uma certa boa vontade do governo, eles não fizeram a oposição necessária para se colocarem como uma alternativa à esquerda e à direita no Brasil. Eles não conseguiram, digamos assim, montar uma espécie de estaca para uma posição mais no centro que pudesse afastar os extremismos e oferecer uma alternativa.

Mas as necessidades históricas continuam. O Brasil continua sendo uma potência ambiental em um momento em que o mundo cada vez mais se mostra interessado no desenvolvimento sustentável, em combater o aquecimento global através de programas bem claros. Então as possibilidades para que o Brasil assuma um programa verde e tenha uma inserção internacional melhor continuam de pé. Se isso não acontecer através de um partido verde, eu acho que isso pode acontecer através da influência de algum partido existente, como aconteceu nos Estados Unidos: a não existência de um forte partido verde nos EUA não impediu que o tema fosse para o topo da agenda.

Mas qual seria a fórmula para o PV ter mais representatividade e atuar de forma ativa na política nacional?

O caminho talvez seja uma espécie de aliança, na qual verdes e deputados sensíveis à questão ambiental em outros partidos possam formar uma espécie de aliança e conduzir essa questão ambiental dentro dos programas das eleições de 2022. O Brasil vai à eleição em 2022, e certamente essa questão ambiental vai ser muito importante na agenda.

O Brasil é o país que tem a maior biodiversidade do planeta e, assim, tem pautas ambientais muito pertinentes. As questões ambientais têm sido cada vez mais destacadas e debatidas no mundo todo. No entanto, elas ainda parecem muito distantes e inexpressivas para boa parte da população brasileira. A que o senhor atribui isso?

A uma série de questões. A primeira delas é que a população brasileira tem uma série de necessidades que, aparentemente, não são ambientais, mas que deveriam ser parte de um programa ambiental. Quando falamos em meio ambiente e na defesa da Amazônia, [esses são] temas universalmente reconhecidos. Para a população urbana brasileira, sobretudo a população pobre, essas questões não têm tanto significado, mas se você souber, por exemplo, afirmar uma luta pelo saneamento básico, por uma água pura, você teria condições de avançar muito mais.

Eu acho que o problema é saber encontrar no cotidiano da população aquelas questões que são importantíssimas, mas nunca foram reconhecidas como ambientais. Metade dos brasileiros não tem acesso a esse recurso [estima-se que falta saneamento básico a 100 milhões, e água potável para 35 milhões de pessoas no Brasil]. Então um programa ecológico evidentemente passa por essas questões que universalmente são reconhecidas. Mas também por um exame da vida e das necessidades das populações que vivem situações concretas no Brasil.

Alguma influência política faria alguma diferença nesse sentido?

Eu acho que sim. Não haver saneamento básico para metade da população é um sinal do fracasso das elites políticas. Nós já vivemos um momento longo de redemocratização, que começou na década de 1980, e já teríamos que ter isso resolvido. Essa questão foi resolvida por alguns países já no século 19. Nós deixamos passar o século 20, entramos no século 21 e agora vamos talvez esperar uns 30 anos para resolver essa questão. Mas eu acho que ela tem que ser politizada. Ela tem que ser um tema da agenda política, assim como a questão da água potável.

E nas grandes populações urbanas eu acho que tem que se colocar a qualidade de vida. As pessoas vivem em áreas remotas, não há parques, não há lazer, não há um trabalho voltado para a qualidade de vida. Você tem o equipamento social concentrado nos centros e nos bairros ricos, e nos bairros mais pobres você tem um ajuntamento de casas.

A eleição de 2022 se aproxima com uma possível polarização entre Lula e Bolsonaro. Como o senhor enxerga esse cenário?

A polarização é tudo que as pessoas veem no momento. Mas existe um trabalho de articulação para ver se é possível apresentar um candidato que não seja nem um nem outro. Um candidato de centro que possa expressar alguma expectativa mais moderna. Porque, de um modo geral, são duas visões populistas: uma de esquerda e outra de direita. Articula-se muito sobre isso. Mas vai depender também da evolução dos acontecimentos.

O Bolsonaro tem tido, nos últimos meses, um desgaste muito grande. O prestígio dele tem caído. Pode ser que daqui a um ano e meio ele esteja tão desgastado que não vá ao segundo turno, e o segundo turno seja entre um candidato do centro e um da esquerda. É possível que isso aconteça. Mas é muito difícil prever essa situação porque, no momento, tudo indica ainda que a polarização é entre o Bolsonaro e o Lula.

O senhor acredita em uma terceira via por meio de um candidato de centro?

Se forem preenchidas algumas condições. Eu acho que o campo não pode estar muito atravancado. Tem que haver um candidato que consiga unificar todo o campo. Se isso for possível, e se ele conseguir se apresentar de uma forma tranquila nas eleições, pode ser que grande parte da população queira olhar para frente. O que você tem hoje é uma grande insatisfação com o Bolsonaro e uma lembrança do governo do PT como alternativa.

Uma outra condição é um programa que saiba interpretar as necessidades atuais do Brasil. E uma terceira condição é a capacidade de falar com a população com uma linguagem inteligível. Os dois outros candidatos, o Lula e o Bolsonaro, cada um à sua maneira, se comunicam muito bem com a população. Eles têm uma linguagem, um estilo que é facilmente reconhecível. Nós precisaríamos de um candidato que tenha também não só essa capacidade de unir e um programa moderno, mas que tivesse essa linguagem e essa proximidade com o povo.

Mas o senhor enxerga algum possível candidato?

Existem vários candidatos na arena tentando viabilizar o nome. Existem alguns que teriam essas condições de falar com o público porque já vêm de um processo profissional que possibilita isso. É o caso do Luciano Huck, por exemplo. Ele faz um programa de televisão com vários quadros voltados para a população mais pobre, destinados a ajudar as pessoas no cotidiano. Então ele tem uma linguagem mais próxima. Mas, ao mesmo tempo, ele está sendo seduzido por um trabalho na televisão com um salário astronômico, então possivelmente não enfrente a situação.

Existem outros que estão aí no centro, tentando, que são candidatos, como é o caso do Ciro Gomes, do PDT, do João Amoêdo, do Partido Novo, do Mandetta, que foi ministro da Saúde. Todos eles estão tentando botar um pé, mas nenhum deles se apresenta ainda como candidato e não entra na arena com a clareza que o Bolsonaro e o Lula têm.

As instituições políticas e o atual governo estão em crise em vários aspectos. O senhor acredita numa reeleição de Bolsonaro?

Eu acho que a situação é muito imprevisível, mas eu acredito que, em termos eleitorais, o governo tende a ser derrotado. O único problema que vai se colocar é se ele aceitará ou não a derrota porque o governo já iniciou uma campanha questionando o voto eletrônico. Um voto que ninguém contesta no Brasil, um tipo de votação bastante moderno, e ele quer que se volte ao tempo de se oferecer um certificado de papel.

O voto impresso.

É, exatamente. Ele está preparando as circunstâncias para que a vitória do candidato que eventualmente lhe derrotar não seja legítima. Um pouco parecido com o processo dos EUA.

O gasto com o voto impresso seria de mais de R$ 2 bilhões.

É, então muito possivelmente isso não vai acontecer. É possível que não aconteça, e ele vai questionar a votação eletrônica dizendo que foi uma fraude. É um problema perigoso porque você pode reproduzir em escala até maior aquelas manifestações da invasão ao Capitólio.

O senhor acha que é possível isso ocorrer? Em 2013, ocorreram os protestos contra o governo petista que levaram milhares de pessoas à Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Não houve uma invasão, mas uma "tomada externa" de prédios e da Esplanada.

Eu acho mais difícil. Uma vez que o processo eleitoral está se aproximando, eu acho que todas as expectativas de mudança acabam se canalizando para a mudança eleitoral. E o tipo de manifestação do Capitólio é diferente das de 2013. As de 2013 foram massivas. As manifestações no Capitólio são resultado de uma extrema direita organizada.

A agressividade e a violência estão cada vez mais evidentes na política brasileira desde o começo da última década. O senhor pensa que será possível, um dia, existir um Brasil politicamente mais consciente em termos democráticos?

Eu acho que tem que se trabalhar com essa perspectiva, com esse objetivo. Mas você vê que países como os EUA, que têm um pouco mais de maturidade nesse campo da democracia, viveram momentos difíceis agora com a eleição do Biden e o questionamento do Trump e essas tentativas todas. Eu acho que o processo de amadurecimento virá, mas ele será muito tumultuado, muito cheio de episódios dramáticos no caminho. Manifestações, protestos, violência policial: tudo isso está previsto no caminho.

O senhor então não acredita que essa truculência vá deixar de existir tão cedo na política brasileira?

Eu acho que ela pode ser atenuada, mas deixar de existir é um pouco de ilusão. Eu acho que temos que contar com esses fatores ainda.

Em 2018, o senhor disse que a eleição de Bolsonaro era "uma forma de virar a mesa", ou seja, uma tentativa de alterar o jogo político do país. No ano passado, o senhor mostrou-se arrependido quanto ao "perigo que Bolsonaro representava em 2018". O senhor, na época, apoiou Bolsonaro?

Eu vou explicar o que eu quis dizer, mas isso foi extraído do contexto pelo PT. Exatamente uma tentativa de tentar me culpar pela vitória do Bolsonaro quando, na verdade, o PT tem uma culpa muito maior do que eu [risos]. Quando eu disse que o Bolsonaro significava uma virada de mesa, eu estava dizendo que isso significava para os eleitores dele. Por duas razões: primeiro porque, para os seus eleitores, significava uma luta contra a corrupção, que ele negou agora. Segundo porque ele significava também uma pessoa com a intenção de reduzir a violência urbana. Ele tinha uma política de segurança, algo que os outros candidatos não tinham claramente.

Mas isso não significa, de forma alguma, que eu concorde com essa política do Bolsonaro. Pelo contrário. A política de segurança dele é baseada em aumento da violência, baseada em armamento, em autorização para matar, enquanto a minha visão de política de segurança é baseada em desarmamento, em inteligência, enfim, é de respeito aos direitos humanos, é completamente diferente.

Então o PT tentou me atribuir isso como se eu tivesse alguma expectativa no Bolsonaro a respeito de uma mudança real no país. Não. Eu não tinha isso. Eu convivi com ele por 16 anos, eu conheço as limitações dele. Agora, isso é a lenda que o PT desenvolve, no sentido de dizer que de uma certa maneira eu apoiei o Bolsonaro. E isso também é a forma de me punir por não ter votado no candidato deles. Nas eleições, eu votei nulo. Eu não queria votar nem no PT nem no Bolsonaro. No segundo turno. No primeiro turno, eu votei na Marina.

Como o senhor enxerga a ascensão da extrema direita em alguns países europeus nos últimos anos, e também nos EUA e no Brasil? Qual é a mensagem que isso passa para o mundo e o eleitorado, na sua opinião?

É muito difícil entender essa ascensão da extrema direita de uma forma única. Acho que na Europa a questão da imigração tem um peso fora do comum que não existe aqui no Brasil. Quase toda ascensão da extrema direita na Europa se deu em função do medo e da rejeição aos imigrantes. Na França, na Hungria, em quase todos os países existe uma espécie de revolta de um setor da população que acha que os imigrantes estão invadindo, disputando empregos, trazendo violência, dissolvendo os costumes e as tradições.

Aqui no Brasil a ascensão da extrema direita se deu muito em torno do fracasso do processo de democratização e também do fracasso de um longo governo de esquerda que durou 13 anos. Sempre houve no Brasil uma disputa entre direita e esquerda. Mas isso dentro de um contexto democrático. Às vezes, o PSDB criava uma aliança de centro-direita e vencia as eleições contra o PT, que representava a esquerda. Mas o processo de decadência do regime democrático no Brasil, marcado sobretudo pela distância das eleições.

As eleições, no Brasil, se transformaram em algo muito caro. São gastos milhões de dólares. E, para isso, houve uma espécie de aproximação dos empresários que atuam com o governo ou que têm esperança de atuar com o governo e os partidos políticos. Então todas as eleições passaram a ser uma espécie de associação de partidos políticos com empresários querendo lucrar com eles. E os partidos, em função disso, se afastaram muito da própria população e dos anseios da população.

Esse processo de decadência geral da democratização que tinha, naquele momento específico, o PT e a esquerda como, digamos assim, os guardiões do sistema político, que estava no poder, foi muito explorado pela extrema direita no sentido de mostrar que era preciso mudar tudo, rever tudo. Parcialmente, utilizando o tema da corrupção e também a violência urbana. O que aparentemente funcionou no Brasil como um instrumento de medo é exatamente a violência nas grandes cidades, mas também a presença da população mais pobre, em situação muito dramática. Ela teve também um papel indireto, não específico como dos imigrantes na Europa.

Isso tudo permitiu que a extrema direita ascendesse. Mas ela não teve as mesmas características. Você vê, por exemplo, que a extrema direita no Brasil, quando se tratou de receber imigrantes da Venezuela, ela foi extremamente generosa, porque a Venezuela era um país de esquerda, e era preciso estabelecer essa abertura para os imigrantes da Venezuela. Aqui o tema não foi imigração. Foram a pobreza interna, a violência urbana e a decadência do sistema democrático.